Como a Volks cooperou com a ditadura brasileira
24 de julho de 2017Uma força-tarefa investigativa formada pelo jornal Süddeutsche Zeitung e as emissoras estatais NDR e SWR obteve acesso exclusivo à investigação externa, ordenada pela própria Volkswagen, sobre o papel de sua filial brasileira na ditadura militar (1964-1985).
Segundo reportagens publicadas no domingo (23/07), a filial brasileira da montadora colaborou de forma mais ativa do que antes se imaginava com os militares na perseguição de opositores do regime.
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Análise extensa de documentações mostrou quão participativo foi o papel da Volkswagen do Brasil e sugere que a sede em Wolfsburg tomou conhecimento disso - o mais tardar em 1979.
Os repórteres alemães analisaram documentos corporativos localizados na filial brasileira e na sede alemã, papéis classificados como secretos pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e relatórios confidenciais do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha.
"Operários eram presos na planta da fábrica e, em seguida, torturados: a colaboração da Volkswagen com a ditadura militar brasileira foi, aparentemente, mais ativa do que antes presumido", escreveu o Süddeutsche Zeitung.
Os repórteres alemães também tiveram acesso às atas de investigação do Ministério Público de São Paulo. Além disso, eles realizaram entrevistas com alguns ex-funcionários da Volkswagen do Brasil – muitos confirmaram que foram detidos na fábrica em 1972. Eles faziam parte de um grupo oposicionista e distribuíram folhetos do Partido Comunista e organizavam reuniões sindicais.
Os veículos de comunicação alemães corroboraram que a filial brasileira espionou seus trabalhadores e suas ideias políticas, e os dados acabaram em "listas negras" em mãos do Dops. As vítimas lembraram como foram torturadas durante meses, após terem se unido a grupos opositores.
"A Volks roubou dois anos da minha vida", disse Lúcio Bellentani, ex-operário da montadora e agora com 72 anos, que afirmou ter sofrido oito meses de tortura e ter passado outros 16 meses na prisão. "Indiretamente a Volkswagen foi responsável por numerosos casos de tortura e perseguição. A Volkswagen deve ter a dignidade de reconhecer sua responsabilidade por esses atos."
Espionagem e colaboração com Dops
Em 2016, a montadora alemã nomeou para uma investigação sobre seu passado o historiador Christopher Kopper, que confirmou a existência de "uma colaboração regular" entre o departamento de segurança da filial brasileira e o órgão policial do regime militar.
"O departamento de segurança atuou como um braço da polícia política dentro da fábrica da Volkswagen", antecipou Kooper, pesquisador da Universidade de Bielefeld, à imprensa alemã. Segundo ele, a montadora "permitiu as detenções" e pode ser que, ao compartilhar informações com a polícia, "contribuísse para elas". Ele sugeriu que a montadora alemã peça desculpas aos ex-funcionários afetados pela conduta.
De acordo com protocolos internos da Volkswagen, as chefias da montadora na Alemanha e em São Paulo trocaram memorandos referentes às detenções de funcionários. O conselho da multinacional tomou conhecimento da conduta em São Bernardo do Campo, cidade satélite de São Paulo, o mais tardar em 1979, quando funcionários brasileiros viajaram à Alemanha para confrontar o então presidente da companhia, Toni Schmücker.
A sede da montadora se negou a comentar o conteúdo das alegações e reiterou ter encarregado o historiador Kooper de investigar e apresentar um parecer sobre a questão. Kooper apresentará suas conclusões até o final do ano.
Galpões cedidos aos militares
Há quase dois anos foi aberta em São Paulo uma investigação sobre a Volkswagen do Brasil para determinar a responsabilidade da empresa na violação dos direitos humanos durante a ditadura de 1964 a 1985.
Conforme estabeleceu a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que examinou as violações dos direitos humanos cometidas pela ditadura militar, muitas empresas privadas, nacionais e estrangeiras, deram apoio tanto financeiro como operacional ao regime militar.
No caso da Volkswagen, a comissão constatou que alguns galpões que a empresa tinha numa fábrica de São Bernardo do Campo foram cedidos aos militares, que os usaram como centros de detenção e tortura. Além disso, a comissão sustentou que encontrou provas que a multinacional alemã doou ao regime militar cerca de 200 veículos, depois usados pelos serviços de repressão.
PV/abr/ots