UPPs tornaram investigações mais viáveis, diz promotora do caso Amarildo
31 de outubro de 2013Após meses de investigação, o Ministério Público (MP) do Rio de Janeiro denunciou 25 policiais militares pelo assassinato do pedreiro Amarildo de Souza, desaparecido no dia 14 de julho. Eles responderão pelos crimes de tortura seguida de morte e ocultação do cadáver, que ainda não foi encontrado.
Em entrevista à DW Brasil, a promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho do MP, que está participando das investigações, concorda que, por si só, as UPPs não combatem a criminalidade, mas diz que o programa de pacificação nas favelas cariocas tornou viáveis investigações antes impossíveis – como no caso Amarildo. Segundo a denúncia do MP, o pedreiro foi torturado por policiais numa instalação da UPP na Rocinha.
"A existência das UPPs contribui muito para a elucidação dos fatos. Sem a UPP, dificilmente teríamos acesso aos moradores do local", afirma.
DW Brasil: Os policiais militares indiciados pelo Ministério Público serão julgados na Justiça militar ou comum?
Carmen Eliza Bastos de Carvalho: Eles serão julgados pela Justiça comum estadual. A Justiça militar julga apenas crimes que estão no código penal militar. Eles foram denunciados por crimes comuns, que são tortura, ocultação de cadáver, formação de quadrilha e falta processual.
Por que a tortura foi praticada na sede da UPP da Rocinha?
Os policiais queriam saber onde estavam as armas e as drogas do tráfico. Eles haviam montado uma operação para combater o tráfico, e essa operação não teve sucesso. Então, eles pegaram Amarildo e o torturaram para que ele dissesse onde estavam essas armas, pois acreditavam que ele sabia onde elas estavam.
Qual foi a sua reação ao constatar que a tortura estava sendo praticada por policiais militares em uma UPP?
A tortura feita por um agente público sempre choca, pois o dever deles é impedir esses atos. Eles optaram por fazer aquilo que eles deveriam combater. Mas a tortura sendo praticada por uma polícia pacificadora choca ainda mais, porque a proposta é pacificar. É uma polícia de paz. Uma polícia para trazer para aquela comunidade um pouco de cidadania, de esperança e eles acabaram com tudo isso.
Quais são as lições que o MP tira do caso Amarildo?
A principal lição é que a união entre as polícias para a elucidação dos fatos é imprescindível. Se a polícia civil, a polícia militar e o MP se unirem com uma comunidade, nós conseguimos ter sucesso na apuração dos crimes.
O caso do Amarildo minou a confiança nas UPPs?
Absolutamente não. A existência das UPPs contribui muito para a elucidação dos fatos. Sem a UPP, dificilmente teríamos acesso aos moradores do local. Sem a UPP, eu, promotora, não conseguiria entrar nesse local e a polícia também teria dificuldade de entrar. A confiança é um trabalho que se faz todos os dias, que não pode nunca se dar como vencida. Não se pode ter uma visão generalizada das UPPs e da polícia militar. Existem policiais muito corretos e íntegros, tanto é que a própria polícia militar contribuiu com as investigações.
Com a instalação das UPPs, aumentaram as denúncias feitas para o MP e as investigações de crimes?
Desde a instalação dos UPPs, a investigação ficou muito mais viável, porque hoje a polícia tem muito mais acesso às testemunhas. Os crimes nessas localidades continuam acontecendo, mas melhorou a possibilidade da apuração. Aumentou o número de denúncias de crimes, mas isso não quer dizer que tenha aumentado o número de crimes. As denúncias aumentaram porque as pessoas se sentem mais seguras.
Qual é a sua visão para o futuro das UPPs no Rio?
Eu acho que é uma política de sucesso, tem que continuar, muitos lugares ainda precisam de UPP. Contudo, a política da UPP é só metade do trabalho. A outra metade é o combate à criminalidade. A UPP ocupa a comunidade e fica ali, mas há criminosos que permanecem na região e alguns que vão para outros lugares, ambos continuam cometendo crimes e precisam ser presos. A política das UPPs por si só não combate a criminalidade.