Quais são as propostas de governo de Lula
3 de outubro de 2022O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT ao Planalto, lançou as diretrizes do seu programa de governo em 21 de junho, em um evento em São Paulo.
Na ocasião, ele afirmou que o documento continha somente propostas que seriam possíveis de serem executadas, e que seu objetivo era que o Brasil voltasse a ser "soberano".
"Um país será soberano quando o seu povo for respeitado, tiver emprego, tiver educação, tiver salário, comer, tiver saúde, tiver conquistado uma cidadania digna que todo ser humano tem direito, que está na nossa Constituição, na Declaração Universal de Direitos Humanos e que está na Bíblia", afirmou.
O texto foi coordenado por Aloizio Mercadante, que foi ministro da Ciência, da Educação e da Casa Civil nos governos Lula e Dilma Rousseff e hoje preside a Fundação Perseu Abramo, vinculada ao PT, em conjunto com os partidos da coligação.
Quando foi lançado, o PT disse que o documento serviria de base para a elaboração do programa do governo, a ser apresentado mais adiante na campanha. Depois, contudo, o partido mudou de ideia e desistiu de lançar um programa de governo detalhado.
A legenda argumentou que as diretrizes já continham as linhas gerais de um eventual novo governo petista. Mas teria pesado nessa decisão também a perspectiva de evitar abrir novos flancos de desgaste com aliados durante a campanha.
O documento apresentado em junho tem 121 itens e 34 páginas. Estes são os pontos principais:
Revisão da reforma trabalhista
Um dos temas mencionados com frequência por Lula em seus discursos recentes é a reforma da legislação trabalhista realizada durante o governo Michel Temer, que favoreceu os acordos coletivos e criou novas modalidades de contratação, como por jornada parcial ou de trabalho intermitente.
Uma versão anterior das diretrizes vazada à imprensa falava em uma revogação completa da reforma trabalhista, o que foi considerado muito radical por alguns aliados do petista e de difícil implementação. O documento apresentado em junho propõe a revogação apenas de "marcos regressivos" da atual lei trabalhista, sem detalhar quais.
O texto também propõe a aprovação de novas regras trabalhistas que criem uma "extensa proteção social" para os trabalhadores autônomos, como os de aplicativos, hoje à margem do sistema de seguridade social.
Os contornos exatos não foram divulgados. O Ministério do Trabalho também estuda um novo modelo de contribuição previdenciária para os trabalhadores de aplicativos, que inclua uma contribuição por parte das empresas, sem que seja necessário submetê-los às regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Combate à fome
As diretrizes do programa de governo de Lula também afirmam ser necessário retomar a "centralidade e da urgência no enfrentamento da fome e da pobreza". O contexto é aumento da fome no Brasil, que hoje afeta mais de 33 milhões de pessoas, como resultado de alta da inflação, desemprego, queda de renda e enfraquecimento de políticas públicas.
O documento fala em estabelecer uma política nacional de abastecimento de alimentos, que abranja "a retomada dos estoques reguladores e a ampliação das políticas de financiamento e de apoio à produção de alimentos, aos pequenos agricultores e à agricultura orgânica". As diretrizes ressaltam, contudo, que o enfrentamento da fome dependerá de "mais empregos e mais renda para os mais pobres".
No tocante a programas de renda mínima, o documento indica que, se eleito, Lula retomará a marca do Bolsa Família – substituído por Bolsonaro pelo Auxílio Brasil – que será "renovado e ampliado (...) para garantir renda compatível com as atuais necessidades da população", sem mencionar valores ou regras específicas que seriam adotados.
Segurança pública
A reforma do sistema de segurança pública, que avançou pouco nos governos do PT, voltou ao programa de Lula, que promete modernizar instituições de segurança e carreiras policiais e adotar mecanismos de fiscalização e supervisão da atividade policial.
O documento fala em uma política coordenada e integrada nacionalmente para o combate a homicídios, ao crime organizado e às milícias, além de políticas públicas específicas "para as populações vulnerabilizadas pela criminalidade".
