Zeitgeist: Os republicanos contra Trump
23 de maio de 2016A muito provável vitória de Hillary Clinton, em novembro, transformará esta eleição presidencial americana naquela em que, pela primeira vez, uma mulher chegou ao comando da nação mais poderosa do mundo. Até lá, porém, esta será a campanha em que Donald Trump virou o Partido Republicano do avesso.
É um cenário não visto nas últimas décadas: boa parte do establishment republicano se opõe a Trump, tem clara dificuldades em aceitá-lo ou ao menos se esquiva de apoiá-lo. Os Bush, tanto os dois ex-presidentes como o ex-pré-candidato Jeb Bush, disseram que não vão fazer campanha. Mitt Romney, o candidato à presidência da eleição anterior, chamou o magnata de fraude. John McCain, um dos nomes mais respeitados do partido e um veterano da Guerra do Vietnã, chegou a declarar que não iria à convenção de Cleveland, em julho, quando o Partido Republicano definirá seu candidato. Motivos ele tem, e até pessoais, pois Trump, num dos mais virulentos ataques à elite republicana, questionou o status de herói de guerra de McCain, um dos nomes mais respeitados do partido.
Sintomático da relação de Trump com a elite republicana é o fato de duas governadoras, Susana Martinez, do Novo México, e Nikki Haley, da Carolina do Sul, terem dito que não aceitam ser a candidata a vice na chapa de Trump – antes mesmo de terem sido convidadas. Isso é, ainda, revelador de um outro problema que a candidatura Trump cria para o Partido Republicano: dois terços dos americanos descartam votar nele, e o percentual é ainda maior entre as mulheres. Nada de se espantar, dadas as declarações de deslavada misoginia do magnata.
Os republicanos colhem o que plantaram: a partir do momento em que Barack Obama entrou na Casa Branca, passaram a fazer uma oposição sistemática e bloqueadora, incluindo ataques pessoais ao presidente, que teve questionada nada menos que sua cidadania americana. Essa oposição sistemática foi capitaneada pelo movimento ultraconservador Tea Party, e a ala moderada, seja por incompetência, seja por oportunismo, deixou que os hard liners ditassem o tom dentro do partido.
Na retórica do Tea Party, propagandeada principalmente pela emissora de TV Fox News, os Estados Unidos governados por Obama estavam à beira do precipício, tanto econômico quanto político, e eram ridicularizados em todo o mundo por causa da atitude antibélica do presidente. Foi no solo preparado por esse discurso que Trump, com suas frases feitas e soluções simplórias, vingou, e o slogan "Make America Great Again" simboliza essa situação à perfeição. Trump é, de uma certa forma, o resultado da ladainha de destruição e fracasso propagandeada pelos republicanos. Seria até natural se ele escolhesse Sarah Palin, uma das líderes do Tea Party, para ser sua vice.
Ao mesmo tempo, a ascensão de Trump, um branco, presbiteriano e autoproclamado self-made man (nem tanto assim, pois parte de sua fortuna é herança) evidencia a dificuldade que o Partido Republicano tem em se posicionar em uma sociedade cada vez mais heterogênea e conquistar eleitores fora da clientela tradicional, como a crescente comunidade hispânica.
A partir de agora, todo o esforço da liderança do Partido Republicano será tornar Trump mais "presidencial", para usar o termo do líder da Câmara dos Representantes, Paul Ryan, ou, em outras palavras, mais palatável e menos impulsivo e incoerente. Até mesmo McCain já deu sinais de abraçar essa estratégia ao afirmar que vai apoiar o "candidato nomeado" pelo partido. Assim como ele, vários líderes têm dito que vão apoiar o "candidato nomeado", evitando o nome Donald Trump como se ele fosse uma doença contagiosa – uma indicação de que a unidade em torno do nome dele, se ocorrer, será muito a contragosto, e o estrago dentro do Grand Old Party já está feito.