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Por que os fazendeiros alemães estão revoltados?

Julie Gregson
11 de janeiro de 2024

Milhares de produtores rurais protestam em toda a Alemanha, apesar de o governo voltar atrás em alguns cortes de subsídios. Mas a situação dos agricultores é mesmo tão ruim assim?

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Fila de tratores em protesto de fazendeiros alemães em avenida em frente ao Portão de  Brandemburgo
Fazendeiros alemães protestam contra fim dos subsídios ao dieselFoto: Nadja Wohlleben/REUTERS

Tratores avançam pelas ruas da capital e bloqueiam cruzamentos e rodovias – estas são cenas que ocorrem com frequência na França. Mas, assim como no país vizinho, os fazendeiros alemães decidiram dar uma demonstração de força nas últimas semanas.

Os protestos começaram no final de dezembro, quando o governo federal alemão anunciou planos para pôr fim ao subsídio do diesel e a isenções de impostos para veículos agrícolas.

Após a revolta inicial dos produtores rurais, Berlim decidiu eliminar de maneira escalonada os subsídios em um período de dois anos, além de suspender o fim das isenções. Mas nada disso bastou para aplacar os ânimos dos agricultores.

Como anda o setor agrícola alemão?

O recente aumento nos preços dos alimentos gerou benefícios aos produtores rurais. Segundo a Associação dos Fazendeiros Alemães (DBV), as fazendas em tempo integral tiveram em média lucros de 115 mil euros (R$ 615 mil) no período 2022/23, o que corresponde a um aumento de 45% em apenas dois anos.

O trabalho no campo é árduo e praticamente ininterrupto, sendo que, segundo um relatório da DBV, os ganhos das fazendas não são particularmente altos se comparados aos dos açougues ou padarias.

Além disso, muitas fazendas contam com a mão de obra das famílias proprietárias, ou seja, de pessoas que não recebem remuneração. Mas, mesmo levando em conta esses fatores, a média dos lucros ainda é bastante significativa se comparada à renda média do país.

O subsídio estatal ao diesel gera uma economia anual de vários milhares de euros às fazendas em tempo integral, o que representa apenas uma pequena fração dos lucros dos fazendeiros.

Tratores parados em uma rua da cidade de Kiel. Uma grande placa em frente a um deles diz: "Keine Bauern, Keine Zukunft".
"Sem agricultores, sem futuro": uma placa no protesto em Kiel externa o descontentamento da categoria Foto: Christian Charisius/dpa/picture alliance

Qual a importância do setor para o país?

A agricultura não é a primeira imagem que vem à cabeça quando pensamos na industrializada e economicamente poderosa Alemanha. O setor gera menos de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, menos do que na França, a oeste, e na Polônia, a leste.

O país, porém, é líder de mercado na União Europeia (UE) no que diz respeito ao leite, carne de porco e batatas. Ao longo da última década, a Alemanha aumentou sua fatia de mercado também em outros produtos.

O setor, no entanto, vai além dos dados econômicos. O diretor do DBV, Joachim Rukwied, alerta que não somente o futuro dos produtores rurais alemães está em jogo, mas também o da segurança alimentar e o do próprio país.

Karsten Hansen, da Confederação Alemã de Pecuária de Leite (BDM), avalia que os protestos dizem respeito a "muito mais do que o diesel agrícola e a isenção de impostos". Ele afirma que os cortes nos subsídios foram somente a gota d'água que fez com que o copo transbordasse.

"Atentado à competitividade"

Embora a agricultura alemã aparente estar indo de vento em popa, uma análise mais aprofundada pode apresentar outras nuances. O lucro tem grande margem de flutuação dependendo do tipo de negócio, da região e das dimensões das fazendas,

Há mais de uma década, o número de fazendas alemãs vem diminuindo a uma taxa de 1% ao ano. Elas são, na maioria, fazendas pequenas. Ao mesmo tempo, aumenta a quantidade de fazendas grandes. 

Enquanto Berlim se esforça para cobrir um rombo de 17 milhões de euros no Orçamento federal de 2024 – após uma decisão do Tribunal Constitucional da Alemanha em novembro que obrigou o governo a reformular o Orçamento do ano para evitar incorrer em mais dívidas –, muitos produtores rurais acreditam que o setor se vê obrigado a pagar uma proporção injusta dessa conta.

