Mais de 60 anos de história
5 de fevereiro de 2009O Festival Internacional de Cinema de Berlim já deu muito o que falar. Em 1970, aconteceu o maior escândalo que a Berlinale – nome do festival na Alemanha – jamais vira: o filme do diretor alemão Michael Verhoeven mostrava uma menina vietnamita sendo violentada por um soldado norte-americano. O.K., o nome do longa-metragem, tentava contar a verdadeira história da Guerra do Vietnã.
O presidente do júri no festival daquele ano, um norte-americano, não achou aquilo "ok" de forma alguma. Acusado de antiamericanismo, o filme foi tirado da competição, sob o argumento oficial de não corresponder à regra do festival de "contribuir para um melhor entendimento entre os povos". O fato causou sérias discussões entre os envolvidos, o júri se dissolveu e, num fato inédito na história do festival, não foram concedidos naquele ano Ursos de Ouro ou Prata. A Berlinale foi interrompida.
No início, um Oscar
A ideia de criar um festival de cinema em Berlim veio de um militar norte-americano chamado Oscar Marty, membro das forças aliadas que ocuparam a Alemanha no pós-guerra. Na função de "oficial para o cinema", ele tinha como meta revitalizar a indústria cinematográfica alemã, tão ativa e internacionalmente conhecida nos anos 1920 e destruída após a Segunda Guerra.
O grande dia foi 6 de junho de 1951, quando Rebecca, de Alfred Hitchcock, abriu a primeira Berlinale da história. Nos anos 1950, o festival foi marcado pelo brilho e pelo glamour importados de Hollywood. Eram muitos os astros e estrelas presentes: Henry Fonda, Garry Cooper, Errol Flynn, Richard Widmark. Todos apareceram em Berlim.
Mesmo assim, desde o começo já ficou claro que o festival teria um viés político especial. Sob o lema "vitrine de um mundo livre" já na primeira edição, a Berlinale era certamente pensada pelos seus organizadores como um "bastião cultural contra o bolchevismo".
Novos rumos nos anos 1960
Uma mudança importante aconteceu em 1956, marcando os novos rumos do festival, que entrou para a primeira liga das mostras internacionais, substituindo o júri popular por um profissional. A principal consequência dessa mudança foi a descoberta do cinema europeu. Nos anos seguintes, o francês Jean-Luc Godard e o italiano Michelangelo Antonioni, por exemplo, ganhariam Ursos de Ouro e Prata com seus filmes.
Mas o charme do festival no país do milagre econômico era mantido. Curiosidades como aquela que hoje talvez causasse apenas uma reação de indiferença foi motivo de escândalo em 1961, quando o vestido da estrela Jayne Mansfield rasgou, fazendo com que o festival ganhasse, mesmo que provisoriamente, o apelido de "a Berlinale do peito aberto".
Portas para o Leste
Nas décadas de 1950 e 1960, o Festival de Berlim não contou com a participação de nenhum filme do Leste Europeu. A Guerra Fria refletia-se também na cultura. Depois da construção do Muro de Berlim, em 1961, o festival passou a acontecer somente na parte ocidental da cidade dividida. Embora os organizadores tenham tentado convidar cineastas do Leste Europeu, isso só veio a acontecer depois que o ex-chanceler federal Willy Brandt criou condições favoráveis com sua política de boas relações com os países do Pacto de Varsóvia.
"Mudança pela aproximação": o princípio valia também para a cultura. O primeiro filme soviético no Festival de Berlim pôde ser visto em 1974. Um ano depois, Jakob, der Lügner (Jacob, o mentiroso), da então Alemanha Oriental, era exibido na Berlinale. Outro dado inusitado: pela primeira vez, o júri tinha a participação de um soviético.
Abertura para o mundo
Passo a passo, foram sendo convidados para o festival cada vez mais filmes da Ásia, da África e da América Latina. Em 1976, por exemplo, participaram da competição filmes do Irã, do México, da Venezuela, da China e de diversos países do Leste Europeu. Funcionar como um "espelho do cinema internacional" continua, até hoje, sendo a ambição perseguida pela Berlinale.
Nos anos 1970, muita coisa ainda mudaria, como por exemplo a criação da mostra infantil. Pela primeira vez um grande festival começava a pensar nos pequenos – uma receita que deu certo e se perpetua até hoje. Em 1971, foi criado o Fórum do Jovem Cinema, do qual participam cineastas de todo o mundo. Para parte do público, o Fórum é a mostra paralela mais importante dentro do festival, na qual são exibidos vários filmes que não costumam chegar aos cinemas comerciais.
A mudança mais substancial pela qual passou a Berlinale talvez tenha sido a mudança no calendário do festival, que a partir de 1978 passou a acontecer em fevereiro (no inverno europeu) e não mais em junho (no verão). O novo cronograma permitiu à Berlinale deixar de se realizar à sombra do festival de Cannes, que acontece todo ano em maio.
Situação atual
"Em suma, a Berlinale é composta de três elementos: seu programa, sua organização e seu clima. E todos três estão indo muito bem", disse no ano 2000 o então diretor do festival, o suíço Moritz de Hadeln. A seleção de filmes continuou mantendo seu viés político, os debates continuaram diversos e vários filmes críticos sobre os EUA foram exibidos.
Chineses e russos levaram Ursos de Ouro para casa e foi criado também um novo prêmio: o Teddy Award, voltado especialmente para filmes de temática homossexual. E o grande orgulho dos organizadores hoje é o clima da Berlinale, que se autoproclama um verdadeiro "festival para o público", mas claro que com a presença de astros e estrelas.