Por que montadoras estão dando férias coletivas no Brasil
28 de março de 2023Nas últimas semanas, ao menos cinco montadoras anunciaram que concederiam férias coletivas aos funcionários e paralisariam a produção de veículos temporariamente em suas fábricas no Brasil: Volkswagen, Hyundai, Mercedes-Benz, General Motors e Stellantis, que reúne marcas como Fiat, Peugeot e Citröen. As paralisações, que abrangem diferentes períodos, começaram no fim de fevereiro e devem seguir até o começo de maio.
Os motivos alegados são diversos, indo desde a falta de componentes, agravada pela pandemia de covid-19, até problemas provocados pelo cenário econômico brasileiro, principalmente devido aos juros altos e à inflação, que diminuiu a demanda por veículos. Nesse contexto, as férias coletivas visam adequar a produção à demanda – ou, em outras palavras, evitar grandes estoques.
Embora as vendas de veículos tenham aumentado 13% em janeiro, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o crescimento foi menor que o esperado, e a demanda dá sinais de desaceleração para 2023.
Em uma coletiva de imprensa em janeiro, o presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, alertou sobre a necessidade de redução da taxa de juros para possibilitar a volta do crescimento do setor. No início de março, a Anfavea informou que o fechamento provisório de algumas fábricas em fevereiro decorreu da falta de semicondutores ou da necessidade de ajustes na linha de montagem, e disse haver preocupação com a falta de crédito no país.
Aumento de custos
Em entrevista à Agência Brasil na semana passada, o professor Antônio Jorge Martins, coordenador dos cursos automotivos da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), disse que as paralisações e as férias coletivas foram motivadas basicamente pelo aumento dos custos de produção – o que, como consequência, fez subir o preço dos veículos.
"A pandemia, de forma geral, até por conta do início da digitalização das empresas mundiais, fez com que aumentassem os custos de várias peças e componentes da área automotiva, em particular, dos semicondutores", explicou.
Ao aumento dos custos das partes, peças e componentes, se somou a desvalorização cambial no Brasil e a alta dos custos de frete e logística, provocando o aumento do preço dos veículos.
No entanto, explica Martins, esse aumento nos preços não foi acompanhado pelo aumento da renda da população como um todo. "Isso, de forma geral, fez com que o mercado deixasse exatamente de se equilibrar de forma adequada, gerando, como consequência, a necessidade de paralisação das fábricas para uma adequação a uma nova realidade de demanda", acrescentou.
Cenário econômico brasileiro
A alta dos preços dos veículos coincidiu com a alta taxa dos juros no país, que desencoraja financiamentos, culminando em um outro motivo para as paralisações da produção.
"A taxa de juros praticada pelo mercado financeiro também afetou a demanda de veículos", explica Martins, destacando que de 60% a 70% das vendas são feitas por meio de financiamentos.
Segundo ele, uma sociedade com o poder de compra abalado, ocasionando dificuldades de cumprir os novos custos decorrentes de financiamentos, obriga as montadores a diminuírem a produção, uma vez que não há interesse em produzir apenas para estoque.
A Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef) já havia alertado sobre tal cenário em seu último boletim. Segundo a Anef, o ano de 2022 foi fortemente impactado pela alta do preço dos veículos, bem como pelo aumento da inadimplência e dos juros. A associação ressaltou que a inadimplência de pessoas físicas com pagamentos em atraso superior a 90 dias chegou a 5,9% em 2022, o maior índice dos últimos anos.
Quanto tempo devem durar as paralisações?
Para Martins, a paralisação da produção de veículos não deve se prolongar ou durar muito tempo.
"A estratégia das montadoras não é ficar muito tempo parada. As que têm estoque vão parar um pouquinho mais. Aquelas que têm menor estoque param menos, mas a estratégia é realmente adequar a produção a uma nova realidade de demanda", relata.
O professor estima que, neste ano, o setor automotivo feche com crescimento de entre 2% e 5% em relação ao ano passado.
le/ek (EBC, ots)