Um ano depois, Copa deixa gosto amargo para Fifa e Brasil
12 de junho de 2015"Doeu muito. Doeu, sim, senhor", admitiu, sem rodeios, a presidente Dilma Rousseff em entrevista à DW, referindo-se ao desempenho do Brasil na última Copa do Mundo. "Mas [...] brasileiro não desiste nunca. Por isso eu lhe digo: aguardem que um dia nós voltaremos."
A derrota de 7 a 1 diante da Alemanha no Mineirão, em 8 de julho de 2014, não apenas destroçou o sonho brasileiro do título. O pentacampeão mundial não se recuperou até hoje do desastre histórico – e tenta, aos poucos, reabilitar a reputação perdida.
À primeira vista, a "Copa das Copas" parece ter sido tudo, menos positiva, para o país anfitrião. A culpa não foi apenas da derrota traumática imposta pelos alemães: protestos em massa contra os custos astronômicos dos estádios do Mundial, os preços altos dos ingressos, o problemas nos transportes urbanos e a corrupção também minaram o megaevento esportivo.
Legado questionável
Em 12 de junho de 2014, a Copa começava com vitória brasileira e com vaias e xingamentos a Dilma e ao presidente da Fifa, Joseph Blatter, que acompanhavam tudo das arquibancadas. E, um ano depois, em termos de cimento, aço, vidro e tecnologia, o legado do torneio é bem modesto.
Apenas a metade das 70 medidas previstas para ampliação da infraestrutura municipal de transportes foi realmente concluída. A isso, acrescentam-se os gastos de 8 bilhões de reais das 12 arenas da Copa, das quais pelo menos quatro já se revelaram elefantes brancos.
O Mundial 2014 e seus gigantescos canteiros de obras deixaram suas marcas nos orçamentos da sétima economia mundial. E a esperada influência sobre o crescimento econômico do país revelou-se mínima: segundo dados do IBGE, em 2014 o PIB nacional só cresceu 0,1%.
Mas em um quesito o pentacampeão conseguiu uma vitória: em sua rixa com a Fifa. Os brasileiros não perderam a chance de chamar a atenção da entidade máxima do futebol para suas falhas de gerenciamento de segurança durante o torneio.
De acordo com seus estatutos, a Fifa está encarregada de "contratar pessoal qualificado e treinado para as funções necessárias à administração e operações de segurança durante o torneio".
Mas nos jogos Argentina x Bósnia, em 15 de junho, e, três dias mais tarde, Espanha x Chile, no Maracanã, ficou óbvio que o pessoal mobilizado pela Fifa não estava à altura da tarefa. Quando os torcedores chilenos invadiram o centro de imprensa e os argentinos derrubaram as cercas de proteção, a polícia brasileira teve que reagir para evitar o caos.
"Chute no traseiro"
Ainda mais impactante foi a prisão de funcionários da federação internacional e de pessoas ligadas à ela, em 7 de julho de 2014, em pleno luxo do Copacabana Palace Hotel. A polícia civil do Rio de Janeiro investiu depois de investigadores terem revelado um esquema de venda ilegal de ingressos por parte de funcionários e contratados da Fifa.
"Nossas relações foram bastante conflituosas com a Fifa", lembra Dilma na entrevista à DW. "Não tenho nenhuma queixa do senhor [Joseph] Blatter, que sempre teve um comportamento bem respeitoso em relação ao Brasil. O mesmo não digo de outras pessoas."
Uma dessas "outras pessoas" poderia ser o secretário-geral da organização, Jerôme Valcke. No que mais tarde foi justificado como uma imprecisão na tradução, em março de 2012, em plenos preparativos para a Copa, ele teria dito que a organização do torneiro no Brasil precisava de "um chute no traseiro" para começar a trabalhar. Segundo Valcke, o problema é que as tarefas simplesmente não eram cumpridas e que tudo estava atrasado.
Em reação, o então ministro do Esporte, Aldo Rebelo, se recusou a continuar tendo o dirigente da Fifa como interlocutor. O congresso da Fifa em São Paulo, às vésperas do apito inicial para o Mundial, realizou-se sem a presença da elite política do país: tanto Dilma como o governador e o prefeito de São Paulo pediram desculpas por não poderem estar presentes.
Lucro recorde
Durante o torneio, porém, Valcke passou por uma verdadeira metamorfose. Em seu balanço ao fim da rodada preliminar, anunciou que "esta Copa do Mundo vai ser um dos maiores ímãs de público", e que, na organização do evento, o Brasil se encontrava "no caminho do sucesso".
As estatísticas da Fifa confirmam o otimismo do dirigente, antes tão negativo: com uma média de 53.592 espectadores, o país praticamente bateu o recorde de frequência aos estádios desde 1930. Única exceção foi o Mundial de 1994, nos Estados Unidos, do qual, entretanto, participaram 24 seleções, em vez de 32. Com menos jogos, a média de público tende a ser maior.
Esses números tão imponentes também asseguraram faturamento recorde para a Fifa. Segundo reportagem do Estado de São Paulo, os lucros da organização giraram em torno de 5 bilhões de dólares. Em comparação, a Copa da África do Sul rendeu 4,1 bilhões de dólares – livres de tributação, claro.
Contudo a festa acabou, tanto para o Brasil como para a Fifa. Dirigentes esportivos brasileiros estão tendo que encarar perguntas desagradáveis tanto ao pé do Pão de Açúcar como à margem do Lago de Zurique. Entre outros, a Polícia Federal e o Ministério Público submetem a inquérito o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira.
Além disso, o Brasil se dispõe a auxiliar a Fifa nas reformas planejadas. O ex-craque Zico já se ofereceu para a sucessão de Blatter. O veterano do futebol, de 62 anos, segue o lema da presidente Dilma: nunca desistir, mesmo que não haja a menor chance.