"Sem vacina, nova rodada do auxílio terá que ser estendida"
28 de março de 2021Após atravessarem os três primeiros meses do ano sem auxílio emergencial em meio à escalada da pandemia, 45,6 milhões de pessoas voltarão a receber o benefício em abril. A nova rodada terá quatro parcelas mensais, de R$ 150 a R$ 375, pagas até julho.
Os valores são inferiores à primeira fase do programa, assim como o universo atendido – no seu auge, o auxílio chegou a 68,2 milhões de pessoas. A redução do montante e do escopo foi uma solução buscada pelo governo para conter o gasto com o programa, que custou 4% do PIB em 2020.
Sem uma campanha de vacinação robusta, que derrube o número de novos casos e mortes, porém, esses quatro meses do auxílio não serão suficientes e o governo terá que prorrogá-lo novamente. A análise é de Ecio Costa, professor de economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que publicou estudo no ano passado sobre o alcance e a eficácia do auxílio emergencial.
"Se tiver um grande percentual da população vacinada e reabrir a economia, não precisa de renovação. Agora, se o alto número de casos e mortes por dia e a necessidade de isolamento social permanecerem, o auxílio vai precisar, sim, ser renovado mais à frente", diz Costa em entrevista à DW Brasil.
Ele afirma que o auxílio nasceu para ser temporário devido ao seu alto custo, mas o governo e o Congresso erraram ao interrompê-lo em dezembro sem planejar adequadamente a retomada da economia, que só ocorrerá com o avanço da vacinação.
O Ministério da Economia esperava que o relaxamento das restrições, no final do ano passado, seria suficiente para que as pessoas recuperassem suas fontes de renda. Sem vacinação em massa, porém, o que houve foi uma explosão do número de novas mortes e casos, que acabou forçando prefeitos e governadores a apertarem o isolamento social. O presidente Jair Bolsonaro é contra a adoção de lockdown em nível nacional.
"Abriu-se se a economia, mas não se providenciou uma vacinação em larga escala. E o governo e o Legislativo não se organizaram para retomar rapidamente o auxílio, sabendo que o número de casos estava subindo drasticamente", diz.
A nova rodada do auxílio pagará R$ 150 por mês para pessoas que moram sozinhas, R$ 250 para quem mora com sua família e R$ 375 para mulheres chefe de família que criam seus filhos sozinhas. Ao contrário da rodada anterior, apenas uma pessoa por família poderá receber a transferência.
Esses valores, diz Costa, são insuficientes para atender as famílias durante um longo período de isolamento social, mas as ajudariam a enfrentar um cenário de "lockdown curto", de 15 a 30 dias.
DW Brasil: Como avalia a divisão do auxílio emergencial em três faixas e os valores que serão pagos tendo em vista o momento da pandemia e o contexto fiscal do país?
Ecio Costa: É um dilema. Não fizemos reformas importantes que diminuíssem o peso das despesas no orçamento e já temos uma carga tributária muito elevada. No ano passado, o empenho fiscal foi elevado, e a elevação da dívida em relação ao PIB foi alta. Aí ficou pouca margem para conduzir a política neste ano. Por um lado, o valor do auxílio é baixo, R$ 150 a R$ 375, na comparação com os R$ 600 que tivemos no ano passado. Por outro, não há muita margem de manobra sem comprometer ainda mais a situação fiscal.
O que deveria acontecer era termos uma reforma administrativa urgente e mais abrangente, diminuindo consideravelmente as despesas do setor público para que pudesse liberar mais recursos para serem utilizados nessa política [do auxílio], e talvez até em um programa de renda permanente para tirar as famílias que estão em condição de extrema pobreza.
Uma análise do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que a maioria dos beneficiários da nova rodada do auxílio – 43% deles – deve receber o valor mínimo, de R$ 150 por mês. É suficiente para que as pessoas fiquem em casa e não saiam nas ruas atrás de trabalho?
Dependendo da faixa de renda familiar, esse valor pode atender de forma emergencial um período de no máximo algumas semanas, um mês, no qual você tenha medidas restritivas mais rígidas como um lockdown. Por um período mais longo, não.
Também não é para determinadas faixas, como as pessoas que trabalham no setor de serviços. São valores muito baixos para os que dependem do comércio e da prestação de serviços informal, o segmento mais prejudicado na pandemia. Para determinadas famílias do segmento informal, R$ 150, R$ 375 ou até mesmo R$ 600 não são suficientes.
Agora, se você utilizar um lockdown curto, de 15 dias, 30 dias, e tiver um auxílio que pode perdurar por mais algum tempo, você ajuda essas famílias para que elas passem por um período curto de isolamento. Com a vacinação aumentando seu ritmo, a importância do auxílio emergencial diminui.
