Relações entre Brasil e Fifa estremecidas
6 de março de 2012Uma equipe formada por 40 técnicos da Fifa e do Comitê Organizador Local iniciou, nesta terça-feira (06/03), mais uma série de inspeções em seis dos 12 estádios da Copa 2014. A inspeção – que tem como foco avaliar o andamento das obras e o planejamento para dias de jogos – seria de rotina não fosse a situação delicada em que se encontra a relação entre a Fifa e o governo brasileiro.
O caso começou no último sábado, quando o ministro do Esporte do Brasil, Aldo Rebelo, respondeu a uma declaração feita pelo secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, no dia anterior, durante evento na Inglaterra. A frase dita por Valcke sugeria que o Brasil mereceria um "chute no traseiro" por causa dos atrasos nos preparativos para a Copa de 2014. Em entrevista coletiva no sábado, Rebelo tachou como inadequada a linguagem usada pelo representante da Fifa.
Novo interlocutor?
Além da demonstração pública de insatisfação, o governo brasileiro formalizou, junto à Fifa, um pedido para que seja designado outro interlocutor. Em carta enviada nesta segunda-feira a Joseph Blatter, presidente da Fifa, o governo brasileiro alega que "a forma e o conteúdo das declarações escapam aos padrões aceitáveis de convivência harmônica entre um país soberano como o Brasil e uma organização internacional centenária como a Fifa".
Na coletiva do último sábado, Aldo Rebelo afirmou que o Brasil precisa de "um interlocutor que tenha condições de entender o nível das responsabilidades e entendimentos necessários para esse tipo de relação". Ele afirmou, ainda, que "governo tem se esforçado e continuará apoiando do jeito que é possível a realização da Copa do Mundo", mas disse, também, que não seria mais possível aceitar o secretário-geral como interlocutor.
Em conversa com a Deutsche Welle, Paulo Azevedo, coordenador do laboratório de análise de gestão do esporte internacional da Universidade de Brasília, avaliou que a Fifa está exercendo sua função de cobrar resultados. Sem entrar na discussão sobre os termos usados por Valcke, Azevedo disse que "parte da infraestrutura está atrasada – infraestrutura básica das cidades, infraestrutura hoteleira, transporte, aeroportos – mas esse atraso não inviabiliza a realização da Copa".
"Interpretação incorreta"
Pouco depois da divulgação da carta do governo à Fifa, Jérôme Valcke enviou um pedido de desculpas ao Brasil. Na carta, ele alega que houve um mal entendido na tradução da expressão que usou. Segundo a carta, escrita em português, Valcke lamenta que a "interpretação incorreta" de suas palavras "tenha causado tanta preocupação". O secretário-geral explica o que quis dizer: "em francês, ‘se donner un coup de pied aux fesses’ significa apenas ‘acelerar o ritmo’ e, infelizmente essa expressão foi traduzida para o português usando palavras muito mais fortes".
Na carta, Valcke reafirma que há, na Fifa, "um clima de preocupação", mas que há esperanças de que os problemas possam ser superados com um esforço conjunto da Fifa, do Comitê Organizador Local e das autoridades brasileiras.
Com o impasse, surgiram comentários sobre a possibilidade de a Fifa cancelar a Copa, decisão que a entidade tem direito de tomar até junho, sem necessidade de pagar multa. Na carta de desculpas, Valcke dá a entender que esta não é uma possibilidade. "Gostaria de reiterar, como fiz em muitas ocasiões, que o Brasil é e sempre será a única opção para sediar a Copa do Mundo de 2014", assegurou.
Lei Geral da Copa
Em meio a essa troca de declarações, nesta terça-feira uma comissão especial da Câmara dos Deputados vai votar propostas de alterações para o texto da Lei Geral da Copa. As propostas do relator, deputado Vicente Candido, incluem a autorização da venda de bebidas alcoólicas nos estádios, a venda de meia-entrada para idosos, estudantes participantes de programas de transferência de renda, além da possibilidade de criação de feriado em dias de jogos.
Na avaliação do pesquisador Paulo Azevedo, esse momento delicado das relações entre Brasil e Fifa ganha proporções maiores justamente por causa da votação da Lei. Segundo ele, a Fifa pressiona, também, com o objetivo de conseguir uma aprovação mais rápida do texto, mas o efeito pode acabar sendo o oposto. "Ele [Valcke] quis pressionar para ter agilidade, mas isso pode deixar o ritmo ainda mais lento", declarou à Deutsche Welle.
Indagado sobre a necessidade de o Brasil ceder às reivindicações da Fifa para obter um resultado satisfatório na realização da Copa, Paulo Azevedo foi claro: "O Brasil não tem obrigação de ceder a tudo". Como exemplo, ele cita a Copa da África do Sul, em 2010, que recebeu avaliação positiva da Fifa. "A África do Sul, no mesmo momento comparativo com o Brasil, estava muito mais atrasada, e conseguiu realizar a Copa e conseguiu pontuação alta", disse Paulo Azevedo. Segundo ele, a avaliação positiva está atrelada ao fato de o país africano ter cedido a praticamente todas as reivindicações da Fifa.
Depois de passar pela comissão, o projeto da Lei Geral da Copa segue para avaliação do plenário da Câmara e só depois vai para o Senado.
Autoria: Ericka de Sá
Revisão: Augusto Valente