Ultradireita alemã avança em pesquisas eleitorais
2 de junho de 2023Inflação, afluxo de imigrantes, disputas sobre custos de medidas climáticas e especialmente uma crescente insatisfação com a atual coalizão de governo têm turbinado a ultradireita alemã na preferência do eleitorado.
Uma pesquisa divulgada na noite de quinta-feira (01/06) mostrou que, se a nova eleição parlamentar alemã ocorresse hoje, o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) poderia contar com apoio de 18% do eleitorado, aparecendo empatado na segunda posição com o Partido Social-Democrata (SPD) do atual chanceler federal Olaf Scholz, que também registrou 18%.
Apenas o bloco conservador da ex-chanceler Angela Merkel, formado pela União Democrata Cristã (CDU) e a União Social Cristã (CSU), que formam bancada única no Parlamento alemão, aparecem à frente da ultradireita, registrando 29% das intenções na pesquisa divulgada pela emissora ARD. Já o Partido Verde, que compõe a atual coalizão de governo junto com o SPD, registraram 15%. O Partido Liberal Democrático (FDP), terceiro membro da coalizão, obteve 7%. O partido A Esquerda (Die Linke), apareceu com apenas 4%, abaixo da cláusula de barreira para ocupar cadeiras no Bundestag (Parlamento alemão).
A última vez que a AfD havia registrado tal preferência entre o eleitorado havia sido numa pesquisa em 2018, quando a aprovação do então governo Merkel estava em queda em meio a disputas internas. No momento, a situação de Scholz também é delicada. Segundo a pesquisa, apenas 20% do eleitorado afirmou estar satisfeito ou muito satisfeito com a atual coalizão tríplice de governo. Outros 79% afirmaram estarem menos satisfeitos ou nada satisfeitos.
Diante desse quadro, a ultradireita voltou a ser beneficiada com o desencanto do eleitorado com o governo da vez, crescendo dois pontos percentuais em relação ao último levantamento de maio. Mas nos últimos dois anos o crescimento foi maior entre o eleitorado. Nas últimas eleições federais de 2021, a AfD havia ficado em quinto lugar, atrás dos conservadores, social-democratas, verdes e liberais, com 10,3% dos votos.
Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência mais liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016. Com posições radicalmente anti-imigração, membros que se destacam na imprensa por falas incendiárias ou racistas, a legenda é rotineiramente acusada de abrigar neonazistas e já teve uma de suas alas colocada sob vigilância policial por suspeita de extremismo.
A AfD é especialmente forte nos estados do leste, que compunham a antiga Alemanha Oriental comunista. No último ano, políticos da sigla que têm seus redutos nessa área adotaram posições pró-Rússia, anti-sanções e contra ajuda militar ocidental à Ucrânia. O partido também tem conexões com a extrema-direita mundial. Em 2021, uma de suas deputadas, Beatrix von Storch, foi recebida pelo então presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
Termômetro
A próxima eleição federal alemã só está prevista para ocorrer em 2025, mas a atual pesquisa é encarada como um termômetro para importantes disputas estaduais que devem ocorrer em 2023 e 2024.
Em dois estados ocidentais que terão eleições em 2023, Baviera e Hesse, a AfD aparece estagnada nas pesquisas, com porcentagens similares aos resultados eleitorais obtidos em 2018.
No entanto, em três estados orientais que terão pleitos em 2024 – Brandemburgo, Saxônia e Turíngia –, a AfD registra um avanço entre o eleitorado. Na Turíngia, o partido aparece desbancando A Esquerda – sigla em parte formada por remanescentes do antigo partido comunista da Alemanha Oriental – na preferência do eleitorado. Em um levantamento divulgado em abril, a AfD registrou 28% da preferência local, contra 22% do A Esquerda, que havia ficado à frente na última eleição, em 2019.
Na Saxônia, uma pesquisa divulgada no final de maio também mostrou a AfD no topo, com 32%, à frente dos conservadores da CDU, que registraram 31%.
Já em Brandemburgo, o partido apareceu tecnicamente empatado com a CDU num levantamento em abril, com 23%, e à frente do SPD, que registrou 22%. No pleito de 2019, o SPD havia ficado na primeira posição, com 26,2%.