Quem não recebeu auxílio no ano passado não pode se inscrever para receber neste ano. Foi uma decisão acertada do governo?
Não estou lá para ver como eles estão formulando essa restrição. Mas o auxílio foi amplamente divulgado e recebeu novos inscritos ao longo do ano [passado]. Não tenho o dado, mas acredito que, se fosse liberado [novos inscritos], não iria aumentar significativamente. O governo também deve estar tentando chegar a um montante que consiga ser administrado com os recursos disponibilizados.
O universo de beneficiados também será menor que no passado. São 45,6 milhões de pessoas. No auge do auxílio emergencial, ele chegou a 68,2 milhões de pessoas. Essa redução do número de atendidos é adequada?
No ano passado, o auxílio terminou sendo muito abrangente e muitas fraudes aconteceram. Teve funcionário público recebendo, pessoas que trabalharam com carteira assinada que receberam, pessoas com renda tributável acima de R$ 28 mil [no ano] que receberam. Então há um pouco também de reorganização, para que tenha um direcionamento maior.
O país ficou três meses sem auxílio emergencial no início deste ano. O governo esperava que a volta da atividade econômica dispensasse a necessidade de manter o programa. Foi uma decisão certa ou errada?
Foi certo e errado. Certo pois o auxílio emergencial era algo temporário, que precisava ser retirado, porque o peso fiscal era muito grande. À medida que se reabriu a atividade econômica, as pessoas foram para as ruas. Isso permitiu que o comércio informal retomasse, e que os serviços fossem retomados de certa forma.
Mas foi errado ao não planejar o ritmo de retomada. Teve flexibilização maior e não teve vacinação precoce, que deveria ter começado em janeiro em ritmo forte. Aí há erro, porque sem vacinação e com isolamento, tem que ter auxílio. Abriu-se a economia, mas não se providenciou uma vacinação em larga escala. E o governo e o Legislativo não se organizaram para retomar rapidamente o auxílio, sabendo que o número de casos estava subindo drasticamente.
Sem vacinação e com isolamento social, ou sem vacinação e sem isolamento social mas com o número de casos muito elevado, precisa ter auxílio emergencial para compensar a queda de renda das pessoas. Com vacinação, a necessidade de um auxílio emergencial é retirada, e aí precisamos pensar em um programa de renda mínima.
A vacinação ainda está devagar no Brasil devido à falta de doses. Mais quatro parcelas mensais serão suficientes?
A própria medida [provisória] que foi apresentada [e regulamenta o auxílio] fala na possibilidade de uma renovação. Abril, maio, junho e julho, são quatro parcelas. A programação da vacinação é ter um pico em abril e maio também ser forte, e novas negociações podem manter esse ritmo nos meses subsequentes. Se tiver um grande percentual da população vacinada e reabrir a economia, não precisa de renovação. Agora, se o alto número de casos e mortes por dia e a necessidade de isolamento social permanecerem, o auxílio vai precisar, sim, ser renovado mais à frente.
O governo teria que declarar calamidade pública para obter recursos para uma prorrogação?
Não acho necessário. O governo federal e o Congresso podem chegar a alguma medida extraordinária, já que a própria medida provisória permite uma renovação. Eles teriam que fazer uma readequação de orçamento. Existe uma folga interessante, quando você inclui o pessoal do Bolsa Família [no auxílio], há uma substituição para que você possa usar o recurso que for maior, e aí sobra orçamento [do Bolsa Família], que pode ser utilizado mais à frente.
Uma vez extinto o auxílio, o sr. mencionou a criação de um novo programa de renda mínima, algo que economistas vêm discutindo muito desde o início da pandemia. Qual seria o melhor modelo, reformular a Bolsa Família e colocar no lugar um programa de transferência mais robusto?
Acredito muito no formato de transferência direta, usado no auxílio emergencial. As famílias são as mais capacitadas para decidir com o que vão gastar. Quando você coloca intermediários na história, o setor público contratando o setor privado, isso pode trazer desvios na política e com corrupção.
Poderíamos tirar rapidamente as pessoas que ainda estão abaixo da linha de extrema pobreza [famílias com renda mensal per capita menor que R$ 155]. Segundo o IBGE, são 13,5 milhões de pessoas nessa situação. Programas de transferência direta funcionariam muito bem nesse sentido. Mas as reformas que mencionei seriam extremamente necessárias, para que possa diminuir o tamanho do Estado e liberar recursos via orçamento para praticar essa política de forma permanente.