Angola: Lei das ONG continua na gaveta
23 de junho de 2024O projeto de lei sobre o Estatuto das Organizações Não-Governamentais foi aprovado, na generalidade, em maio de 2023. Mais de um ano depois, parece ter ficado esquecido na gaveta da comissão de especialidade na Assembleia Nacional.
Em declarações à DW, Guilherme Neves, presidente da Associação Mãos Livres, entende que a grande resistência das ONG à proposta terá forçado o Executivo a pôr o diploma de lado.
"No último encontro que tivemos com o Governo, através do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, alegaram que foram aconselhados pela Assembleia Nacional no sentido de ouvir a sociedade civil e talvez elaborar uma nova opinião”, disse.
As críticas resumem-se a um ponto: a nova lei pode prejudicar o funcionamento das organizações não-governamentais em Angola e abafar "vozes incómodas".
Relatório detalhados
Segundo o legislador, as organizações passariam a ter de apresentar relatórios detalhados sobre as fontes de financiamento. A Unidade de Informação Financeira, órgão do Ministério das Finanças, passaria a controlar as finanças das ONG para prevenir "branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo". Meras suspeitas poderiam levar à suspensão das atividades das organizações.
"É uma ingerência inaceitável", comenta Jaime MC, do Movimento Cívico Mudei. O ativista diz que o melhor é que o projeto de lei não saia da gaveta.
"O Parlamento faz bem em não discutir, na especialidade, esta lei absurda, inconstitucional e antidemocrática. É uma lei que atenta contra o espírito de um Estado de Direito e democrático que se pretende construir em Angola", comentou.
Para Jaime MC, a proposta, a ser aprovada, ditaria a morte de muitas ONG. "O ideal para eles é que se crie mais partidos políticos e coligações do que a criação de organizações não governamentais, porque é mais fácil controlar os partidos do que as ONG. As ONG atuam em nome próprio e com a própria autonomia", considerou.
Maio teria sido a altura ideal
Maio teria sido o mês ideal para aprovar o projeto de lei, em cumprimento de parte das recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI). A agência avaliará este mês o desempenho de Angola no combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
"Se até aqui ainda não foi discutida na comissão de especialidade, na Assembleia Nacional, talvez a sua importância já não faça sentido, porque grande parte dos articulados que constam na mesma proposta já existem na lei das associações, e as outras matérias que têm a ver com o branqueamento de capitais já têm leis próprias. É mais uma norma que viola o artigo 48 da Constituição da República", disse o presidente da Associação Mãos Livres, Guilherme Neves.
Em abril deste ano, um grupo representante da sociedade civil, incluindo a Associação Mãos Livres, apresentou uma contraproposta ao Parlamento angolano e ao Executivo, numa tentativa de evitar restrições consideradas severas na nova lei.
A DW tentou ouvir a Assembleia Nacional e o Ministério da Justiça sobre o assunto, mas não foi possível obter uma reação.