As diretrizes também fazem um aceno aos policiais, uma das bases eleitorais de Bolsonaro, ao prometer a "valorização do profissional de segurança pública, com programas de atenção biopsicossocial, e ações de promoção e garantia do respeito das suas identidades e diversidades".
Não há menção à descriminalização de drogas no documento, que no entanto defende "uma nova política sobre drogas, intersetorial e focada na redução de riscos, na prevenção, tratamento e assistência ao usuário", além de uma repressão ao tráfico baseada no "fortalecimento da investigação e da inteligência".
Petrobras e preço dos combustíveis
A estatal brasileira, que sofreu pressão do governo Jair Bolsonaro devido aos reajustes dos preços dos combustíveis e atravessou um período de instabilidade, também é objeto das diretrizes de Lula. Se eleito, o petista promete acabar com a atual política de preços adotada pela estatal, que considera o preço dos combustíveis praticado no mercado internacional.
"O país precisa de uma transição para uma nova política de preços dos combustíveis e do gás, que considere os custos nacionais e que seja adequada à ampliação dos investimentos em refino e distribuição e à redução da carestia" afirma o documento. "É preciso abrasileirar o preço dos combustíveis e ampliar a produção nacional de derivados, com expansão do parque de refino."
Durante as gestões Temer e Bolsonaro, o governo federal adotou uma linha pró-mercado e de redução do tamanho da Petrobras, que se desfez de diversos ativos, como a BR Distribuidora e refinarias, também com o intuito de tentar atrair investimentos privados e fomentar um mercado competitivo no setor.
O documento se opõe à privatização da estatal e diz que, em um eventual novo governo Lula, a Petrobras "voltará a ser uma empresa integrada de energia, investindo em exploração, produção, refino e distribuição, mas também atuando nos segmentos que se conectam à transição ecológica e energética".
Meio ambiente
Um eventual novo governo Lula, segundo as diretrizes apresentadas, estará comprometido com o desmatamento líquido zero no país, que considera na contabilidade a recomposição de áreas degradadas e o reflorestamento de biomas. O atual Código Florestal autoriza o desmatamento legal de um percentual das áreas particulares, variável de acordo com o bioma.
O texto também se compromete a "recuperar as capacidades estatais, o planejamento e a participação social fortalecendo o Sistema Nacional de Meio Ambiente e a Funai [Fundação Nacional do Índio]", cuja desmobilização durante o governo Bolsonaro ganhou manchetes internacionais com a morte do indigenista Bruno Pereira, que havia se licenciado da fundação devido a restrições ao seu trabalho, para seguir atuando como consultor independente. Ele foi assassinado junto com o jornalista britânico Dom Phillips. "Reafirmamos o nosso compromisso com as instituições federais, que foram desrespeitadas e sucateadas por práticas recorrentes de assédio moral e institucional", afirma o documento.
As diretrizes mencionam ainda a "proteção dos direitos e dos territórios dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais", e o combate à mineração ilegal e ao "crime ambiental promovido por milícias, grileiros, madeireiros".
O documento menciona também o impacto negativo das más notícias na área ambiental às exportações brasileiras, que resultam em boicotes de empresas importadoras e consumidores e foram uma das razões para a paralisação do acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul.
"Precisamos avançar rumo a uma agricultura e uma pecuária comprometidas com a sustentabilidade ambiental e social. Sem isso, perderemos espaço no mercado externo e não contribuiremos para superar a fome e o acesso a alimentos saudáveis dentro e fora das nossas fronteiras", afirma o texto.
O documento fala também em cumprir as metas de redução de emissão de gases do efeito estufa que o país assumiu na Conferência de Paris e "ir além".
Economia
Na economia, as diretrizes de Lula propõem a revogação do teto de gastos, que já foi parcialmente alterado durante o governo Bolsonaro pela PEC dos Precatórios. No lugar, o documento diz que será construído um "novo regime fiscal" que "possua flexibilidade e garanta a atuação anticíclica" – jargão que significa o governo gastar mais em épocas de recessão e economizar durante tempos de bonança.
