Quadro do "Tesouro de Munique" leiloado em Londres
25 de junho de 2015Dois cavaleiros trotam à beira-mar, de botas, boné e jaqueta. Um dos cavalos passeia tranquilo, enquanto o outro saltita sobre as ondas que batem na areia. Essa é uma das muitas cenas praieiras que Max Liebermann (1847-1935) captou em pinceladas espessas, em suas telas a óleo.
A costa holandesa do Mar do Norte frequentemente atraiu os impressionistas, admirados com a luz, as pessoas e a paisagem da região. Liebermann foi cofundador da Secessão de Berlim e presidente da Academia Prussiana de Arte. Ele e sua família foram perseguidos pelos nazistas. No entanto, o artista não poderia imaginar as peripécias políticas, jurídicas e penais por que passariam seus Dois cavaleiros na praia.
A descoberta do "Tesouro de Munique", três anos atrás, foi uma tremenda sensação no mundo das artes plásticas. Entre as centenas de obras de arte amontoadas no apartamento do idoso colecionador Cornelius Gurlitt encontrava-se esse quadro de Liebermann, que o Estado da Baviera tomou sob custódia.
Analistas de proveniência, integrando uma força-tarefa federal, iniciaram investigações, e em 2014 concluíram "com grande probabilidade" tratar-se da assim chamada raubkunst, ou "arte saqueada" – obras confiscadas, extorquidas ou roubadas pelos nazistas, geralmente de proprietários judeus.
Assim, a pintura de Liebermann foi restituída aos herdeiros do dono original. E, pouco mais tarde, colocada no mercado de arte e arrematada por 2,6 milhões de euros na casa de leilões Sotheby's, de Londres.
Vítima da ganância
Já em 1954, nove anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, os Cavaleiros retratados em 1901 constavam da retrospectiva Liebermann no museu Kunsthalle de Bremen. Até 1960, eles ainda foram vistos em exposições em Berlim, Recklinghausen e Viena. "Na época, ninguém levantou a acusação de que se tratasse de raubkunst", comentou em tom crítico o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung.
Segundo o catálogo das obras de Liebermann, o primeiro proprietário de Dois cavaleiros na praia teria sido o judeu David Friedmann, fabricante de tijolos e colecionador de arte de Wrocław, na Polônia. A tela teria estado em sua posse pelo menos até 1928. Porém a partir de 1938 a família Friedmann sofreu a ameaça da perseguição pelo regime nazista, segundo consta do relatório de proveniência da força-tarefa federal.
Uma carta de 5 de dezembro de 1939 do conselheiro governamental de Wrocław, Dr. Ernst Westram, ao ministro de Economia do "Reich" nazista, Walther Funk, comprova o fato. Nela, Westram se informa sobre como se apoderar "legalmente" dos tesouros de arte de judeus abastados.
A avaliação oficial parece insuficiente ao conselheiro, em cuja opinião as obras de David Friedmann valeriam dez ou 15 vezes mais. Os nazistas proíbem o colecionador de vender seu acervo. Três anos depois, ele morre de causas naturais e o restante da família Friedmann perece no Holocausto.
Conrad Müller Hofstede, diretor do Museu de Belas Artes de Wrocław, arremata os Dois cavaleiros na praia num leilão por 1.600 marcos. Em 1942, revende a tela ao pai de Cornelius Gurlitt, Hildebrand, marchand do Terceiro Reich que muitos denominam "o negociante de arte de Adolf Hitler".
Após o término da guerra, o óleo de Liebermann é confiscado pelos americanos. Contudo já em 1950, diante da falta de documentação de proveniência, Hildebrand Gurlitt a recebe de volta, alegando possuir a obra desde 1933. Dessa mesma forma, centenas de peças acabam nas mãos de seu filho Cornelius. Quando este morre, em maio de 2014, o Museu de Arte de Berna, Suíça, herda seu tesouro artístico.
Destino desconhecido mais uma vez?
Quem entregou o quadro Dois cavaleiros na praia para ser leiloado em Londres foi o nova-iorquino David Toren. Lembranças suas acompanharam o advogado de 89 anos por toda a vida: o óleo ficava pendurado na casa de seu tio-avô, David Friedmann.
"A última vez em que vi a pintura foi no dia seguinte à 'Noite dos Cristais', em 10 de novembro de 1938", revelou Toren em entrevista à DW. "Meu pai foi preso pela Gestapo nas primeiras horas da manhã, assim como todos os homens judeus. Sabíamos que ele seria enviado para um campo de concentração."
Na época com 14 anos, Toren ficou sentado no quartinho onde estava o Liebermann. "Fiquei olhando o quadro por horas a fio, pois me mandaram esperar no quarto. Sempre gostei dele, porque adoro cavalos."
David Toren abriu ação contra o governo federal alemão e o Estado Livre da Baviera, exigindo a restituição da pintura de Liebermann. Ele rejeitou uma indenização: "Não aceito dinheiro dessa gente, quero o quadro de volta porque ele me pertence e faz parte da minha história", declarou à DW em 2014. "Não quero que pertença a mais ninguém."
Desde então, Toren mudou de opinião, até porque existe um grande número de outros descendentes de David Friedmann. "Tenho 90 anos e sou cego", citou-o a Sotheby's. Portanto, já não estava mais em condições de apreciar a obra, como nos anos de juventude.
O novo proprietário do quadro fez por telefone o lance vitorioso, de 2,6 milhões de euros. Quem ele é e onde pretende exibir sua nova aquisição permanece um segredo.