Rapper Emicida traz a poesia das ruas paulistanas para Berlim
13 de julho de 2012O nome Emicida vem das batalhas de rap de improviso. Nesses ringues do repente moderno, Leandro Roque de Oliveira era rei e "matava" todos os seus adversários. Dai surgiu o nome Emicida, junção de MC (mestre de cerimônia) e homicida. Mais tarde, ele criou uma conotação para a sigla E.M.I.C.I.D.A (enquanto minha imaginação compor insanidades domino a arte).
Uma arte que ele domina com maestria, não só nos palcos, mas também utilizando os meios de comunicação e sobretudo a internet, principal veículo de distribuição de sua música. O dom da palavra e o talento para se comunicar levaram o rapper à televisão, como apresentador na MTV e na Rede Cultura.
Com letras afiadas e sem medo de experimentar nas batidas, a música de Emicida é muito mais que uma revolta contra as diferenças sociais do país. Sua percepção da realidade e a utilização da cultura pop em sua poesia inteligente e direta são retratos da vida urbana no Brasil de hoje.
Em conversa com a DW Brasil, o rapper falou sobre tocar fora do Brasil, a cena rap no país, a política, a escravidão e o futuro.
DW Brasil: Esta é sua primeira vez na Europa? Como está sendo a experiência?
Emicida:Tem sido ótima. Nunca tinha ido tão longe de casa. O mais legal é cativar o público como no começo da minha carreira. É um grande exercício. O público é quase sempre bem aberto. Em Londres toquei num clube pequeno, adoro ter o contato mais visceral com o público. No Festival de Montreux, o Quincy Jones estava vendo o show do palco, eu até errei a rima.
Sua carreira começou com improviso?
Talvez essa seja minha "parada" mais forte. Eu vejo o improviso como uma possibilidade de estudo. A parceria com outros músicos me abre possibilidades que eu nunca descarto, me dá muitas novas ideias e outra perspectiva do meu trabalho. Busco ingredientes diferentes para não me tornar redundante, principalmente nas composições.
O que você ouvia na infância?
Meu pai era DJ de black music e samba rock. Em casa, minha mãe "mandava" no rádio, ouvia samba, MPB, rock. Meu padrasto ouvia sertanejo e roda de viola. Cresci escutando o gosto do outros.
Como você começou no hip hop?
O hip hop estava sempre presente. Eu fui grafiteiro, era fã dos DJs, dançava break. Todo mundo fazia tudo. Hoje é mais dividido. Comecei a improvisar na frente das pessoas, nas ruas, em festas.
Assim você começou a participar das batalhas?
Em São Paulo, não havia cultura de batalha, na época era uma coisa que rolava mais no Rio. O hip hop lá gira muito em torno de batalhas. São Paulo tinha mais o lance de rimar junto e não contra.
Como é a cena pelo Brasil?
Hoje, mais do que nunca, ela tem uma unidade e união que me deixam muito feliz. Há dez anos, você não via artistas circulando e impulsionando o trabalho dos outros. O mais legal é que cada lugar tem sua própria característica, pelo fato de o Brasil ser tão grande e culturalmente diverso.
Há relação com a facilidade de divulgação e distribuição da internet?
Com certeza. A democracia no Brasil é muito mentirosa. Os meios de comunicação não fazem justiça à diversidade brasileira e a internet tem sido a vitrine para o nosso trabalho. O Brasil tem se descoberto através da internet.
Como foi a reação por você estar na televisão?
Se você está seguro do que quer, pode pisar em qualquer lugar. Como artista de rap, acho muito importante essa circulação entre o underground e o mainstream. No Brasil, as pessoas são radicais com tudo, menos com política. Se você acredita que pode mudar o mundo com música, tem que comunicar com o mundo e não só com seus amigos.
Você lê bastante?
No Brasil, o livro é colocado como uma coisa chata na realidade dos jovens. Comecei com quadrinhos e um dia me peguei lendo Machado de Assis. Hoje sou fã de Mario Quintana, Fernando Pessoa, Pablo Neruda. Tenho interesse também por assuntos relacionados à escravidão. É uma história triste, mas que definiu muitas características da nossa cultura.
Você vê mudanças no Brasil?
É maravilhoso ver uma artista fora dos padrões como a paraense Gaby Amarantos tomando a proporção que ela tomou. No entanto, a elite do Brasil tem se mostrado cada vez mais ridícula. O lance não é ser nobre tendo atos nobres, as pessoas parecem só querer combater pobre.
Isso é muito forte em São Paulo?
A maioria dos paulistanos tem baixa autoestima em relação ao bairro de onde veio. O Kassab [prefeito de São Paulo] é o representante dessa elite caçadora de pobre. O governo predominante do PSDB em São Paulo me dá medo.
Você sente uma evolução musical no seu trabalho?
Eu fui me redefinindo dentro da minha poesia a acabei indo estudar teoria musical, canto e piano. Uma coisa não evolui sem a outra. Adoro estar em outro país e ouvir o idioma. A cadência diferente e o ritmo me ensinam muito por que eu faço música falada.
Existem contradições e preconceitos dentro da própria cena do rap?
Foi noticiado esta semana que o Frank Ocean [rapper americano] se assumiu gay. Se não houvesse preconceito, isso nem seria falado. Temos que combater diversos preconceitos. Muitas pessoas se escondem atrás de bandeiras de sofrimento, fazem sucesso e cantam como se tivessem a panela vazia.
Sou sempre sincero dentro da minha música. É importante mostrar ao mundo de onde viemos e a possibilidade de vitória, independente do que você faz. O maior problema de quem tem uma causa parecida com a minha é que eles lutam para as pessoas serem iguais a eles, e não elas mesmas. Tento entender as coisas e as pessoas sem criar estereótipos.
Como você reagiu à sua prisão em Belo Horizonte?
Foi um equívoco bizarro. Eles alegaram que incitei a violência, mas estava no direito da minha expressão artística. Foi positivo para mostrar que vivemos numa liberdade de aparências. O que mais me deixa triste é que ninguém falou das famílias da [comunidade] Eliana Silva em Belo Horizonte, que foram retiradas de suas casas de maneira violenta. Falei para o público do show levantar o dedo para a polícia que é violenta com famílias humildes e não faz nada contra os ricos.
O que os berlinenses podem esperar do show do Emicida?
Vou ousar e tentar falar alemão, mas não garanto. A energia dita meus shows, por isso eles funcionam bem no exterior. Entregamos tudo para a emoção e aqui não vai ser diferente.
O show do Emicida acontece neste sábado (14/07) no clube Cassiopeia em Berlim.
Autor: Marco Sanchez
Revisão: Carlos Albuquerque