Vacinação contra covid-19 começa com atrasos no Brasil
18 de janeiro de 2021A vacinação nacional contra a covid-19 no Brasil começou com atrasos nesta segunda-feira (18/01) após o Ministério da Saúde ter mudado os horários dos voos que distribuiriam as doses da Coronavac, desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Com isso, muitos estados tiveram que adiar para amanhã o início da imunização.
Houve atrasos nos voos que iriam levar as vacinas para quase todos os estados. Rio Grande do Sul, Pará, Amapá, entre outros, só receberão as doses durante a noite.
Goiás e Piauí foram os primeiros estados, após São Paulo, a iniciar a vacinação. Em Goiás, a primeira dose foi aplicada pelo governador Ronaldo Caiado, que é médico, numa idosa de 73 anos, que vive num abrigo em Anápolis. Já o primeiro vacinado no Piauí foi um médico obstetra de 75 anos.
No Rio de Janeiro, a primeira dose foi aplicada com quatro horas de atraso numa cerimônia aos pés do Cristo Redentor. Uma técnica de enfermagem de 59 anos e uma idosa de 80 anos que vive num abrigo desde que sua casa foi demolida em 2015 foram as primeiras vacinadas no estado.
Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Ceará, Tocantins, Maranhão e Espírito Santo também já aplicaram as primeiras doses da Coronavac. Ao todo 4,6 milhões de doses disponibilizadas pelo Instituto Butantan serão distribuídas aos estados.
Inicialmente anunciada para começar na quarta-feira, governadores pressionaram o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, para adiantar a campanha de vacinação após o estado de São Paulo ter dado largada na imunização no domingo.
Num evento em Guarulhos, antes da distribuição das doses, Pazuello confirmou a solicitação de governadores para adiantar a campanha e desconversou ao comentar o início da imunização em São Paulo. "Ontem é passado, para historiador. A partir de agora será discutido só futuro", afirmou.
A campanha teve início um dia após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter dado autorização ao uso emergencial para dois imunizantes. A vacinação nacional começou com a Coronavac, aposta do governo paulista, já que a outra vacina aprovada – o imunizante criado pela farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca e a Universidade de Oxford, que têm parceria com a Fiocruz – ainda não está disponível no país.
Para dar largada à imunização, o governo federal contava com 2 milhões de doses da vacina da AstraZeneca-Oxford que seriam importadas prontas da Índia, mas o voo para buscar os imunizantes acabou sendo adiado depois que o governo indiano declarou que não poderia dar uma data para a exportação de doses produzidas no país.
Numa coletiva de imprensa no final da tarde desta segunda-feira, Pazuello afirmou que a Índia sinalizou que deve liberar as doses nos próximos dias e alegou que a negociação com país é difícil devido ao fuso horário.
Vacina desprezada
Ao longo do ano passado, a Coronavac foi constantemente desprezada pelo presidente Jair Bolsonaro, que chegou a comemorar a morte de um voluntário na fase de testes – num caso sem relação com o estudo – e a suspensão temporária dos testes. "Mais uma que Jair Bolsonaro ganha", afirmou na época.
O presidente constantemente chamava o imunizante de "vacina chinesa" e questionava a sua eficácia. Em outubro, Bolsonaro cancelou um protocolo de intenção do Ministério da Saúde para a aquisição da Coronavac. A mudança de postura do governo federal veio após a pressão de governadores e tentativas frustradas de adquirir outra vacina para o início da imunização.
Apesar de depender da Coronavac para o início da campanha, Bolsonaro voltou a menosprezar o imunizante nesta segunda-feira. "Esta vacina que está aí é 50% de eficácia. Ou seja, se jogar uma moedinha para cima, é 50% de eficácia. Então, está liberada a aplicação no Brasil", disse a apoiadores num vídeo compartilhado por seu filho Carlos Bolsonaro no Telegram.
