Justiça suspende campanha "O Brasil não pode parar"
28 de março de 2020A Justiça Federal do Rio de Janeiro mandou suspender neste sábado (28/03) a campanha "O Brasil não pode parar", lançada pelo governo de Jair Bolsonaro nesta semana para pregar o fim de medidas de isolamento social e incentivar a reabertura do comércio, apesar da pandemia de coronavírus.
A decisão, que atendeu a um pedido do Ministério Público Federal, proíbe a divulgação da campanha por rádio, TV, jornais, revistas e sites.
A juíza plantonista Laura Bastos Carvalho ainda determinou que o governo se abstenha de veicular qualquer outra campanha que sugira à população "comportamentos que não estejam estritamente embasados em diretrizes técnicas, emitidas pelo Ministério da Saúde, com fundamento em documentos públicos, de entidades científicas de notório conhecimento no campo da epidemiologia e da saúde pública".
A Justiça Federal ainda estipulou que o descumprimento da ordem pode render multa de R$ 100 mil por infração.
No pedido para suspender a campanha, o MPF argumentou que a campanha incentivava a população a retomar normalmente suas atividades sem qualquer embasamento de estudos que apontassem que essa seria uma medida adequada neste momento.
A campanha "O Brasil não pode parar" foi lançada na quinta-feira pelo governo. Num primeiro momento, redes sociais da Secretaria de Comunicação do governo e da família Bolsonaro distribuíram um vídeo preliminar e montagens com o slogan, incentivando a população a "voltar ao trabalho". A campanha previa contratar uma agência por R$ 4,8 milhões, sem licitação.
A campanha segue o espírito de uma série de declarações recentes do presidente, contrário a medidas tomadas por vários estados para forçar o isolamento social como forma de combater a pandemia. Bolsonaro vem defendendo uma forma de isolamento parcial, com quarentena apenas para idosos e pessoas com doenças crônicas.
Bolsonaro também vem usando essas ideias para bater de frente com vários governadores que adotaram medidas mais amplas de isolamento. Alguns são potenciais rivais do presidente nas eleições de 2022.
A campanha também contraria recomendações de médicos e da Organização Mundial da Saúde (OMS) e vai na contramão das medidas que vêm sendo adotadas por governos de outros países. As ideias do presidente batem de frente até mesmo com as recomendações do seu Ministério da Saúde.
Só que na visão de Bolsonaro, as medidas que vêm sendo adotadas mundo afora têm potencial de prejudicar a economia, que já vinha registrando crescimento pífio antes mesmo da pandemia.
Ao mesmo tempo, segundo o jornal Folha de S. Paulo, o governo admite que vem promovendo o isolamento sem qualquer embasamento técnico. Sobre potenciais mortes, Bolsonaro adotou uma postura fria. "Alguns vão morrer, vão morrer, lamento, é a vida. O Brasil tem que voltar à normalidade. Não pode parar uma fábrica de automóveis porque tem mortes no trânsito", disse na sexta-feira.
Essa foi a segunda derrota imposta ao governo pela Justiça Federal em 24 horas. Na noite de sexta-feira, um juiz já havia determinado a suspensão de trechos de dois decretos de Bolsonaro que classificavam igrejas e lotéricas como serviços "essenciais", permitindo sua reabertura mesmo com proibições impostas por prefeitos e governadores. A reabertura de igrejas era defendida por pastores que controlam megatemplos e que apoiam o presidente, como Silas Malafaia e Edir Macedo.
Neste sábado, diante da reação negativa, o governo apagou publicações com o slogan de contas oficiais. A Secom, por sua vez, divulgou um comunicado repleto de Informações infudadas afirmando que a “campanha não existe”. "Não há qualquer veiculação em qualquer canal oficial do Governo Federal a respeito de vídeos ou outras peças sobre a suposta campanha”, disse a nota do órgão, ignorando o fato que as imagens ficaram disponíveis por três dias nas redes do governo antes de serem deletadas.
O vídeo difundido por militantes e pela família Bolsonaro também usava a mesma linguagem visual e slogans das imagens difundidas pelo governo, além de conter símbolos da administração federal.
Na sexta-feira, a Secom também admitiu a existência do vídeo, afirmando que se tratava de um projeto "experimental", mas que ele ainda não havia passado pelo crivo do governo. Não ficou claro como ele foi distribuído para a militância.
Original italiano
A campanha lançada pelo governo também era similar a uma iniciativa italiana que foi difundida pouco antes de o país europeu registrar um crescimento explosivo no número de mortes por coronavírus.
Em 27 de fevereiro, o prefeito de Milão, Giuseppe "Beppe" Sala, compartilhou um vídeo da campanha "Milão não para" (Milano non si ferma, no original) nas redes sociais. À época, a Itália toda só contava 17 mortes provocadas pelo coronavírus e 147 infectados, e muitos líderes políticos e empresários vinham criticando medidas drásticas para forçar o isolamento social que foram impostas em um primeiro momento.
O vídeo havia sido criado por uma associação de bares e restaurantes da cidade, e mostrava pessoas em situações descontraídas em restaurantes, passeando em parques e esperando em estações de trem. As últimas mensagems diziam "A Itália não para" e "Nós não vamos parar". Dois dias depois, o prefeito Sala também divulgou no Instagram uma foto na qual aparecia usando uma camiseta com o slogan "Milão não para". O vídeo foi difundido em fevereiro pelo ultradireitista Matteo Salvini, ex-vice-premiê da Itália.
Um mês depois de o vídeo ter ido ao ar, apenas a região da Lombardia, onde fica Milão, acumula 5.402 mortes por coronavírus. A região metropolitana de Milão sozinha conta 7.469 casos oficiais de infecção. Já a Itália toda acumula 9.134 mortes e tem ainda 86.500 casos de infecção, segundo números desta sexta-feira. Ao final, a Itália acumulou tanto as milhares de mortes como se viu obrigada a adotar medidas drásticas de isolamento.
Diante da evolução trágica da situação, o prefeito milanês Beppe Sala pediu desculpas nesta semana por ter endossado a campanha "Milão não para".
"Muitos se referem àquele vídeo que circulava com o título 'Milão não Para'. Era 27 de fevereiro, o vídeo estava explodindo nas redes, e todos o divulgaram, inclusive eu. Certo ou errado? Provavelmente errado", afirmou à TV RAI.
"Ninguém ainda havia entendido a virulência do vírus, e aquele era o espírito. Trabalho sete dias por semana para fazer minha parte, e aceito as críticas", completou.
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