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CriminalidadeBrasil

Quem era a líder quilombola assassinada na Bahia

18 de agosto de 2023

Ialorixá Bernadete Pacífico, que estava sob proteção policial, denunciou ameaças de madeireiros na comunidade de Pitanga dos Palmares. Familiares criticam autoridades e pedem justiça. PF vai apurar o caso.

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Imagem de Bernadete Pacifico durante entrevista a um canal de televisão
Mãe Bernadete era líder de comunidade que abriga em torno de 290 famíliasFoto: Youtube/TV Kirimurê Canal da Cidadania

A líder quilombola Maria Bernadete Pacífico, de 72 anos, foi morta a tiros na noite desta quinta-feira (17/08), na região metropolitana de Salvador. A Secretaria de Segurança Pública da Bahia informou que a ialorixá foi morta por dois homens, usando capacetes, que entraram no imóvel da associação quilombola onde ela estava e abriram fogo. 

Mãe Bernadete, como era conhecida, era coordenadora da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq).

Ela vivia no quilombo Pitanga de Palmares, uma comunidade que abriga em torno de 290 famílias em uma área de 854 hectares, com uma associação que inclui cerca de 120 agricultores. O quilombo foi certificado em 2004, mas o processo de titulação ainda não foi concluído.

Bernadete atuava como líder religiosa da comunidade. O local onde ela foi assassinada fica ao lado do terreiro de candomblé que coordenava no município de Simões Filho, na região metropolitana de Salvador. No momento do crime ela estava acompanhada de três netos.

Filho assassinado em 2017

Bernadete travava uma luta por justiça pela morte do filho, Flávio Gabriel dos Santos, conhecido como Binho do Quilombo, assassinado em 2017 por homens armados dentro da comunidade.

A líder, segundo a Conaq, "atuava na linha de frente para solucionar o caso do assassinato do seu filho Binho e bravamente enfrentou todas adversidades que uma mãe preta pode enfrentar na busca por justiça e na defesa da memória e da dignidade de seu filho."

Ela foi secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Simões Filho durante o mandato do prefeito Eduardo Alencar (PSD), entre 2009 e 2016. Em 2017, recebeu da Câmara de Vereadores da cidade o título de Cidadã Simõesfilhense. A líder era conhecida por atuar na defesa da cultura popular quilombola.

Em julho, ela participou, junto de outras lideranças quilombolas da Bahia, de um encontro com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, na comunidade Quingoma, em Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador. Na ocasião ela denunciou à ministra as ameaças contra sua comunidade.

Em nota, a Conaq lembrou o trabalho de Bernadete e lamentou a morte da líder. "Sua dedicação incansável à preservação da cultura, da espiritualidade e da história de seu povo será sempre lembrada por nós", diz o texto. "Sua ausência será profundamente sentida. Seu espírito inspirador, sua história de vida, suas palavras de guia continuarão a orientar-nos e às gerações futuras".

Ameaças de madeireiros

Bernadete era ameaçada por denunciar a ação de grupos de madeireiros que praticavam extração ilegal na região do Pitanga dos Palmares, considerada uma Área de Proteção Ambiental (APA).

O filho de Bernadete Pacífico, Jurandir Wellington Pacífico, disse que a sua mãe recebia ameaças há pelo menos seis anos e afirmou que ela foi vítima de uma execução.

"Foi um crime de mando, não tem para onde correr. O cara foi pago para executar. Isso é notório, foi um crime de execução. Executaram meu irmão em 2017, agora executaram minha mãe. Isso me faz pensar que eu sou o próximo", afirmou Jurandir ao jornal Folha de S. Paulo.

Jurandir afirma que a área da comunidade Pitanga de Palmares era alvo de especulação imobiliária e tentativas de grilagem de terra. Segundo disse, o assassinato de sua mãe pode ter ocorrido em consequência de disputas políticas.

Proteção da polícia questionada

Bernadete estava sob proteção da Polícia Militar (PM) baiana há cerca de dois anos, após uma decisão da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Bahia (SJDH).

David Mendez, advogado da família da líder, criticou a ação da PM que, segundo afirmou, fazia uma "ronda simbólica" no local onde ela morava.

"Ela entrou no programa há dois anos. Bernadete recebia ameaças de várias frentes, que foram intensificadas quando madeireiros ilegais passaram a ameaçá-la. Ela sempre deixou claro os riscos que corria e ficou sob o programa a pedido dela mesma", afirmou Mendez, citado pelo portal de notícias G1.

"A proteção do estado era só uma ronda simbólica. Uma viatura da PM ia lá uma vez por dia, geralmente no final da tarde, falava com ela e ia embora. Que segurança é essa?", questionou.

Mendez conta que, dias antes de morrer, Bernadete alertara que as ameaças feitas pelos madeireiros haviam se intensificado.

PF vai investigar o caso

Segundo o advogado, Bernadete teria informado a ministra Rosa Weber sobre a situação da segurança no encontra com a ministra em julho. As ameaças também foram comunicadas ao governo da Bahia através da SJDH.

"Recentemente ela relatou para a gente, em três ocasiões, que pessoas passavam pela casa dela à noite dando tiro para cima, como se fosse uma espécie de recado, de aviso. Fora as comunicações de boca-a-boca. Então não era novidade para ninguém", disse Mendez.

"O pessoal da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do governo do estado sempre esteve ciente do risco que dona Bernadete corria." Até o momento, a SJDH não se pronunciou sobre o caso.

A Polícia Federal (PF) informou que investigará o assassinato da líder quilombola, mas ressaltou que o inquérito será mantido em sigilo. Uma força-tarefa da Polícia Civil da Bahia também vai apurar o assassinato.

Rosa Weber pede ação das autoridades

Em nota, a ministra Rosa Weber lembrou o encontro com Bernadete há cerca de um mês e pediu providências por parte da polícia.

"Lamento profundamente a morte de Maria Bernadete Pacífico, do Quilombo Pitanga dos Palmares, com quem me encontrei há menos de um mês juntamente com outras lideranças no Quilombo Quingoma, na Bahia", escreveu.

"Mãe Bernardete, que me falou pessoalmente sobre a violência a que os quilombolas estão expostos e revelou a dor de perder seu filho com 14 tiros dentro da comunidade, foi morta em circunstâncias ainda inexplicadas."

"As autoridades locais devem adotar providências para o urgente esclarecimento e reparação do acontecido, a fim de que sejam responsabilizados aqueles que patrocinaram o covarde enredo e imediatamente protegidos os familiares de Mãe Bernardete e outras lideranças locais", concluiu.

rc (ots)