A apoiadores, o presidente também minimizou o papel de seu adversário João Dória na promoção da Coronavac. "Está liberada a aplicação no Brasil. E a vacina é do Brasil, não é de nenhum governador não. É do Brasil", ressaltou.
Guerra das vacinas
A guerra de Bolsonaro contra as vacinas eclodiu no segundo semestre de 2020, quando avançou a iniciativa paralela do governo de São Paulo para garantir doses de maneira independente, diante da inação da administração federal.
A vacina promovida por um desafeto político provocou a fúria de Bolsonaro. A partir de agosto, o presidente passou a sistematicamente minar a confiança na Coronavac do governo paulista. Atrás do governo paulista, a administração federal apostou num acordo com a AstraZeneca para a produção de vacinas, em parceria com a Fiocruz.
Na contramão de quase todos os países do mundo, o Ministério da Saúde se comprometeu inicialmente com apenas uma vacina, e não com um leque diversificado como ocorreu, por exemplo, na União Europeia. Contatos com a americana Pfizer no segundo semestre inicialmente não despertaram o interesse do governo.
Bolsonaro também chegou a desautorizar Pazuello quando o ministro mostrou interesse em adquirir a vacina paulista. O lançamento da vacina da AstraZeneca acabou sofrendo atrasos após problemas na análise de dados sobre a eficácia, colocando inicialmente o precário plano de imunização federal em dúvida.
Em dezembro, diante do progresso na elaboração do plano de imunização paulista, o governo finalmente resolveu se apressar. Manifestou interesse pela vacina da Pfizer, mas esbarrou na alta demanda mundial. A Pfizer ainda reclamou dos entraves impostos pelo governo para a aprovação da vacina. A resposta de Bolsonaro foi desdenhar da empresa. "Os laboratórios não tinham que estar interessados em vender para a gente?"
Anúncios contraditórios
Diante do avanço da imunização em outros países, Pazuello começou a fazer anúncios contraditórios e promessas que logo eram desmentidas. Chegou a afirmar que a vacinação poderia começar em dezembro com doses da Pfizer, mesmo depois de a empresa dizer que não poderia fornecer nenhuma dose naquele mês. Em um espaço de dias, ele ainda lançou datas como janeiro, fevereiro ou março para o início da vacinação.
Em dezembro, o governo finalmente apresentou um vago plano de imunização, sem datas e com informações incompletas sobre protocolos de segurança. Cientistas que foram citados como colaboradores reclamaram que nunca tinham visto o documento.
Tardiamente, o governo lançou em dezembro uma licitação para comprar mais de 330 milhões de seringas. O setor que produz o material reclamou que já vinha alertando o governo desde julho para apressar a compra do material. A licitação foi um fracasso. Só 7,9 milhões foram garantidos.
Bolsonaro acabou suspendendo a compra e culpou os fabricantes por supostamente elevarem os preços. No entanto, ele não havia feito objeções em 2020 ao adquirir doses de hidroxicloroquina por três vezes o valor de mercado.
E quando o fracasso da licitação foi revelado pela imprensa, o Ministério da Saúde usou suas redes para publicar um falso desmentido. No entanto, o próprio governo usou o fracasso como justificativa para barrar a exportação de seringas em documento enviado à Secretaria de Comércio Exterior.
Eficácia das vacinas
Em testes realizados no Brasil, a Coronavac obteve uma eficácia geral de 50,38%. O índice indica a capacidade da vacina de proteger contra todos os casos da doença, independente da gravidade.
Já testes preliminares realizados com o imunizante da AstraZeneca-Oxford apontaram eficácia média de 70,4%. Especialistas afirmam, contudo, que os resultados das duas vacinas não podem ser comparados, já que os estudos foram realizados em público diferente e usando métodos e cálculos diferentes.
Ambos os imunizantes requerem duas doses para atingir sua eficácia máxima de proteção contra a covid-19, e podem ser armazenados em temperatura de geladeira, o que facilita a logística de distribuição pelo país.
CN/dw/abr/ots