Um comandante nazista na Volkswagen do Brasil
27 de julho de 2017Ex-comandante dos campos de extermínio de Treblinka e Sobibór na Polônia, Franz Paul Stangl trabalhou por oito anos na Volkswagen do Brasil, entre 1959 e 1967. Ele foi responsável por montar um setor de monitoramento e vigilância na unidade de São Bernardo do Campo para espionar funcionários durante a ditadura militar, como revelou a Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2014. Apesar de ser procurado internacionalmente, Stangl nem sequer alterou seu nome ao chegar ao Brasil, em 1951.
O caso foi relembrado por uma força-tarefa investigativa das emissoras alemãs NDR e SWR e o jornal Süddeutsche Zeitung em reportagem publicada nesta quarta-feira (26/07). O texto diz que a Volkswagen chegou a recomendar um advogado a Stangl, depois de ele ter sido preso em São Paulo, em 1967.
Stangl chegou com a família ao Brasil em 1951 depois de fugir de uma prisão e morar por um tempo na Síria. Ele viveu no país por 16 anos, antes de ser extraditado para a Alemanha. Nascido em 1908 em Altmünster, na Áustria, Stangl fez parte do Aktion T4, o programa de eutanásia nazista para o extermínio de pessoas com deficiência física, e foi promovido a comandante dos dois campos de extermínio na Polônia.
No Brasil, o criminoso nazista trabalhou em empresas têxteis até ser contratado pela Volks em 1959. A estrutura montada por Stangl – justamente para espionar funcionários – era complexa e contava com dezenas de policiais e membros das Forças Armadas. Ainda hoje, porém, a empresa argumenta que ninguém sabia sobre seu passado.
"Tudo indica que eles não sabiam", disse o advogado da Volkswagen no Brasil, Rogério Varga, à equipe de repórteres alemães.
Stangl foi preso em São Paulo em 28 de fevereiro de 1967 graças a Simon Wiesenthal, conhecido como o "caçador de nazistas". Num caso amplamente noticiado pela imprensa brasileira, o ex-comandante nazista foi preso por agentes do Departamento de Ordem e Política Social (Dops) e extraditado para a Alemanha.
O ex-presidente do Grupo Volkswagen Carl Hahn, que na época ocupava um cargo no conselho fiscal da montadora no Brasil, diz que não havia informações sobre a história de Stangl. "Nós não sabíamos de cor os nomes dos comandantes dos campos de concentração", argumenta. "Que as pessoas vindas da Alemanha fossem registradas lá [na montadora] era algo muito normal."
Recomendação de advogado
Logo depois da prisão, o então chefe da Volkswagen do Brasil. Friedrich Wilhelm Schultz-Wenk, que tinha sido membro do partido nazista, enviou uma carta à sede da montadora em Wolfsburg para justificar por que a empresa não sabia sobre o passado de Stangl.
Ele disse que a legislação brasileira proibia a coleta de informações sobre os trabalhadores. "A VW no Brasil é indiferente à qual religião alguém pertence", escreveu. Mas no caso de Stangl, ressalta a reportagem, não se tratava de crença, mas de crimes de guerra.
A reportagem revela ainda que, depois de ter sido preso, a montadora recomendou um advogado ao ex-comandante nazista. Em dezembro de 1970, ele foi condenado pelo Tribunal Distrital de Düsseldorf à prisão perpétua pelo assassinato de 400 mil pessoas nos dois campos de extermínio.
Segundo a investigação, Wiesenthal, o "caçador de nazistas", escreveu ao ex-parlamentar Walther Leisler-Kiep dizendo que a mulher de Stangl conversou com membros da Volkswagen e que a companhia recomendou um advogado para o ex-comandante.
A comunidade judaica reclamou sobre a ajuda oferecida a Stangl no Consulado Alemão em São Paulo e pediu a intervenção do embaixador alemão no Brasil, como mostram documentos do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha. Não está claro se o consulado interveio no caso. Stangl foi representado por outro advogado, que recebeu os honorários da Áustria.
Depois de ser extraditado, Stangl foi levado a julgamento na Alemanha. Antes de a sentença transitar em julgado, ele morreu de infarto na prisão, em 28 de junho de 1971.
KG/ots