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STF retoma julgamento de pacote armamentista de Bolsonaro

17 de setembro de 2021

Segundo especialistas, expectativa é que maioria do Supremo declare inconstitucionais mudanças em normas e leis que facilitam acesso a armas de fogo, bandeira do atual governo.

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Alexandre de Moraes, do STF
Ministro Alexandre de Moraes já suspendeu portaria sobre rastreamento e marcação de armas e muniçõesFoto: Marcos Oliveira/Agecia Senado

Será retomado nesta sexta (17/09), no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento do chamado "pacotão armamentista" do governo Jair Bolsonaro. O conjunto de ações questiona a legalidade de 31 decretos, normas, portarias e decisões do atual governo, todos eles afrouxando o acesso a armas de fogo no país.

No total são 14 processos, que têm como relatores os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Rosa Weber, e tratam sobre compra, registro, posse e tributação de armas. 

Logo após o início da sessão, pedido de vista do ministro Kássio Nunes Marques, que foi indicado por Bolsonaro, parou 12 das 14 ações (oito sob relatoria de Rosa Weber, quatro do Fachin). Seguem no julgamento as duas do ministro Alexandre de Moraes.

Na pauta há questionamentos aos decretos presidenciais de 2019, que aumentaram o leque de possibilidades de posse de arma de fogo; a decisão da Câmara de Comércio Exterior — ligada ao Ministério da Economia — de reduzir a zero a alíquota para a importação de revólveres e pistolas; decretos flexibilizando questões sobre a posse e o porte de arma — que, entre outros pontos, aumentam de dois para seis o limite de armas de fogo que o cidadão comum pode adquirir; portaria dos ministérios da Justiça e da Defesa que ampliaram para 550 o limite mensal de munições que podem ser adquiridas por quem já tem posse ou porte de arma; e a revogação de normas que tratam do rastreamento e da marcação de armas e munições.

Sobre esse último item, na quinta o ministro Alexandre de Moraes já suspendeu a portaria, editada pelo presidente em abril do ano passado.

A expectativa, nos corredores do STF, é que a maioria dos ministros avalie como inconstitucionais as normas recentes do Executivo sobre o tema. E isso nada tem que ver com o clima de animosidade atual entre o Supremo e o presidente Bolsonaro e seus apoiadores. Tal postura já era esperada anteriormente ao quadro que se desenhou nas últimas semanas.

O julgamento, em plenário virtual, vai até o dia 24. Ainda é possível que algum ministro peça vista (mais tempo para avaliar), suspendendo os trâmites novamente. Também existe a possibilidade de que seja pedido destaque sobre o tema — o que implicaria pautá-lo para uma sessão plenária física, na qual os votos são justificados.

Inconstitucionalidade

O grande nó jurídico da questão tem que ver com a forma como as decisões da política armamentista de Bolsonaro foram tomadas, ferindo o equilíbrio entre os poderes. "Independentemente do cenário político atual, desfavorável ao governo, a alteração na política armamentista pretendida por Bolsonaro deve ser barrada pelo Supremo por ser inconstitucional, conforme apontou à época da edição do decreto sobre armas a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, em maio de 2019", afirma o cientista social Rogério Baptistini Mendes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Para alterar a Lei 10.826 — conhecida como Estatuto do Desarmamento, de 2003 —, calo no pé de quem defende o armamentismo, seria preciso enviar ao Congresso um novo projeto de lei. E aí obedecer todo o trâmite convencional: ser debatido, emendado, aprovado ou rejeitado pelo Legislativo. "Um decreto não pode se sobrepor a uma lei", acrescenta Mendes.

A artimanha consiste no chamado poder regulamentar. Isso porque, pelas regras do jogo brasileiro, embora nem toda lei precise de regulamentação, o Executivo pode regulamentar leis sempre que julgar necessário ou conveniente. O Estatuto do Desarmamento, depois de promulgado, passou por regulamentações. Mas, desde que assumiu o governo, Bolsonaro tem editado mudanças nessa legislação que ultrapassariam o papel de regulamentar — ferindo as bases da própria lei.

"Quando o STF verifica os decretos sobre armas, o objetivo principal é avaliar se os decretos estão de fato regulando a lei existente, o Estatuto do Desarmamento, ou se estão, sob pretexto de regular, contrariando a lei. Como se o decreto estivesse revogando a lei. Aí o STF pode derrubar", explica o constitucionalista Rubens Glezer, professor da FGV-Direito.

"O que está se vendo não é um juízo político sobre o decreto, se é bom ou se é ruim, mas se aquela decisão política [de Bolsonaro] deveria ser tomada em outro âmbito, modificando a lei, por exemplo", prossegue.

O ponto, conforme ressalta Glezer, é que quando uma decisão assim é feita por decreto e não por lei, configura-se um desequilíbrio entre os poderes. "Não é apenas formalidade se se trata de lei ou de decreto. Lei passa por negociações, concessões perante o Legislativo. Tem um trâmite, uma visibilidade pública, um tempo diferente que o decreto não tem. As medidas que forem avaliadas como uma usurpação do espaço legislativo devem e provavelmente serão derrubadas", argumenta.

Organizações não governamentais, como o Instituto Sou da Paz, acompanham com altas expectativas o julgamento. "Todas essas normas do governo Bolsonaro foram publicadas para enfraquecer a política do desarmamento. Temos convicção que, do ponto de vista legal e formal, essas alterações foram feitas em desrespeito aos debates no Congresso, de forma unilateral e autoritária [pelo Executivo]", comenta o advogado Felippe Angeli, do Instituto.

"O Supremo está analisando os atos do presidente à luz da lei", diz ele. "Não vai resolver a questão [da política armamentista], mas vai colocar os limites constitucionais."

Limites

Para os especialistas, é exatamente isso que o Judiciário tem feito, aliás: colocar limites constitucionais às tentativas de ações autoritárias de Bolsonaro. "A corte suprema, por sua própria composição e pelo caráter político de suas decisões, tende a conter o excessos da pauta bolsonarista, principalmente os avanços contra o regime democrático", pontua Mendes.

O cientista social acredita que o índice de rejeição popular elevado do presidente no atual momento dificulta ainda mais qualquer trânsito junto ao STF que pudesse ajudá-lo, porque ele "já não conta com a pressão da sociedade sobre os ministros" capaz de influenciar na aprovação de "suas iniciativas destinadas a desmontar os arranjos saídos" da Constituição de 1988.

"Embora exista um grupo barulhento e um lobby poderoso em defesa do armamento da população, ele é minoritário na sociedade", ressalta Mendes. "Hoje, o STF representa o poder de contenção às aventuras antidemocráticas de Bolsonaro. Isso não significa, entretanto, que as votações sejam orientadas exclusivamente por critérios de neutralidade e observância dos princípios constitucionais. Mas exatamente o contrário: a corte está a fazer política."

Na avaliação do constitucionalista Glezer, o papel do STF não é controlar decisões de responsabilidade política do presidente, mas preservar as instituições representativas, garantindo que as decisões obedeçam aos ritos necessários.

"Com isso, [o Supremo] tem derrubado todas as medidas que, a pretexto de se fingirem, de se passarem por medidas de competência do presidente, estão na verdade fazendo uma burla à competência do Congresso ou uma burla ao federalismo, à competência dos governadores", comenta. "Ele [o STF] tem mantido um equilíbrio importante das competências institucionais, um pilar fundamental ao regime democrático e ao constitucionalismo."