Finalmente, depois de 55 anos, o English Team estava novamente numa grande final em Wembley. O primeiro título numa Eurocopa, ansiosamente aguardado há mais de meio século, estava a uma distância de cinco penalidades máximas convertidas em gols. Tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe. O que não estaria passando na cabeça do técnico Gareth Southgate naqueles momentos?
Southgate conhece bem a dilacerante frustração que se apodera de quem desperdiça a talvez mais importante cobrança de um pênalti de sua carreira. Afinal, ele faz parte desta história inglesa da maldição do pênalti. Foi ele que, em 1996, na semifinal da Euro, parou no goleiro alemão Andreas Köpke – e isso diante da sua própria torcida em Wembley.
Talvez o técnico inglês estivesse imaginando que, pelo menos dessa vez, a história pudesse ser mais benevolente. Afinal, das oito decisões por penais em grandes torneios internacionais, a Inglaterra acumulou seis derrotas desde 1990, só saindo como vencedora nas duas últimas: na Copa da Rússia em 2018, contra a Colômbia, e na Liga das Nações em 2019, contra a Suíça. Parecia, enfim, que a maldição do pênalti havia sido exorcizada. Não foi.
Southgate tomou uma decisão ao final da prorrogação do jogo contra a Itália que alguns minutos depois se revelou desastrosa. Pouco antes do fim do jogo, decidiu colocar em campo Jadon Sancho, de 21 anos, e Marcus Rashford, de 23 anos, já imaginando uma decisão por penais, mesmo porque os dois são considerados bons cobradores.
Jovens salvadores da pátria
De repente, dois jovens jogadores reservas foram encarregados pelo técnico de assumir a maior responsabilidade imaginável numa final: bater um pênalti que pode decidir o destino futebolístico de uma nação. Antes da cobrança, Sancho só tocou a bola uma única vez, assim como Rashford que, improvisado na lateral direita, ainda ajudou o setor defensivo.
Até então, os papéis de Sancho e Rashford nesta Eurocopa haviam se reduzido aos de reservas de luxo, e eles não tiveram praticamente nenhuma participação significativa na campanha até então vitoriosa da Inglaterra. Em todo torneio, Sancho atuou por apenas 96 minutos, e Rashford, por pouco mais de uma hora.
É preciso imaginar o estado psicológico desses dois jogadores antes da cobrança. Durante todo o torneio, eles foram deixados de lado porque não eram considerados importantes por Southgate para, subitamente, serem colocados no papel de salvadores da pátria.
Não bastasse isso, o treinador determinou que o último batedor fosse Bukayo Saka (com 19 anos e 309 dias de idade), o quarto jogador mais jovem da competição e que jamais em sua carreira profissional tinha batido uma penalidade máxima sequer.
Os três desperdiçaram suas cobranças. Os três, inconsoláveis, choraram como crianças. Bukaya Saka, o último batedor, começou a chorar convulsivamente ainda na marca do pênalti assim que errou enquanto os jogadores italianos passaram por ele exultantes de tanto júbilo.
Mas, o pior ainda estava por vir.
Shitstorm racista
Logo em seguida, as redes sociais dos três jogadores foram invadidas por insultos racistas. Um shitstorm sem precedentes, com as mais vis ofensas e ameaças de cunho racista se abateu sobre Sancho, Rashford e Saka, todos negros.
Emojis de macacos, além de gorilas, bananas e chimpanzés, acompanhados de discursos de ódio apareceram na conta do Instagram de Bukayo Saka. Houve ainda piores adjetivos dirigidos aos atletas que, por respeito aos leitores e leitoras desta coluna, me abstenho de publicar aqui. Para quem acompanha o futebol inglês, não surpreende.
Há algum tempo é possível observar uma dinâmica própria na Premier League, que segue um padrão pré-estabelecido, como destaca o jornalista Hendrik Buchheister, da revista alemã Der Spiegel: "Um jogador negro comete um erro, é ofendido e sofre assédio racista, o clube repudia as ofensas e a opinião pública se escandaliza – e depois, segue o jogo."
O ódio racista persiste apesar das campanhas na TV. A federação e os clubes exigem das plataformas digitais, como Twitter e Facebook, que ajam fortemente contra a discriminação nas redes sociais. Debalde, não tomam nem conhecimento.
Pouco antes do pontapé inicial da final, Gareth Southgate contou a alguns jornalistas que, quando o ônibus do time estava chegando perto do Wembley, havia multidões nas ruas, pessoas de todas as etnias, festejando a seleção. Para ele, era um sinal claro de que a Eurocopa contribuiu para unir os ingleses, independentemente da cor de sua pele.
O racismo sofrido por Sancho, Rashford e Saka parece mostrar o contrário. Essa tal da união, pelo menos para jogadores negros, só vale enquanto forem bem-sucedidos. Quando erram, são defenestrados com frases como "Voltem para a África!".
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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit é publicada às terças-feiras.