Protestos do agro na Alemanha põem autoridades em alerta
6 de janeiro de 2024Autoridades de segurança da Alemanha acusam radicais de direita de agir para tentar capitalizar em cima dos protestos de agricultores contra o governo federal agendados para a semana que vem.
A conclusão é do Departamento Federal de Investigações da Alemanha (BKA) e dos órgãos federal e estaduais de Proteção da Constituição, citados em reportagem do jornal alemão Welt am Sonntag.
A movimentação estaria acontecendo principalmente nas redes sociais, por meio de mensagens de solidariedade aos produtores e que tentam mobilizá-los.
Tudo começou quando o governo alemão – uma coalizão entre sociais-democratas, verdes e liberais – anunciou o corte no subsídio ao diesel adquirido para fins agrícolas, despertando a ira do setor. A medida era um esforço de contingenciamento de gastos diante de uma decisão do Tribunal Constitucional que alterou o planejamento dos gastos do governo para o ano de 2024.
Após os primeiros protestos, Berlim anunciou o adiamento do fim dos subsídios para 2026. Mas isso não aplacou a insatisfação do setor. A poderosa Associação dos Fazendeiros Alemães (DBV) convocou uma paralisação para a próxima segunda-feira.
O BKA diz ter registrado diversos chamados à mobilização vindos da ultradireita, entre eles conclamações a uma "greve geral", "revolta" e "infiltração" dos protestos.
Entre as agremiações políticas envolvidas nas articulações, a polícia cita o partido neonazista "O Terceiro Caminho" (Der III. Weg), que discute uma possível insurreição dos produtores rurais, e o ultradireitista – e hoje amplamente representado na política alemã – Alternativa para a Alemanha (AfD), cujos membros e funcionários estão envolvidos na organização de atos e devem discursar neles. As manifestações também contariam com a simpatia dos Querdenker, o movimento antivacina que rejeitou as políticas sanitárias de controle da pandemia de covid-19.
Representantes do setor dizem rejeitar violência e atos extremistas
Representantes de associações de produtores afirmaram diversas vezes rejeitar ações violentas e extremistas.
Na quinta-feira passada (04/01), um grupo de 250 a 300 agricultores na cidade de Schlüttsiel, no litoral norte da Alemanha, ameaçou agir com violência para impedir o desembarque de uma balsa em que estava o ministro da Economia e vice-chanceler federal da Alemanha, Robert Habeck, do Partido Verde.
O impasse durou cerca de duas horas e Habeck acabou permanecendo na barca, que rumou de volta à ilha alemã de Hooge, no Mar do Norte, onde ele passava férias com a família, antes de regressar para uma segunda tentativa de desembarque – esta, sim, bem-sucedida.
A ação dos manifestantes foi muito criticada, também pela DBV, que disse não compactuar com "pessoas que propagam fantasias golpistas ou glorificam a violência".
Já Alice Weidel, líder da AfD no Bundestag, a câmara baixa do Parlamento alemão, acusou Habeck de fugir do "diálogo" com os manifestantes.
A Procuradoria de Flensburg apura o episódio, e os participantes podem responder judicialmente por coerção e risco à segurança pública.
O ministro alemão da Agricultura, Cem Özdemir, advertiu quanto à presença de extremistas nos protestos dos agricultores. Falando à emissora de TV pública ZDF, ele acusou "pessoas bem à direita", "que sonham em derrubar o governo", de tentarem se aproveitar de manifestações legítimas. O político verde também defendeu o diálogo e argumentou que a violência precisa ser rejeitada, "do contrário, algo aqui vai apodrecer".
Insatisfação continua apesar de recuo do governo
Com os protestos, o governo recuou no fim abrupto dos subsídios ao diesel em 2024, propondo em vez disso a redução gradual até a extinção completa em 2026. Também voltou atrás na decisão de acabar com os incentivos fiscais para a compra de maquinário agrícola. As novas medidas, porém, não agradaram o setor.
O ministro da Agricultura disse entender a insatisfação, mas falou em "medida justa". O governo ouviu os fazendeiros e reagiu, segundo Özdemir, que criticou o recurso à violência como meio de pressionar a política. "Não somos 'chantageáveis'."
Presidente Steinmeier se diz preocupado
A ação dos manifestantes contra Habeck também foi criticada pelo presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier. "Ver um ministro de Estado em uma viagem privada ser intimidado por uma multidão agressiva e ter que se refugiar em segurança após ameaças é algo que chocou muitos em nosso país, inclusive eu", declarou ao tabloide Bild. "Não podemos aceitar isso."
Steinmeier, que se disse abalado pelo episódio, expressou preocupação com o clima que paira sobre o país. Ele pediu aos fazendeiros que protestem de forma pacífica e respeitem as leis. "É legítimo criticar o governo. Incitações ao ódio e à violência, porém, ultrapassam o limite", afirmou. "Quem age assim fere as regras basilares da nossa democracia."
Representante do sindicato da polícia, Jochen Kopelke advertiu contra uma possível escalada da violência nos próximos protestos, e pediu apoio da classe política para que a corporação possa agir contra pessoas violentas, retirando-as dessas manifestações. Kopelke também conclamou os partidos do campo democrático a fazer mais para "impedir que os partidos da ultradireita continuem a se fortalecer".
ra (afp, dpa, ots)