Wikileaks, Assange e a Justiça sueca
18 de agosto de 2015Diz o ditado que a primeira vítima da guerra é a verdade. Julian Assange e o Wikileaks, plataforma da qual é cofundador, tornaram públicos fatos embaraçosos sobre os conflitos no Iraque e no Afeganistão. Há cinco anos, o australiano enfrenta uma guerra particular com a Justiça sueca. No caso, a verdade também fica difícil achar a verdade.
Assange é acusado de assédio sexual, coação e estupro. Duas mulheres estão no centro das investigações. Em agosto de 2010, na noite de uma sexta-feira, ambas foram a um posto policial de Estocolmo atrás de informações sobre como forçar um parceiro sexual comum a se submeter ao teste de HIV. Algumas horas depois, ao deixar a delegacia, a polícia já havia aberto um inquérito para investigar um possível estupro e assédio sexual. E o acontecimento entrou na lista dos fatos reconhecidos tanto por Assange quanto pela promotoria sueca.
Desde então, ambas as partes travam uma briga pela interpretação das queixas feitas pelas duas mulheres – e sobre o quanto as acusações são justificáveis. Na Suécia, as leis sobre crimes sexuais são especialmente amplas e dão grande margem à interpretação. A única certeza é que as duas mulheres consentiram em manter relações sexuais com Assange, sem se sentirem ameaçadas por ele.
Duas das acusações de violência sexual prescreveram há cinco dias. Uma terceira expirou nesta terça-feira (18/08). Ela se baseia no testemunho de uma das duas suecas, que disse ter sido penetrada pelo australiano, sem camisinha, quando estava dormindo depois de uma noite com ele. Uma quarta acusação, de estupro, segue válida.
Existem ainda dois fatos a serem lembrados. Até hoje, Julian Assange não foi oficialmente processado – o caso ainda está na fase inicial de investigação. O mandado de captura contra Assange é unicamente para que um interrogatório sobre as acusações seja conduzido.
Processo injusto?
Outro fato é que as denúncias já haviam sido classificadas como infundadas pela promotora pública Eva Finne. Mesmo assim, a promotora Marianne Ny, de Gotemburgo, retomou o caso, inclusive autorizando o pedido de prisão internacional. Porém, durante cinco anos, Ny se negou a prender Assange em outro país que não fosse a Suécia.
Tanto um interrogatório por vídeo quanto uma declaração escrita foram recusadas pela promotora de Gotemburgo. Só no começo do ano é que Ny se declarou disposta a um fazer um interrogatório em Londres – provavelmente, porque os advogados de Assange já haviam levado o processo à Suprema Corte sueca.
Para Nikolaus Gazeas, especialista em direito internacional da Universidade de Colônia, se Ny não tivesse proposto o interrogatório em Londres, ela possivelmente ficaria em uma posição desfavorável. Segundo ele, a Justiça sueca, só em 2014, interrogou 44 réus ou testemunhas fora do país.
"Não dá para entender por que o caso de Assange tem sido tratado assim pelas autoridades suecas – especialmente pela promotora Ny", comenta Gazeas. "Ela teve a possibilidade de esclarecer o ocorrido, mas não o fez e acabou permitindo que o caso ficasse suspenso. Dessa forma, todo o processo contra Assange fica parecendo ser injusto."
Prisão domiciliar
O resultado disso é que Julian Assange já está há 1.700 dias privado da liberdade. Primeiro, ele foi levado a uma cela solitária numa prisão britânica, depois para a prisão domiciliar. Até que, por fim, o australiano conseguiu asilo na embaixada equatoriana em Londres. Desde então, o edifício tem sido vigiado 24 horas por dia, o que já custa 17 milhões de euros aos cofres britânicos.
Some-se a isso o fato de que Julian Assange e o Wikileaks acumularam inimigos poderosos durante esse tempo, principalmente nos Estados Unidos, com a publicação, em 5 de abril, do vídeo "Collateral Murder", que mostra como um helicóptero do Exército americano matou 12 civis em julho de 2007 – entre eles, dois jornalistas.
Também em julho de 2007, o WikiLeaks divulgou o "diário da guerra afegã", com 76 mil documentos, em grande parte relatos do front, que trazem um retrato cru e bastante sombrio dos conflitos. O projeto surgiu em parceria com veículos de imprensa internacionais, como The New York Times, The Guardian e Der Spiegel.
Em outubro de 2010, o site efetuou a maior divulgação de documentos militares da história dos Estados Unidos. Com o "diário de guerra iraquiano", 400 mil arquivos vieram à tona, não deixando dúvidas que práticas de tortura e abusos de civis iraquianos eram do conhecimento das forças americanas e foram ignoradas. Além disso, veio a público a revelação de que o número de civis mortos era bem maior do que havia sido divulgado.
No fim de novembro de 2010, foi a vez do vazamento de arquivos de comunicação interna entre autoridades consulares americanas e o Ministério do Exterior de Washington. Com isso, o Wikileaks mostrou como os diplomatas americanos viam o resto do mundo e seus respectivos governantes – o que gerou diversos desentendimentos diplomáticos. Então secretária de Estado, Hillary Clinton teve de se esforçar para reduzir o desgaste com a comunidade internacional.
Quatro dias após o vazamento da correspondência entre as embaixadas americanas, foi autorizado um mandado de prisão contra Assange. Em 7 de dezembro, o australiano se entregou em uma delegacia e ficou preso em uma solitária por dez dias. No dia da prisão, o diário britânico The Independent publicou que Estados Unidos e Suécia teriam tido conversas informais sobre uma possível extradição para os EUA por causa da investigação sobre o Wikileaks.
Asilo e perseguição
O medo de uma extradição para os Estados Unidos foi o motivo pelo qual Assange pediu proteção à embaixada equatoriana, onde o australiano está oficialmente asilado. E as preocupações de Assange são compreensíveis. As autoridades americanas combatem rigorosamente qualquer tipo de informante ou delator.
No fim de 2013, Chelsea Manning, ex-cabo do Exército americano, foi condenada a 35 anos de prisão por ter revelado informações confidenciais ao Wikileaks. Antes, em junho de 2013, o New York Times havia publicado uma reportagem sobre o esforço de várias autoridades americanas para abrir um processo contra Assange por espionagem e conspiração contra o governo americano.
Para isso, os acusadores teriam reunido dez mil páginas em provas contra o australiano. Porém, diferentemente de Manning ou de Edward Snowden, Assange nunca trabalhou para o governo dos Estados Unidos. Inclusive, ele se vale da profissão de jornalista para justificar o vazamento de informações confidenciais.
Por causa disso, talvez o refúgio de Assange na embaixada do Equador continue mesmo se a Suécia retirar o pedido de extradição. Para o jurista Nikolaus Gazeas, se isso acontecesse, as autoridades americanas enviariam imediatamente um pedido de prisão às autoridades britânicas. "Talvez algo assim até já exista, e ambas as partes estejam aguardando em segredo", especula.
Julian Assange se ofereceu para ser interrogado na Suécia, mas com uma condição: não ser mandado para os Estados Unidos – o que lhe foi negado.