Resposta de Bolsonaro a pandemia polariza sociedade
31 de março de 2020Foi uma cena recorrente em todo o Brasil no fim de semana: carros cobertos com a bandeira nacional atravessando as ruas de grandes cidades, motoristas buzinando para denunciar o fechamento do comércio em meio à nova pandemia de coronavírus e, do outro lado, pessoas isoladas em suas casas saindo às janelas para bater em panelas e frigideiras nos chamados panelaços.
Alimentando essa divisão, estava o presidente Jair Bolsonaro, cuja minimização extrema do coronavírus colidiu com as medidas de isolamento propostas por seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e muitos governadores.
"Bolsonaro é bem-sucedido num contexto de isolamento político porque é contra o establishment", afirma Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "Agora ele está direcionando a retórica antissistema contra governadores e especialistas em saúde."
A maioria dos governadores seguiu a tendência global de fechar atividades comerciais não essenciais e aclamar o isolamento social para retardar a disseminação do coronavírus. Mas Bolsonaro instou os brasileiros que não estão em grupos de risco a voltarem às ruas ‒ e a salvarem sua economia em dificuldades.
Até a manhã desta terça-feira (31/03), o Brasil havia confirmado mais de 4.579 casos de covid-19 e 159 mortes, segundo o Ministério da Saúde. Mas enquanto a doença avança no país, Bolsonaro manifesta sua falta de preocupação com a pandemia quase diariamente.
"Todos nós vamos morrer um dia", disse Bolsonaro após passeio pelo comércio da região de Brasília no domingo. Pouco depois, ele publicou dois vídeos sobre a visita que fez a vários pontos do Distrito Federal, defendendo o fim do isolamento social e o uso de cloroquina para o tratamento de covid-19. O Twitter removeu os vídeos por violarem as regras da plataforma.
Na semana passada, Bolsonaro iniciou uma campanha publicitária contra o isolamento social com o slogan "O Brasil não pode parar". Uma juíza federal do Rio de Janeiro logo proibiu a divulgação da campanha na mídia.
Em pronunciamento em rede nacional na semana passada, ele afirmou que seu "histórico de atleta" evitaria que ele sentisse mais que uma "gripezinha" se contraísse o novo coronavírus.
Apoiadores se voltam contra Bolsonaro
A abordagem radical de Bolsonaro em relação à pandemia o isolou. Alguns governadores que alcançaram fama endossando suas políticas de extrema direita se voltam agora contra ele.
Metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro vêm registrando protestos diários há duas semanas. Pode-se ouvir o estridente barulho dos panelaços até em bairros de classe alta, que votaram em peso em Bolsonaro em 2018.
Alexandro Fernandes Moraes, um tatuador de São Paulo, também bateu em panelas e frigideiras em sua casa, onde ele está isolado com a esposa e a filha. Nas últimas eleições, ele apoiou Bolsonaro principalmente para votar contra o PT. Segundo Moraes, ele ficou cada vez mais decepcionado com o presidente, mas a maneira como lidou com a crise do coronavírus foi a "gota d'água".
"Estou preocupado porque minha filha e eu fazemos parte do grupo de risco. Temos asma", diz Moraes. "Precisamos de alguém para controlar essa crise, mas ele só joga mais lenha na fogueira combatendo a imprensa."
Para Ana Luisa, uma dona de casa do estado do Rio de Janeiro, Bolsonaro representava uma nova esperança de mudar o Brasil. "Quando vi a forma como ele falou sobre o coronavírus, eu pus a mão na minha consciência e disse: 'Nossa, que besteira que eu fiz em colocar esse homem na Presidência'", conta a dona de casa.
Estímulo a núcleo duro de apoio
Embora Bolsonaro tenha perdido o apoio de muitos seguidores moderados, ele ainda conta com uma base leal para aplaudir sua resposta à pandemia. Além de organizar carreatas por todo o país pedindo o fim das medidas de isolamento, seus apoiadores também alavancaram a hashtag #BolsonaroTemRazao na semana passada.
Ana Beatriz Nogueira, coordenadora de TI de São Paulo, acredita que a decisão do governador do estado, João Doria, de fechar o comércio é muito drástica. "O Brasil ainda está se recuperando de uma crise econômica. As pessoas já estavam passando necessidade antes. E agora, com o coronavírus, o negócio vai piorar", afirma Nogueira.
O Senado aprovou na segunda-feira projeto que prevê 600 reais mensais a trabalhadores informais. O pagamento do auxílio será limitado a duas pessoas da mesma família. Para muitos brasileiros, isso não é suficiente.
Marcos Pereira, morador do Rio de Janeiro, diz que confia apenas no "capitão", como Bolsonaro é conhecido devido à sua carreira militar, para guiá-lo na crise. "Se a gente não ouvir [Bolsonaro], vai ter mais falidos do que falecidos", diz Pereira, que administra uma banca de jornal.
Bolsonaro pode se beneficiar da polarização
Uma das principais razões pelas quais Bolsonaro se posiciona com tanto fervor contra medidas de isolamento e a favor da reabertura do comércio pode ser para garantir sua reeleição em 2022.
"Acima de tudo, as eleições são sobre a economia. E ele deve assegurar que os eleitores não o considerem responsável pela crise econômica", disse Stuenkel.
É uma estratégia arriscada, aponta o professor da FGV, porque grande parte da população vai responsabilizar Bolsonaro por mortes relacionadas ao coronavírus.
Mas, segundo Stuenkel, usar a crise de saúde pública para ampliar as divisões no Brasil também pode fortalecer seu apoio por parte de sua base principal.
"É realmente importante para ele manter as pessoas mobilizadas o tempo todo. E o que estimula essas pessoas é um senso de injustiça e a sensação de estar sob ataque", disse Stuenkel. "Ele precisa de polarização."
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