O texto também promete uma reforma tributária com progressividade, "que simplifique tributos e em que os pobres paguem menos e os ricos paguem mais" – outro tema que não avançou nos governos Lula e Dilma e patinou no Congresso na gestão Temer e no governo Bolsonaro até o momento.
"Vamos fazer os muito ricos pagarem imposto de renda, utilizando os recursos arrecadados para investir de maneira inteligente em programas e projetos com alta capacidade de induzir o crescimento, promover a igualdade e gerar ganhos de produtividade", afirma o texto.
O documento promete ainda a retomada da política de valorização do salário mínimo, adotada nos governos do PT e que considerava no reajuste anual do salário mínimo a inflação mais a variação positiva do PIB (Produto Interno Bruto), "visando à recuperação do poder de compra de trabalhadores (...) e dos beneficiários e beneficiárias de políticas previdenciárias e assistenciais".
Política industrial
O documento também apresenta o rascunho de uma política industrial que seria adotada em um eventual novo governo do PT, que envolveria "recompor o papel indutor e coordenador do Estado e das empresas estatais".
O texto fala ser "imperativo elevar a taxa de investimentos públicos e privados e reduzir o custo do crédito" e "reverter o processo de desindustrialização e promover a reindustrialização de amplos e novos setores e daqueles associados à transição para a economia digital e verde".
As propostas envolvem também "agregar valor à produção agrícola, com a constituição de uma agroindústria de primeira linha" e estimular a atividade minerária "por meio de maiores encadeamentos industriais internos". O documento fala ainda em estimular a capacidade tecnológica nacional usando o "poder de compra governamental em complexos industriais estratégicos, como saúde, energia, alimentos e defesa" e o fortalecimento de bancos públicos.
A política industrial foi um dos flancos para críticas da oposição durante o segundo governo Lula e o governo Dilma, devido a escândalos de corrupção e de desperdício de recursos públicos envolvendo as chamadas empresas "campeãs nacionais", que recebiam incentivos fiscais e condições vantajosas de bancos estatais.
Combate à corrupção
O tema do combate à corrupção, outro calcanhar de Aquiles dos governos do PT após a eclosão da Operação Lava Jato, e que ajudou a criar as condições políticas para o impeachment de Dilma, recebeu uma breve menção nas diretrizes de Lula.
O texto cita iniciativas dos governos do PT para a estruturação de uma política de prevenção e combate à corrupção, como a criação da Controladoria-Geral da União e da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, além do fortalecimento da Polícia Federal, do Conselho de Controle de Atividades Financeiras e da Receita Federal.
E afirma: "O nosso governo vai assegurar, com base nos princípios do Estado Democrático de Direito, que os instrumentos de combate à corrupção sejam restabelecidos, respeitando o devido processo legal, de modo a impedir a violação dos direitos e garantias fundamentais e a manipulação política", em uma referência velada à atuação de Sergio Moro, que como juiz do caso condenou Lula à prisão, depois tornou-se ministro da Justiça de Bolsonaro e, mais tarde, teve a sua decisão contra o petista anulada pelo Supremo Tribunal Federal, que o considerou parcial para julgar o processo.
"Faremos com que o combate à corrupção se destine àquilo que deve ser: instrumento de controle das políticas públicas para que os serviços e recursos públicos cheguem aonde precisam chegar", diz o documento.
Outros temas
As diretrizes mencionam também o fortalecimento da educação pública e do Sistema Único de Saúde, a promoção de políticas públicas de promoção da igualdade racial, o combate ao racismo estrutural e o respeito à cidadania LGBTQIA+. Não há nenhuma menção à ampliação das hipóteses legais para a realização do aborto.
O texto se opõe à privatização da Eletrobras, concluída no início de junho, mas não detalha como reverter o processo, e também é contra a privatização dos Correios.
Há ainda a defesa de uma maior integração regional da América do Sul, da América Latina e do Caribe.
O documento faz apenas uma curta menção às Forças Armadas, que têm papel preponderante no governo Bolsonaro e vêm sendo usadas para lançar dúvidas sobre a lisura do processo eleitoral, afirmando que elas "atuarão na defesa do território nacional, do espaço aéreo e do mar territorial, cumprindo estritamente o que está definido pela Constituição".