"Sophie Scholl" chega aos cinemas
24 de fevereiro de 2005A Berlinale já passou, mas Sophie Scholl - Os últimos dias ainda não perdeu sua posição de destaque na mídia alemã. Nesta quinta-feira (24), o filme finalmente estréia nas salas de cinema de todo o país e o público poderá enfim conferir se a produção oferece mesmo tudo o que a crítica prometeu durante os dias de festival.
O filme de Marc Rothemund narra os últimos cinco dias de vida da jovem Sophie Scholl: estudante, ativista, membro do grupo de resistência Weisse Rose (Rosa Branca), que lotou caixas de correio principalmente do sul do país com cartas conclamando à resistência ao terror nazista.
Palavras e coragem civil
Mas tal simples descrição não chega a refletir a força do filme. Afinal, ele começa onde o movimento acaba. Sophie se reúne aos companheiros, juntos eles preparam os panfletos que ela e o irmão Hans, num heroísmo quase inocente que os expõe a todos os riscos, aceitam distribuir no prédio da Universidade de Munique. Mas a mala vazia nas mãos é um argumento suficientemente forte e os dois são detidos pela Gestapo.
Aqui praticamente se esgota a ação do filme. O resto é uma bela reconstrução da luta interna que aflige Sophie Scholl durante os interrogatórios, como um ritual em que qualquer informação duvidosa pode lhes custar caro – a ela, ao irmão e aos amigos. É no duelo psicológico com o comissário Robert Mohr que Sophie mostra sua força, armada apenas de palavras e coragem civil.
"Mostramos momentos em que Sophie chora, se preocupa se sua mãe doente sobreviverá ao choque. Queríamos mostrar os conflitos internos, não o sobre-humano", disse a atriz Julia Jentsch, proclamada a cara do novo cinema alemão.
Mas a Sophie de Rothemund e Jentsch ainda tem muito de sobre-humano: momentos de falha são raros e o engajamento é uma condição permanente. "Quem quiser saber o que significa sacrificar-se por uma idéia precisa ver Julia Jentsch nesse filme", escreveu o Frankfurter Allgemeine Zeitung.
A câmera acompanha Sophie aonde quer que ela vá: da cela à sala de Mohr, ao banheiro, ao tribunal, ao último cigarro, à sala de execução. O filme é modelado para Julia Jentsch: é óbvio que ela é a estrela. O que se passa ao lado, durante o interrogatório do irmão, é uma incógnita. A partir do momento em que fica sabendo da confissão do irmão, Sophie deixa de mentir: "Eu fiz tudo... e me orgulho disso".
Documentos disponíveis pela primeira vez
Rothemund restringiu-se ao minucioso trabalho de interpretação de documentos históricos, muitos dos quais disponíveis pela primeira vez após a abertura dos arquivos secretos da República Democrática Alemã (RDA), como protocolos dos interrogatórios, o texto da sentença de morte e depoimentos de testemunhas.
Não há paradas militares, patrulhas ou outros lugares comuns, típicos em filmagens históricas do período nazista. O figurino é tão histórico quanto poderia ser atual, sem pecar por exageros estéticos. Tudo isso confere ao filme uma veracidade louvável e sacode a poeira que recobre a história.
O diretor também permaneceu fiel ao desenrolar temporal dos acontecimentos: a prisão de Hans e Sophie em 18 de fevereiro de 1943, sua firmeza ao resistir às pressões do comissário Mohr e recusar sua oferta para escapar da pena capital, a viagem às pressas do presidente do Tribunal Popular de Berlim, Roland Freisler, para assumir o julgamento em 22 de fevereiro em Munique e as últimas horas de Sophie até sua execução ainda no mesmo dia.
Irresponsabilidade histórica?
Mas a história que Rothemund traz às telas é freqüentemente ofuscada pela idealização da personagem. Sophie aposta apenas em suas convicções morais diante do aparato burocrático nazista. O próprio Mohr não consegue esconder sua admiração perante tal heroísmo e fidelidade aos próprios princípios. Ele próprio não é nazista convicto: seu único parâmetro é a lei, seja ou não a de Hitler, o que o livra de um envolvimento ideológico com o regime.
O processo infelizmente se repete em outros momentos, o que poderia irresponsavelmente contribuir para isentar os alemães de qualquer culpa histórica: os nazistas seriam como um mal que recaiu sobre a Alemanha e é só uma questão de tempo até que o país seja libertado.
Mas, por mais atemporal que seja o heroísmo de Sophie Scholl, o filme consegue resgatar, 60 anos após o final da guerra, o espírito de resistência que era a marca principal da protagonista. "Não se pode anular o que já se passou. Mas pode-se criar bases que talvez possibilitem a vinda de tempos melhores", disse Alexander Held, brilhante no papel do comissário Mohr.
"Filmes como esse mostram, por um lado, o que de forma alguma pode voltar a acontecer. Por outro, nos dão coragem para tomar partido. E existem muitas situações na vida em que é aconselhável ou até essencial tomar partido."