A DBV insiste que o governo deve rasgar os planos de remover os subsídios ao diesel até 2026. Durante um encontro do partido de centro-direita União Social Cristã (CSU), na Baviera, Rukwied alertou que a manutenção da estratégia atual significaria uma morte lenta para a agricultura alemã.

Norbert Lins, membro do bloco de centro-direita do Parlamento Europeu, disse à DW que a eliminação escalonada dos subsídios é um atentado à competitividade dos produtores alemães. Esse, porém, também é um quadro bastante complexo.

Produtores alemães estão em desvantagem?

A Política Agrícola Comum da União Europeia (PAC) – um sistema de subsídios agrícolas e programas de desenvolvimento – é um apanhado de regulamentações, políticas, mecanismos financeiros e fundos com orçamento de 387 bilhões de euros.

Os subsídios são concedidos de acordo com a quantidade de terras disponíveis para agricultura, de modo que os mais beneficiados são os países maiores, como Alemanha, França, Espanha, Itália e Polônia.

A Alemanha recebe 6 bilhões de euros por ano da UE. A maior parte desse dinheiro chega aos fazendeiros a partir de pagamentos diretos com base no tamanho das propriedades. Dessa forma, as grandes fazendas, que com frequência estão em melhor situação do que as pequenas propriedades, acabam recebendo mais.

Muitos trataores enfileirados
Desde dezembro, agricultores protestam por toda Alemanha. Na foto, protesto na cidade de Günzburg, na BavieraFoto: Stefan Puchner/dpa/picture alliance

O europarlamentar Martin Häusling, do Partido Verde, é um fazendeiro cujos dois filhos administram atualmente a propriedade da família na região central da Alemanha. Ele contou à DW que os agricultores alemães não estão em piores ou melhores condições do que seus colegas europeus, apesar das diferenças entre os Estados-membros. Cada país possui sua própria estratégia e decide onde os fundos europeus devem ser aplicados.

Além desses fundos, os fazendeiros alemães também recebem subsídios em nível estadual e nacional. Os valores das propriedades, mercados varejistas e as políticas nacionais também devem ser levados em conta qualquer tipo de comparação.

O salário mínimo alemão, que acaba de ser aumentado para 12,41 euros por hora de trabalho, é quase duas vezes e meia maior do que o da Polônia. Isso coloca em desvantagem os produtores de frutas alemães e outros que dependem em grande parte da mão de obra de trabalhadores temporários, explica Lins, parlamentar europeu eleito pela União Democrata Cristã (CDU)

Mesmo que as taxas sobre o diesel sejam mais baixas do que na Alemanha em 18 países da UE, elas são ainda mais altas na Holanda, na Polônia e na França.

O que virá a seguir?

Häusling diz que a agricultura precisa se adaptar às mudanças climáticas, da mesma forma que os outros setores. Ele, porém, pede mais diálogo entre os tomadores de decisão e os fazendeiros sobre a melhor forma de prosseguir.

"Os fazendeiros não podem ficar sem o diesel de um dia para o outro. Não consigo adaptar para amanhã um trator para seja movido à eletricidade. O processo de transformação deve ser financiado e apoiado de maneira muito mais forte", afirma o europarlamentar verde.

Segundo ele, muito pouco foi explicado nos últimos anos sobre porque algo deve ser feito e de que forma deve ser feito. 

Da mesma forma, Lins observa que novas regras levam tempo até serem implementadas. Ele considera fundamental para os fazendeiros estarem aptos a se planejar antecipadamente, como ao programar a construção de um estábulo, por exemplo.

"Se a cada dois ou três anos um produtor de laticínios tiver que investir dezenas de milhares ou, possivelmente, centenas de milhares de euros, isso será um fardo enorme", explica.

O especialista em política agrária Thomas Herzfeld culpa os ministros da agricultura de governos anteriores que tentaram preservar o sistema atual por um tempo excessivamente prolongado.

"Há cada vez menos tempo para atingirmos as metas climáticas. A pressão para implementar as transformações de modo mais radical e mais rápido só vai aumentar", afirmou à DW o diretor do Instituto Leibniz de Desenvolvimento Agrário nas Economias em Transição.