Caros brasileiros,
esta é minha última coluna. Faz três anos que compartilho com vocês meus pensamentos, minhas experiências e meu amor pelo Brasil. Compartilhei sentimentos sobre ser mãe no Brasil, conversas com detentos em prisões de segurança máxima, encontros pessoais com ex-presidentes e músicos brasileiros, e excursões pela Amazônia.
Compartilhei com vocês momentos importantes da minha família e dos meus amigos brasileiros e das lições que aprendi no Brasil. Compartilhei a minha fé e as minhas convicções que se desenvolveram ao longo da minha vida profissional e pessoal. E descrevi a gratidão e a felicidade de ter podido viver esses momentos.
Em contraste com os tempos da minha aventura brasileira – que começou em 21 de junho 1989, quando cheguei ao Brasil com uma mala e um tapete –, os últimos três anos foram atípicos e, para mim, até assustadores. Pois o país engatou a marcha à ré.
Elegeu um presidente que tem saudade da ditadura militar; favorece a destruição da fauna e flora brasileiras; enfraquece o sistema nacional de saúde por razões ideológicas; insulta chefes de Estado como o presidente francês, Emmanuel Macron; interfere no Poder Legislativo para proteger a sua família; e minimiza uma pandemia que já fez quase 200 mil brasileiros morrerem.
Resumindo: a situação política, econômica e social no Brasil é preocupante. Os últimos três anos foram um baque que deixou até muitos jornalistas, acostumados com crises e escândalos, atônitos. E eu não fiquei de fora.
Recebi vários conselhos nesta linha: "Não viaja. Ouça o que ele falou antes de passar essa bobagem adiante." Ou: "Um país que deixou e ainda deixa existir nazismo não tem moral pra falar dos outros." E mais um: "Se você gosta tanto do partido comunista terrorista, pegue-o e leve-o para a Alemanha."
Eu também fui xingada de "esquerdista", "colunista tosca", "comunista", "progressista besta", "militante", "petista corrupta", e de "gringa que não entenderia isso daqui mesmo que passasse décadas morando no #SudãoDoOeste". Sugeriram para a DW a "demissão de jornalistas" que, como eu, "faltam às aulas de português", e sentiram "até pena de me ver escrevendo essas baboseiras".
Confesso que esses comentários me ferem, mas eles não abalam minha admiração pelo povo brasileiro e meu afeto pelo país. Em nenhum outro lugar do mundo fui tão bem recebida, senti tanto calor humano, tanto amor e tanta hospitalidade. Não há crise que possa apagar essa gratidão e esse reconhecimento.
Meus mestres continuam sendo brasileiros, como Amarildo, que descrevi na minha primeira coluna, no dia 6 de janeiro 2018. Foi ele que me convidou para conhecer a sua casa na Rocinha e ampliou o meu olhar sobre o país. Pois até então, eu olhava para as favelas como redutos de pobreza e violência. Ele me ensinou que essa postura era limitada e preconceituosa e transformava os moradores em vítimas, em vez de cidadãos com direitos negados.
Ou o "bispo vermelho" Dom Hélder Pessoa Câmara, que inspirou milhões de brasileiros a sonhar com um país mais justo. A famosa frase dele "Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me de comunista" vale até hoje. Com ele, aprendi que, no cotidiano brasileiro, a fé em Deus e as orações pedindo força para seguir a vida podem virar uma atitude política e têm um significado muito maior que na Alemanha.
"A fé não costuma faiá", canta Gilberto Gil, que é outro mestre para mim. Ele e tantos outros artistas só fazem aumentar a minha profunda admiração pela música brasileira. Como ela é poderosa! Ela burla qualquer censura ou restrição. Ela critica sem cansar, faz milhões de brasileiros cantar e ter esperança, lava a alma.
E claro, vocês, caros brasileiros, seguidores e leitores da minha coluna, continuam sendo meus mestres. Agradeço pela atenção, pela fidelidade, pelo carinho, pelos elogios e também pelas críticas. No ano que vem, eu volto com um novo formato para continuarmos nos falando e debatendo perguntas importantes. Desejo a todos um feliz Natal e muita força e fé para poder atravessar estes tempos difíceis. Um abraço apertado da Alemanha, Astrid Prange de Oliveira.
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Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.