Oito de julho de 2014, Belo Horizonte, Mineirão. Brasil e Alemanha se enfrentavam pela segunda vez numa Copa do Mundo. Na primeira, em 2002, o Brasil levou a melhor e conquistou o penta. Dessa vez, porém, os deuses do futebol iriam pregar uma peça nas torcidas, nos jornalistas esportivos, enfim, no mundo do futebol. A expectativa de um confronto equilibrado entre duas das grandes seleções nacionais era geral, apesar de um Brasil desfalcado sem Neymar, contundido, e sem Thiago Silva, suspenso, e de uma Alemanha que entraria em campo com sua força máxima, a qual derrotara a França nas quartas de final.
O jogo começou com Brasil pressionando a defesa alemã, mas bastaram 3 minutos para a Alemanha equilibrar as ações, e, aos 10 minutos, conseguiu um primeiro escanteio. Toni Kroos bateu com precisão de pé direito, e a bola foi encontrar Müller completamente livre, que finalizou sem ser incomodado. Era o quinto gol dele na Copa.
A seleção brasileira levou um choque. Precisou de alguns minutos para se recompor e tentava responder através de algumas ações individuais. Sem sucesso. A Alemanha, sentindo a instabilidade dos comandados de Luiz Felipe Scolari, resolveu ligar as turbinas. Seguiram-se os seis minutos mais alucinantes numa semifinal de Copa do Mundo.
Tudo começou mais uma vez com Toni Kroos, que percebeu Müller livre. Este, por sua vez, serviu Klose, que falhou na primeira tentativa de superar Júlio César, mas aproveitou o rebote do goleiro para marcar: 2 x 0. Foi o ponto de partida rumo à uma vitória épica que se consolidaria nos 5 (!) minutos seguintes com mais três gols – dois de Kroos e um de Khedira. Pode-se dizer, sem medo nenhum de errar: Kroos foi o artífice, organizador e executor do triunfo da esquadra alemã sobre a seleção brasileira.
Em apenas 45 minutos de jogo, ele simplesmente fez a melhor partida de sua vida ao participar direta ou indiretamente de quatro dos cinco gols assinalados no primeiro tempo, além de comandar com maestria o meio campo da Mannschaft e ser eleito, por unanimidade, o melhor em campo pela mídia esportiva mundial. O resto já entrou para a história.
Mais de 100 jogos com a camisa da Mannschaft
Kroos fez sua estreia com a camisa da Alemanha em março de 2010, em jogo amistoso contra a Argentina. Entrou no segundo tempo, substituindo Thomas Müller, outro estreante. Ambos tinham apenas 20 anos. Coincidência ou não, cada um dos dois atuou em 106 jogos pela seleção. Ao anunciar sua aposentadoria logo depois da eliminação da Alemanha na Eurocopa, Kroos encerra essa série centenária.
Ainda em 2018, logo depois do fracasso alemão na Copa da Rússia, o campeão mundial de 2014 cogitou seriamente dar por encerrada sua carreira na seleção. Foi Joachim Löw que o convenceu a ficar por pelo menos mais dois anos, que acabariam sendo três.
No sistema de jogo preconizado pelo técnico, Kroos desempenharia um papel fundamental. Era o homem talhado para os pequenos detalhes numa partida de futebol: o passe preciso no momento certo, a percepção numa fração de segundos de um buraco na defesa adversária, a capacidade de controlar o ritmo do jogo, a clareza ao enxergar e ocupar espaços vazios.
"Planejador e cirurgião"
Para o jornal espanhol Marca, Kroos é a combinação perfeita de "planejador e cirurgião", referindo-se à sua capacidade de fazer uma leitura precisa do que ocorre em campo na maior parte do tempo. Para Matthias Sammer, trata-se "de um dos maiores organizadores em campo que o futebol alemão já teve em sua longa história".
O técnico italiano Carlo Ancelotti do Real Madrid é fã incondicional do futebol de Kroos. Questionado sobre a estruturação e construção da forma de jogar do Real Madrid, ele respondeu: "Isso é fácil. Passa a bola para o Kroos, ele vai saber o que fazer, cirurgicamente."
Kroos atua pelo Real Madrid desde 2014, com uma regularidade impressionante e, na maioria das vezes, no mais alto nível. Pelo clube espanhol, conquistou dois títulos nacionais, além de três conquistas consecutivas da Champions League. É titular absoluto no time, tendo marcado 22 gols em 320 jogos oficiais.
O seu contrato com os "merengues" termina em 2023: "Depois podemos nos reunir e decidir em conjunto se vale a pena para ambos renovar nosso compromisso por mais um ou dois anos. Para mim, está tudo em aberto. A única certeza que tenho é que vou encerrar minha carreira no Real Madrid."
Quanto à sua aposentadoria da seleção alemã, Toni Kroos tomou a decisão certa no momento certo. De um lado, o seu desejo expresso reiterado diversas vezes, de que pretendia dedicar mais tempo à família, finalmente vai se realizar e, ao mesmo tempo, a sua saída da Mannschaft abre caminho para uma radical reestruturação da equipe tetracampeã mundial.
Mas isso já é outra história, que será contada nesta coluna em futuro próximo.
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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit é publicada às terças-feiras.