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Protagonismo do Brasil na agenda ambiental sob ameaça

9 de agosto de 2019

Em vez de combater o aumento dramático do desmatamento na Amazônia, governo Bolsonaro questiona dados e se volta contra o Inpe, reconhecido internacionalmente. Para especialistas, ataques minam a credibilidade do país.

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Desmatamento na Amazônia
Há 30 anos Inpe monitora desmatamento, sem que nenhum presidente jamais tivesse questionado os dadosFoto: Getty Images/AFP/R. Alves

O presidente Jair Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, lançaram nas últimas semanas uma série de ataques frontais ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O órgão foi rotulado de impatriótico e acusado de ser controlado por ONGs e pela imprensa sensacionalista para prejudicar a imagem do Brasil.

O motivo dos ataques foi o anúncio do Inpe de que o desmatamento no país aumentou 88% em junho e 278% em julho de 2019, em comparação com os mesmos meses do ano anterior. Bolsonaro, com base em sua intuição, diz que esses dados estariam incorretos.

O governo agora quer adquirir um novo sistema de monitoramento. Além disso, o presidente quer ser informado antecipadamente dos números, que não deverão mais ser publicados automaticamente, como era feito antes. Em meio a tudo isso, o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, foi exonerado na última sexta-feira.

Para Marcio Astrini, da ONG Greenpeace Brasil, duas más noticias surgem simultaneamente: "O desmatamento está aumentando, e o governo está querendo esconder os números", observa ele à DW.

Há 30 anos o Inpe monitora o desmatamento, sem que nenhum presidente jamais tivesse questionado os resultados. Ao contrário, eles alinhavam suas políticas aos dados do instituto.

"Esse governo resolveu fazer tudo ao contrário. Ele é um provocador do desmatamento, e quando viu os números desse aumento, quis esconder a verdade, quis calar o Inpe", diz Astrini.

"A minha impressão é que o governo ficou com raiva e, como se diz em inglês, killed the messenger of bad news ('matou o mensageiro das más notícias', em tradução livre)", afirma, por sua vez, o cientista do clima Carlos Nobre, que trabalhou no Inpe durante 32 anos. "Nenhum governo gosta de ouvir más notícias."

Nobre teme ainda que a hostilidade em relação à ciência possa se disseminar no Brasil, assim como acontece nos Estados Unidos sob a presidência de Donald Trump. Lá também o governo difunde a crença nas chamadas mentiras climáticas.

Essa preocupação também é compartilhada pelo professor Meinrat O. Andreae, ex-diretor do Instituto Max Planck de Química em Mainz, na Alemanha. Nos EUA, ele pôde observar como parcelas da população se tornaram céticas ou hostis em relação à teoria da evolução e às mudanças climáticas, e também se preocupa com a situação atual no Brasil.

Imagem de satélite mostra área desmatada no Mato Grosso
Imagens de satélite de 22/12/2018 e 11/02/2019 identificam supressão de 746,41 hectares de floresta no Mato GrossoFoto: Map Biomas Alerta/Landsat

Inpe reconhecido internacionalmente

O renomado cientista dedica os maiores elogios ao Inpe. Ele diz que a instituição desenvolve um trabalho único no continente sul-americano.

"O instituto se distingue pela excelência em sensoriamento remoto, especialmente ao monitorar incêndios na vegetação e o desmatamento, e também tem sucesso na modelação do clima e do tempo, por exemplo, ao desenvolver um modelo regional para a América do Sul", afirmou Andreae.

O professor Carlos Nobre não reconhece as supostas falhas técnicas apontadas por Bolsonaro e Salles. O Deter, que identificou os dados mais recentes, é um sistema de alarmes que compara em tempo real 120 milhões de pontos na Amazônia e informa as autoridades do Ibama sobre o desmatamento. A precisão do sistema é de 88%. Alarmes falsos podem, portanto, ocorrer. 

"Nunca foi dito que o Deter fosse uma medida precisa da área. Mas ele mede uma tendência, que, na maioria das vezes, o Prodes confirma", diz Nobre.

O Prodes é um sistema que calcula o desmatamento anual com precisão de 95%. Entretanto, esses valores determinados durante meses de trabalho são normalmente de 20% a 30% superiores aos dos valores calculados em tempo real pelo Deter, que acusou um aumento de 40% nos últimos 12 meses.

Os valores do Prodes, aguardados para novembro, deverão ser ainda maiores, prevê Nobre.

Para Claudio Angelo, coordenador de comunicação do Observatório do Clima, os motivos dos ataques ao Inpe são óbvios. "Qual foi a promessa de campanha de Bolsonaro? Vamos acabar com a fiscalização, vamos silenciar o Ibama, vamos tirar o Estado do cangote de quem produz. Para fazer isso, ele vai ter que reduzir os controles ambientais. E quando você reduz os controles ambientais, a consequência evidente é um aumento da taxa de desmatamento."

Infográfico sobre o desmatamento na Amazônia

Maior resolução, menos precisão

Nobre avalia que a introdução de um sistema novo para detecção do deflorestamento, com resolução muito maior, como anunciado por Salles, não seria uma solução. "Quando você aumenta muito a resolução, você vê tanta coisa, como alguém que corta um pouco de vegetação no quintal da casa. Então, você precisa treinar e calibrar o algoritmo, e processar diariamente 15 bilhões de pontos. Não é uma coisa trivial."

Angelo acredita que, com o novo sistema de medição, o ministro do Meio Ambiente quer criar confusão. "Ele quer contratar um sistema novo para aumentar a incerteza em relação aos dados e para bagunçar a divulgação dos dados pelo governo. É um elemento de caos que o governo quer introduzir." Marcio Astrini, do Greenpeace, concorda. "É para confundir. O governo quer manipular os números."

Angelo, entretanto, acredita que a estratégia do governo não deve funcionar. "O mundo inteiro sabe agora que eles querem, sim, censurar o Inpe, que eles não querem transparência sobre esses números." Além disso, há diversos outros sistemas de monitoramento que questionariam imediatamente os números oficiais. Nesse caso, o governo brasileiro teria a mesma credibilidade que o da Venezuela, diz Angelo.

A reputação do Brasil já sofre as consequências. A revista The Economist estampou o desmatamento em sua matéria de capa. Mesmo assim, os criminosos na Amazônia estão livres para agir, diz Marcio Astrini. "São grileiros, são garimpeiros, são madeireiros, é gente que faz do crime ambiental o seu negócio. Essas pessoas estão se sentindo confortáveis, protegidas e incentivadas pelo governo. Por isso o desmatamento está subindo tanto."

Ao invés de apurar os crimes ambientais, o governo ataca as autoridades de fiscalização. "O discurso do presidente é de que o fiscal e as ONGs estão errados, que as multas são excessivas. Em nenhum momento o presidente ou o ministro falaram mal dos desmatadores. Não interessa ao governo deter o desmatamento. Interessa calar os números", afirma Astrini.

Astrini acredita que é chegada a hora de o resto do mundo fazer com que a proteção ambiental seja uma condição para o comércio internacional com o Brasil. Apenas dessa forma seria possível pressionar o governo.

Claudio Angelo, por sua vez, chega a uma triste conclusão. "O Brasil, que era um protagonista na agenda ambiental no mundo, um país que tinha a possibilidade de ser a solução para o problema, virou uma parte importante do problema."

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Thomas Milz
Thomas Milz Jornalista e fotógrafo