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"Tesouro de Munique" impulsiona pesquisa sobre arte saqueada

Annika Zeitler / Augusto Valente23 de outubro de 2014

Obras tomadas de judeus pelo regime nazista mantêm em foco o espólio do colecionador Gurlitt. Caso também suscitou a criação de uma nova instituição e a elevação das verbas para pesquisa de proveniência na Alemanha.

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Foto: picture-alliance/dpa

Depois de quase um ano, o chamado Tesouro de Munique continua fazendo manchetes para além do mundo da arte. Em novembro de 2013, revelou-se que o colecionador de arte Cornelius Gurlitt mantinha em seu apartamento na capital bávara e na sua casa em Salzburgo mais de 1.500 obras – incluindo artistas como Monet, Renoir, Matisse, Picasso, Chagall – herdadas do pai, o marchand Hildebrand Gurlitt, que trabalhava para os nazistas.

A origem das peças era duvidosa. Sobre elas pairava sobretudo a suspeita de se tratar, ao menos em parte, de Raubkunst – "arte saqueada", roubada ou extorquida de comerciantes e particulares judeus pelas autoridades nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

O caso deu uma guinada inesperada com a morte do colecionador, em 6 de maio de 2014. Em seu testamento, ele designava o Museu de Arte de Berna, Suíça, como herdeiro única de sua coleção. No entanto, dado o caráter sensível do acervo, a instituição pediu tempo para estudar a forma adequada de reagir ao legado.

Enquanto seu destino dos quadros é incerto, permanece secreto o local onde eles se encontram. Segundo Stephan Brock, gestor do espólio de Gurlitt, eles estão em segurança, alguns sendo até restaurados. "A arte está sendo embelezada para que todos possamos aproveitá-la quando ela talvez for exposta, em breve."

"Não acho que o museu vá recusar a herança", antecipa Brock. A instituição cultural suíça tem até 7 de dezembro para decidir como procederá. No momento, ela trava negociações sigilosas com o governo federal alemão e o Estado da Baviera. "As conversas transcorrem de modo construtivo, mas não estão concluídas", resume o Museu de Arte de Berna.

Zwei Reiter am Strand - Max Liebermann 2009 bei Sotheby's in Privatbesitz verkauft - nicht aus dem Gurlitt-Fund
"Dois cavaleiros na praia", de Max Liebermann, foi atestada "Raubkunst"Foto: gemeinfrei

Em foco, a pesquisa de proveniência

Enquanto isso, a questão central segue em aberto: a quem pertencem os quadros que Cornelius Gurlitt ocultou por tantos anos? Durante o nazismo, seu pai foi um dos quatro importantes comerciantes de arte encarregados de adquirir e confiscar peças – de museus e de colecionadores judeus, em toda a Alemanha e nos territórios ocupados – para o planejado "Museu do Führer", na cidade austríaca de Linz.

O escândalo Gurlitt proporcionou atenção inaudita à temática da origem dos objetos artísticos e à pesquisa de proveniência na Alemanha. Que obras são "arte saqueada" e devem ser devolvidas? No momento, a Kunsthalle Bremen se debruça justamente sobre essa questão. Já três anos antes do espetacular achado em Munique, a galeria de arte passara a examinar seu acervo, à busca de Raubkunst nazista, tornando-se, assim, pioneira em termos de transparência.

Também o Museu Estadual de Baden-Württemberg e o Museu de Artes e Ofícios de Hamburgo dão bom exemplo, ao verificar a procedência das peças adquiridas entre 1933 e 1945.

Mais verbas, nova instituição

Logo após a revelação do "Tesouro de Munique", as instituições culturais alegaram que lhes faltava dinheiro e pessoal para investigar questões de proveniência. Segundo Isabel Pfeiffer-Poensgen, secretária-geral da Fundação Cultural dos Estados Alemães, a situação atual é outra.

"Nenhum museu pode dizer mais que não tenha pessoal para investigar a presença de 'arte saqueada' nazista em seus acervos", afirma. Pois Berlim reagiu à crítica nacional e sobretudo internacional, elevando de 4 milhões para 6 milhões de euros as verbas para pesquisa de proveniência na Alemanha.

Além disso, a partir de 1º de janeiro de 2015, o Centro Alemão para Perdas de Patrimônio Cultural inicia suas atividades na cidade de Magdeburg. Sua missão é reforçar e concentrar as buscas, em museus, arquivos e bibliotecas, por obras artísticas de que o regime nazista teria se apossado.

Pfeiffer-Poensgen admite que esses avanços possivelmente não haveriam se dado tão rapidamente sem o caso Gurlitt. É sempre preciso acontecer algo espetacular para que as coisas se movam, afirma.

Necessidade de novos pesquisadores

Christian Fuhrmeister, do Instituto Central de História da Arte em Munique, vê na cooperação com as universidades a principal chance de esclarecimento sobre a existência de Raubkunst nos acervos museais. "Precisamos aproveitar o motor da próxima geração e colocar, na mão dos jovens estudantes, ferramentas para eles futuramente poderem atuar com sucesso no campo da pesquisa de proveniência."

Segundo o historiador, no momento existem, nos países de idioma alemão, apenas cerca de 200 capazes nesse setor. Portanto, há muito a fazer.

A força-tarefa Schwabinger Kunstfund, encabeçada por Ingeborg Berggreen-Merkel, continua sendo a responsável por esclarecer o caso Gurlitt. Contudo, pouco de suas atividades chega à esfera pública. Até agora, sabe-se que a equipe de peritos pôde identificar dois quadros como "arte saqueada" pelos nazistas: Mulher sentada, de Henri Matisse, e Dois cavaleiros na praia, de Max Liebermann.

Claude Monet Waterloo Bridge
"Ponte de Waterloo", de Claude Monet, entre os achados importantes do "Tesouro"Foto: picture alliance/akg

Devolução em aberto

Para os críticos, isso é muito pouco. Também os diretamente interessados nas investigações consideram difícil o "sistema fechado" da força-tarefa e exigem mais abertura. O gestor do espólio de Cornelius Gurlitt, Stephan Brock, defende que "a equipe da Sra. Berggreen-Merkel está sob pressão, verifica tudo com exatidão e quer fazer seu trabalho corretamente".

Recentemente, a força-tarefa identificou como sendo a Paisagem noturna, de Claude Monet, a pintura encontrada na mala que o colecionador levara consigo para o hospital. Ela consta agora do banco de dados online Lostart.

Ao todo, até oito obras da coleção Gurlitt estão sob suspeita de serem "arte saqueada", fato divulgado pelos advogados do colecionador, logo após sua morte, e confirmado por Brock. Até que o herdeiro legítimo esteja definido, as famílias dos proprietários originais ficam sem saber quando terão de volta seu Matisse e seu Liebermann.

Pouco antes de sua morte, em maio de 2014, Cornelius Gurlitt assinou um acordo como o governo federal e com o Estado da Baviera, garantindo que seriam devolvidas aos herdeiros legítimos todas as peças de seu acervo sob suspeita de serem "arte saqueada". A secretaria bávara da Justiça assegura que esse acerto é vinculativo, quer o herdeiro seja o Museu de Arte de Berna, quer os familiares do colecionador.