Eventuais triunfos eleitorais da AfD nesses três estados orientais podem levar a dificuldades de governabilidade, com outros partidos tradicionais sendo obrigados a costurar coalizões complexas para tentar barrar a influência da ultradireita nos parlamentos estaduais.
Na Turíngia, em 2020, o crescimento da AfD já havia provocado uma crise política e a consequente formação de uma tríplice coalizão entre A Esquerda, SPD e o Partido Verde, que mesmo assim não conseguiu maioria no Parlamento local. Desde então, essa coalizão, majoritariamente de esquerda, passou a depender de uma cooperação informal com os conservadores da CDU para garantir governabilidade e assegurar o isolamento da AfD. No entanto, a ultradireita alimenta a esperança de que um novo crescimento possa eventualmente levar a CDU a cooperar com a AfD.
Verdes sofrem desgaste, SPD em queda
Apontados como uma das sensações das eleições federais de 2021, os verdes alemães parecem distantes do entusiasmo que provocaram há dois anos ou das marcas acima dos 20% de preferência que registraram em algumas pesquisas em 2022.
Atualmente com 15% das intenções, o Partido Verde se tornou um dos principais alvos da insatisfação com a atual coalização de governo. Outra pesquisa divulgada nesta sexta-feira pelo jornal Die Welt mostrou que o co-líder da legenda, o atual ministro da Economia, Robert Habeck, é considerado um dos políticos mais impopulares da coalizão pelo eleitorado.
Habeck, que recentemente teve que lidar com o desgaste político após um de seus principais assessores acabar demitido devido a um escândalo de nepotismo, tem seu desempenho aprovado por apenas 23% do eleitorado. Ele aparece distante dos 53% do ministro da Defesa, Boris Pistorius (SPD), e até da verde Annalena Baerbock, que ocupa a pasta das Relações Exteriores e que registrou 39% no levantamento.
O verde Habeck também sofreu recentemente uma forte reação negativa de parte do eleitorado após promover um projeto para banir a instalação de aquecedores domésticos a gás e óleo nas residências alemãs a partir de 2025 e permitir apenas equipamentos que tenham mais de 65% de sua energia produzida a partir de fontes renováveis. Essa agenda climática cara os verdes, no entanto, foi mal recebida por 49% do eleitorado. Pelo menos 67% manifestaram temor que a mudança cause impacto negativo em suas finanças.
O SPD do chanceler Scholz também apresenta queda na nova pesquisa. Além de aparecer empatado eleitoralmente com a AfD em 18%, o partido perdeu terreno em relação aos resultados do pleito de 2021, quando registrou 25,7% dos votos. Já o bloco conservador CDU/CSU, hoje na oposição, recuperou terreno ao registrar 29% da preferência do eleitorado – quase cinco pontos acima do seu resultado de 24,1% há dois anos.
Insatisfação com governo turbina ultradireita
A nova pesquisa também mostra que a maior parte dos entrevistados que manifestaram apoio à AfD não o fizeram necessariamente por concordância com o programa da sigla. O levantamento mostra que 67% dos apoiadores da AfD pretendem optar pela sigla principalmente por desapontamento ou por se sentirem distantes de outros partidos. Apenas 32% dos apoiadores afirmaram que querem votar na ultradireita por convicção.
Ainda assim, a pesquisa revelou que a maior parte dos apoiadores da AfD são críticos à política migratória alemã, com o tema da entrada de estrangeiros encabeçando a lista de preocupações dessa fatia. Pelo menos 65% colocaram a imigração como tema mais importante.
Na sequência aparecem Política Energética e Climática (47%), Economia (43%), política externa (25%) e inflação (23%).
A pesquisa também mostrou que entre o eleitorado geral, que inclui apoiadores de todos os partidos, 67% se opõem a uma eventual entrega de caças de guerra pela Alemanha à Ucrânia. Apenas 28% são favoráveis a um plano nesse sentido. A oposição à proposta de envio de jatos é maioria em todo o espectro político, embora mais equilibrada entre o eleitorado verde. Já entre os apoiadores da AfD, a esmagadora maioria (90%) é contra o envio de aviões para ajudar Kiev em sua guerra defensiva contra a Rússia.