Qual a importância estratégica de Rafah para Israel?
7 de maio de 2024A iminente ação militar israelense em Rafah, cidade no extremo sul da Faixa de Gaza que abriga milhares de refugiados de outras partes do território palestino, aumentou as preocupações internacionais com a população civil na região, que já se encontra em uma situação humanitária considerada catastrófica.
Mas, afinal, o que justificaria uma ofensiva de grande porte numa área densamente povoada que acolhe centenas de milhares de pessoas que fugiram de bombardeios e ataques nas regiões onde viviam?
Israel calcula que quatro brigadas do grupo terrorista Hamas, remanescentes das 24 que havia anteriormente, estejam escondidas em Rafah, e eliminá-las seria um passo decisivo para destruir a organização.
A capacidade de Hamas de resistir diminuiu drasticamente durante os mais de sete meses de guerra contra Israel, embora o grupo islamista ainda não tenha sido derrotado militarmente. Mesmo com a queda acentuada nos ataques contra o território israelense, a organização ainda possui uma grande quantidade de foguetes e drones.
Segundo Michael Milshtein, ex-membro da inteligência militar israelense e atual pesquisador do Centro Moshe Dayan na Universidade de Tel Aviv, Israel teria destruído entre 70% e 80% do arsenal do Hamas até o mês de abril.
Início dos bombardeios
A ofensiva israelense em Rafah vinha sendo discutida desde o início de fevereiro, em meio a alerta de países aliados, incluindo os Estados Unidos, para que Tel Aviv evitasse realizar uma operação militar numa região densamente povoada.
Na manhã desta segunda-feira (06/05), cerca de 100 mil moradores de áreas ao leste de Rafah receberam mensagens e folhetos distribuídos pelas Forças de Defesa de Israel (FDI) pedindo que se dirigissem a uma "zona humanitária ampliada" em Al-Mawasi.
Os folhetos afirmam que os militares israelenses estavam prestes a iniciar uma forte operação contra organizações terroristas na região. "Qualquer pessoa que permanecer nos locais colocará em risco a si mesmo e aos membros de sua família. Para sua segurança, retire-se imediatamente para a zona humanitária ampliada em Al-Mawasi", afirmam os panfletos.
Al-Mawasi é uma área próxima ao litoral de Gaza a cerca de 20 quilômetros ao norte de Rafah. A zona humanitária expandida, segundo Israel, consiste em hospitais de campo, barracões e locais de alimentação.
O gabinete de guerra do governo israelense comunicou nesta segunda-feira que suas forças realizam "ataques a alvos específicos" em Rafah.
Segundo reportagem publicada pelo The Wall Street Journal, Israel planeja realizar a ofensiva por terra em etapas, sendo que a evacuação levaria entre duas e três semanas. Recentemente, o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, estimou que a operação levaria aproximadamente seis semanas de "combates contínuos".
Qual a situação da população?
Estimativas da ONU afirmam que mais de 80% dos moradores da Faixa de Gaza foi deslocada de seus locais de origem. Dos quase 2,3 milhões de habitantes do enclave, mais de 1,4 milhão encontraram refúgio em Rafah, após o Exército israelense tomar o controle do norte de Gaza. Por esse motivo, Rafah é, no momento atual, a cidade mais populosa do território.
Os campos de refugiados no entorno da cidade estão superlotados, em meio a uma escassez de alimentos, água potável e medicamentos. No sul de Gaza, quase um quarto da população está em situação alimentar catastrófica.
O Fundo das Nações Unidas para as Crianças (Unicef) alertou para graves consequências em um artigo publicado recentemente no jornal britânico The Guardian. "Rafah vai implodir", alertou um porta-voz da entidade, ao comentar sobre uma possível ofensiva israelense contra a cidade.
"As consequências serão catastróficas, porque Rafah é uma cidade repleta de crianças", alertou. Em torno de 600 mil meninas e meninos estão abrigados ali, sem ter para onde fugir.
Ajuda humanitária ameaçada
Não está claro de que forma a população de Rafah, que já sofre uma brutal escassez de recursos, poderá continuar a receber ajuda, no caso de uma ofensiva israelense.
Enquanto os aliados alertam para uma provável catástrofe na cidade, um porta-voz militar israelense afirmou que o acesso da ajuda humanitária continuará sem maiores percalços. Ele diz que os mantimentos poderiam ser entregues através de várias rotas, como o porto israelense de Ashdod, localizado 30 quilômetros ao norte de Gaza.
Um posto de travessia de fronteira entre Gaza e Israel foi temporariamente fechado para o transporte de ajuda após um ataque do Hamas no último domingo. Os islamistas lançaram foguetes contra o local, matando quatro soldados israelenses.
Os EUA trabalham na construção de um porto temporário que já estaria quase completo. O local, vigiado por em torno de mil soldados americanos, terá uma pista de pouso que deverá possibilitar o acesso para o transporte aéreo de ajuda humanitária.
Possíveis desdobramentos
O Hamas alertou para "graves consequências" no caso de uma ação militar israelense em Rafah. Israel diz que os islamistas já prepararam seus combatentes, fornecendo-lhes armas e mantimentos. Enquanto isso, Washington ainda espera uma solução pacífica para a situação. Segundo relatos na imprensa americana, William Burns, diretor da CIA, estaria trabalhando por um acordo.
Há meses, os Estados Unidos vem criticando os planos israelense de invadir a cidade. O Ministério do Exterior da Alemanha também alertou para uma "catástrofe humanitária" na região.
O vizinho Egito teme que um grande número de refugiados possa se deslocar até a região do Sinai, em seu território.
Brasil condena ofensiva
O Ministério brasileiro das Relações Exteriores divulgou uma nota nesta segunda-feira afirmando que o governo brasileiro condena o início das operações militares de Israel em Rafah.
"Ao optar, com essa ação militar, por deliberadamente intensificar o conflito em área sabidamente de alta concentração da população civil de Gaza neste momento, o governo israelense, mostra, novamente, descaso pela observância aos princípios básicos dos direitos humanos e do direito humanitário, a despeito dos apelos da comunidade internacional, inclusive de seus aliados mais próximos", diz a nota no Itamaraty.