Alemanha quer "parceria forte com o Brasil" no clima
9 de dezembro de 2022Acostumada a falar por ativistas de todo o globo para cobrar mais ação de governos no campo da política ambiental, Jennifer Morgan, ex-diretora do Greenpeace, agora percorre o mundo como a voz internacional da política climática alemã.
Em sua primeira visita ao Brasil, encerrada nesta sexta-feira (09/12), Morgan, que ocupa desde fevereiro o posto de Secretária de Estado e Representante Especial da Política Climática Internacional do Ministério do Exterior da Alemanha, diz ter vindo ao país em busca de parcerias fortes.
"Ficamos muito felizes e recebemos muito bem a eleição de Lula no Brasil. O discurso dele na Conferência do Clima (COP 27) e as promessas de acabar com o desmatamento são muito bem-vindas. Nós queremos uma cooperação mais próxima, não só no combate a desmatamento", disse Morgan durante participação no seminário "Clima e Educação", realizado pela Embaixada da Alemanha e o Instituto Clima e Sociedade, na última quarta-feira.
Mesmo antes de a equipe de Lula tomar posse, Morgan acha importante iniciar conversas sobre os detalhes da retomada do Fundo Amazônia e não descarta possíveis mudanças no seu funcionamento. Paralisado durante os anos de administração de Jair Bolsonaro, o fundo apoia projetos que combatem o desmatamento e evitam emissões de gases de efeito estufa. Com recursos doados principalmente por Noruega e Alemanha, o fundo ainda tem cerca de R$ 1,5 bilhão em caixa.
A nova legislação aprovada pelos países-membros da União Europeia que veta importação de produtos vindos de áreas desmatadas e obriga as empresas a saberem a origem correta das mercadorias coloca Europa num papel diferente, defende Morgan. Para ela, os consumidores do continente agora têm a oportunidade de fazerem parte da solução, e não do problema.
O desmatamento na Amazônia é a principal fonte de gases de efeito estufa do país, que aceleram as mudanças do clima. A pecuária é apontada como o principal vetor do corte da floresta.
Após o evento, Morgan conversou com jornalistas e respondeu a perguntas da DW Brasil.
DW Brasil: A senhora por muitos anos foi uma voz ativa forte como ativista ambiental, no papel de cobrar governos e agora está no papel de representar o governo alemão fora do país. Como a senhora tem combinado essas experiências e lidado com as expectativas da sociedade civil que a senhora tanto representou?
Jennifer Morgan: É uma tremenda honra e oportunidade trabalhar como enviada especial do governo alemão e trabalhar para a ministra Annalena Baerbock, uma campeã climática. O governo alemão tem como prioridade a ação climática, o compromisso com a meta de manter o aquecimento do planeta a 1,5°C, compromisso com a transformação interna para energia renovável, e também solidariedade internacional. Isso tudo fez com que fosse possível para mim exercer esse cargo, porque esses também são meus objetivos.
Antes de aceitar o convite para assumir esse posto, eu li muitas vezes o acordo de coalizão que o governo alemão assinou. E eu me senti muito conectada a ele. Então eu decidi usar toda a experiência que eu tenho, de muitos anos, e todos nós sabemos o quão vital a sociedade civil é, o quanto ela é importante para provocar mudanças.
E ser essa espécie de ponte, estar do lado dos tomadores de decisão, a maior diferença, eu acho, é o nível de responsabilidade que vem com isso, não só com os jovens ativistas, mas com todos os nossos cidadãos.
DW Brasil: A Alemanha pretende usar usinas movidas a carvão nos próximos meses devido a esse cenário de crise energética trazido pela guerra na Ucrânia. Recorrer a essa fonte fóssil, de alguma forma, compromete as conversas sobre um futuro mais limpo e combate às mudanças climáticas aqui?
O foco principal da Alemanha e o compromisso legal é atingir uma economia neutra em carbono até 2045. É a meta mais ambiciosa de um país desenvolvido no mundo.
O objetivo também é escalonar o uso de renováveis, o que está definido por lei.
Quando falamos sobre carvão, temos o fim do uso dessa fonte previsto por lei para 2030. O que estamos fazendo agora é acionar no duas ou três usinas de carvão para mantê-las em reserva.
É preciso ressaltar que 55% do gás natural deixou de ser usado num período inferior a um ano. [Nota da redação: Em 2021, a Rússia fornecia cerca de 55% do gás natural usado na Alemanha, e as importações cessaram após a guerra declarada por Putin à Ucrânia].
A Alemanha está preenchendo esta lacuna com energia renovável, eficiência energética e com outros parceiros de gás natural, como Noruega e Holanda. E também porque leva algum tempo para fazer isso, nós temos que contar com algumas usinas de carvão na reserva.
Meu ponto é, se você olhar para o cenário todo, os compromissos legais da Alemanha são de escalonar as energias renováveis. Não é uma decisão que queríamos tomar, mas temos que ter um backup para garantir que nossos cidadãos tenham aquecimento no inverno.
Estou convencida de que usaremos menos combustível fóssil no futuro. Atingiremos o pico de consumo de gás natural mais cedo que o planejado porque temos leis nacionais e vamos alcançar nossas metas. Se nossas emissões subirem um pouco agora, elas terão que cair de forma mais acentuada no futuro por conta das leis que temos.
Acho importante dizer isso porque vejo que tem havido um esforço para desacreditar a transformação energética que a Alemanha tem feito.
A União Europeia acaba de aprovar uma lei que barra a compra de produtos vindos de áreas desmatadas da Amazônia. O Cerrado, a savana mais biodiversa do mundo e de onde vem grande parte da soja consumida no mundo, ficou de fora. Como a Alemanha pode ajudar a proteger esse bioma também?
Acreditamos que há muitas maneiras de se proteger o Cerrado e estamos aqui no Brasil para ouvir. Queremos uma parceria forte com o Brasil na área ambiental, climática, de energia, entre outros.
Em conversas que tive com a sociedade civil, com pesquisadores, com governos, ouvi muito sobre a bioeconomia e o interesse nessa área poderia ser um caminho. A Alemanha realmente está muito focada para que os projetos de parceria deem certo.
Estou no Brasil com uma delegação de ministros, que vêm de áreas distintas como meio ambiente, cooperação, economia. Estamos ouvindo, vendo quais são as prioridades, olhando os instrumentos e ferramentas para responder às expectativas e, claro, reconhecendo sempre que o Brasil é um país biodiverso incrível, com a Amazônia, Pantanal, Cerrado, entre outros biomas.