Hector Babenco
24 de novembro de 2011
Mesmo depois de construir uma carreira internacional consagrada, ter dirigido grandes astros como Meryl Streep e Jack Nicholson, ser indicado ao Oscar e ter levado milhões de espectadores aos cinemas brasileiros, o cineasta Hector Babenco diz ter dificuldades para realizar os seus filmes no Brasil.
Nascido na Argentina, Babenco se mudou para o Brasil em 1969, fascinado pelo Cinema Novo. No país onde escolheu viver, começou uma carreira que une com maestria temáticas humanas e complexas com um olhar único sobre a realidade brasileira – e isso em filmes que conseguem atrair o grande público, como Pixote – A lei do mais fraco (1981) e Carandiru (2003).
Fora do país, o cineasta consegui manter seu toque autoral em filmes que realizou nos Estados Unidos e na Argentina. Em entrevista à Deutsche Welle, Babenco falou sobre a situação atual do cinema brasileiro e as dificuldades que encontra para realizar seus filmes.
DW Brasil: Como o cinema entrou na sua vida?
Hector Babenco: Quando eu tinha uns 6 ou 7 anos fui ver um filme com alguns amigos. Lembro-me de uma cena noturna de uma mulher sendo perseguida na praia por uns baderneiros num carro conversível. Não me lembro ao certo, mas deveria ser algum filme do Nicholas Ray ou do Elia Kazan. Quando passou essa cena eu percebi que meus amigos estavam se masturbando. Nesse momento percebi algo novo. O meu impulso com o ato de ver cinema está relacionado ao meu despertar sexual. Essa é minha primeira lembrança.
O cinema virou um hábito em sua vida desde então?
Sim, alguns anos mais tarde comecei a frequentar regularmente o cinema e o cineclube e ver muito filmes que eram proibidos para um garoto de 12 anos. Na Argentina havia uma grande oferta de filmes. Assisti a Bergman, cinema japonês, cinema russo. Eu vi os filmes da Nouvelle Vague quase ao mesmo tempo que passavam na Europa. Cresci vendo muito cinema. Aos 18 anos já tinha visto o melhor que o cinema havia produzido.
Quando você soube que queria fazer cinema?
No dia em que meu avô me perguntou o que eu ia fazer quando crescer. Ele me daria algum dinheiro. Quando falei que queria fazer filme, eu não ganhei o dinheiro. Acabei fazendo filmes. Se deu certo ou não vocês que têm que dizer.
Desde que você começou a fazer filmes você sabia que era o caminho certo?
Não quero ficar falando do passado, dos filmes que eu já fiz. Tudo já foi dito. Minha carreira cinematográfica é muito curta. Eu decidi viver no Brasil. Não sou um exilado político. Mesmo quando fui compelido a fazer alguns filmes na América, foi mais para gerar um sustento. Meus filmes, mesmo os que fiz em inglês, são completamente autorais. Eu jamais cedi à pressão de produtor ou de estúdios. Se fosse uma pessoa menos exigente com a minha dignidade, com as minhas raízes, com minha visão de mim mesmo, teria ficado nos Estados Unidos. Estou tendo muita dificuldade para trabalhar no Brasil.
Mas a situação do cinema no país não está melhor?
Hoje em dia sou um desconhecido para os dirigentes do cinema brasileiro. Mesmo com tudo que eu já fiz, eu tenho que entrar na fila do concurso público com outros 400 dos meus colegas e torcer para ser escolhido. A realidade do cinema brasileiro tem me deixado muito triste.
E o significativo aumento da produção?
Acho que todos devem ter a chance de fazer seus filmes, mas acho que deveria haver um critério de respeito a quem ao longo de muitos anos comprovou uma capacidade profissional e um resultado mercadológico fantástico. Está tudo muito desigual, burocratizado e politizado.
Era diferente nos anos 70 e 80?
Havia mais liberdade no mercado para captar recursos, seja com leis, seja sem leis. O mercado arrumava alguma forma de retornar o custo. Hoje ninguém se preocupa com o retorno.
Você acha que a quantidade não é proporcional à qualidade?
Continua tudo igual. Três ou quatro filmes dão certo e um grande número nem sequer chega as telas. Ninguém quer ver filme ruim. O público não é burro. A classe cinematográfica é tremendamente desordenada, imediatista e adora uma intriga. Ninguém tem uma visão de mercado um pouco mais ampla. Hoje a forma de fazer a revolução cultural está atrelada a gerar postos de trabalho e não levantar as pessoas contra o sistema. Todo mundo quer ser burguês. Quem manda no cinema no Brasil é o presidente da Ancine e um grupo de senadores que aprovam leis gordíssimas. Tudo caiu na mão de quem não entende de cinema.
Não há como driblar essa situação?
Minha função é dizer onde eu vejo o problema. A solução tem que ser tomada coletivamente. É muito difícil. Estou cansando do Brasil, estou pensando em passar um tempo fora.
Para você é fácil trabalhar em diferentes lugares, com diferentes idiomas?
Todos os meus projetos foram escolhidos por mim e representam algum lado da minha personalidade. Sou um brasileiro que nasceu na Argentina. Quando faço um filme em inglês, o que realmente me interessa é o que eu estou contando. Meu filmes são feitos para serem vistos e entendidos no mundo todo.
Muitos de seus filmes são adaptações literárias. Como funciona o processo de adaptação para você?
Sou um grande leitor de livros. Não cresci com a televisão, e sim atrelado à palavra. Quando leio um livro que não sai da minha cabeça, o retomo constantemente, e quando encontro algo que não havia percebido, sinto que ele está me pedindo para fazer um filme. Não penso como será o processo e sim que há uma boa história a ser contada.
Sua obra está sendo homenageada no festival Première BR aqui em Berlim. Você selecionou os filmes?
Pixote e O Beijo da mulher-aranha foram sugestões da Ilda (Santiago, curadora do festival). São os meus filmes de maior repercussão internacional e as pessoas sempre querem rever. Queria um filme mais recente e sugeri que mostrassem O passado, que é um filme muito estranho. Ele não tem gênero, não se parece com nada que eu conheça. Não tem uma matriz anterior.
Você está trabalhando num novo filme?
Faz dois anos que trabalho em dois roteiros. É como estar apaixonado por duas pessoas, você não sabe com qual vai ficar e ao mesmo tempo não vive sem nenhum dos dois. Um deles se chama Cidade maravilhosa e o outro, Meu amigo hindu, mas não tenho dinheiro para rodar nenhum dos dois. Entrei pedindo recursos em agosto e até agora nem sei se o projeto foi protocolado.
Entrevista: Marco Sanchez
Revisão: Alexandre Schossler