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Por que a eleição no Brasil é importante para a Alemanha

30 de outubro de 2022

Questão ambiental é prioridade da política externa alemã e causou deterioração nas relações com o Brasil sob Bolsonaro. Especialistas são pessimistas sobre cooperação na área e veem caminho mais fácil com Lula.

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Bandeiras da Alemanha, do Brasil e da União Europeia
Foto: Ute Grabowsky/photothek.net/imago images

A Alemanha tem motivos para estar interessada no desfecho das eleições presidenciais no Brasil. Para além das relações comerciais, o país latino-americano é um aliado indispensável na área ambiental, tema que ganhou prioridade máxima na agenda alemã sob o governo de coalizão liderado pelo social-democrata Olaf Scholz. 

O papel estratégico do Brasil no enfrentamento da crise climática é mencionado por Sérgio Costa, professor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim. O país detém boa parte da Amazônia, região que abriga a maior floresta tropical do mundo. "Obviamente não é possível reduzir os impactos da crise climática apenas mudando a forma de produção de energia ou a forma de produção industrial na Alemanha", pontua Costa.

"Interessa à Alemanha ter o Brasil como parceiro para a solução de problemas globais. Interessa [também] pela questão das relações econômicas e no aspecto multinacional", complementa Luiz Ramalho, sociólogo baseado em Berlim e com mais de 40 anos de experiência em projetos de cooperação internacional.

O Brasil é o parceiro comercial mais importante da Alemanha na América Latina. Ambos fazem parte do G20 – grupo que reúne as maiores economias do mundo – e mantêm desde 2008 uma parceria estratégica, da qual derivaram diversas cooperações nas áreas de defesa e segurança, cibersegurança, ciência e tecnologia, em questões sociais e ligadas ao trabalho, desenvolvimento sustentável e urbanização – além, ainda, de uma atuação mais afinada em rodadas internacionais como as que ocorrem no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU).

Preservação da Amazônia é importante para Alemanha

Uma dessas frentes de cooperação é o Fundo Amazônia, criado em 2008 e com um aporte bilionário de Noruega e Alemanha. O programa foi suspenso em 2019, após o governo Jair Bolsonaro extinguir dois comitês responsáveis pela gestão do fundo, rompendo o acordo entre os países que definia as regras do projeto.

A interrupção dos repasses ocorreu em meio à alta do desmatamento da Amazônia e marcou o esfriamento das relações diplomáticas entre os dois países.

"Bolsonaro é visto, com razão, como o grande vilão do meio ambiente; aquele que não só não foi capaz como parece que deliberadamente desistiu de controlar o processo de destruição da Amazônia e de outros biomas brasileiros. Isso criou um distanciamento muito forte entre Brasil e Alemanha", afirma Costa. "O governo alemão buscou formas de trabalhar com a gestão Bolsonaro, mas encontrou enormes dificuldades. E esse tem sido o quadro que caracterizou esses quatro anos."

Diretora do escritório brasileiro da Fundação Heinrich Böll, entidade ligada ao Partido Verde alemão, que integra a coalizão de governo e controla o Ministério das Relações Exteriores, Annette von Schönfeld critica o desinteresse e a postura do governo Bolsonaro nas rodadas climáticas. "Tinha sempre essa conotação de: ok, se a gente for tratar da proteção da Amazônia, então que a comunidade internacional pague por isso", lamenta.

Ao mesmo tempo, aponta, Bolsonaro foi conivente com a grilagem de terras, a mineração ilegal e a invasão de territórios indígenas na região. "Muitos indicadores de violações de direitos humanos, que são relevantes para a Alemanha, dispararam – principalmente ataques a indígenas. Nunca houve tantos quanto neste governo", afirma Schönfeld.

Avaliação semelhante é feita por Anja Czymmeck, diretora do escritório brasileiro da Fundação Konrad Adenauer, ligada à União Democrata Cristã (CDU), partido de Angela Merkel. "Os crimes ambientais sob o regime de Bolsonaro não foram punidos a contento, e a falta de controles incentivou a destruição de ecossistemas para fins econômicos", observa. O resultado foi ruim não só do ponto de vista ecológico, mas também dos direitos humanos, afirma Czymmeck, citando assassinatos e ameaças a ativistas na Amazônia.

Para o professor Costa, isso também explica o interesse alemão pela política brasileira. Ele diz que as redes de solidariedade entre atores da sociedade civil dos dois lados do Atlântico acabam funcionando como um mecanismo de pressão contra a classe política, e relembra que o governo anterior, da chanceler federal Merkel, já teve que enfrentar questionamentos duros do Partido Verde sobre o Brasil no Parlamento federal.

"Não quero exagerar a força política dessas alianças, mas elas têm, sim, uma importância – sobretudo quando você tem um Partido Verde no poder, que nasceu dos movimentos sociais, de ambientalistas, de mulheres. Eles não podem simplesmente ignorar reivindicações que vêm da base", assinala Costa.

A deputada alemã Isabel Cademartori, do Partido Social-Democrata (SPD) – que compõe a atual coalizão de governo do país ao lado de verdes e liberais –, acompanhará a votação neste domingo (30/10) em São Paulo, junto com outros dois colegas deputados do partido a convite do PT. Ela também aponta a questão da preservação da Amazônia e do clima como central para a Alemanha.

"Se não conseguirmos frear o desmatamento da floresta tropical, nossos esforços climáticos na Europa terão sido ineficientes", afirma.

"Se Lula ganhar, teremos um parceiro no Brasil voltado à comunidade internacional, que apoia valores democráticos, o Estado de Direito e o multilateralismo, que encara as mudanças climáticas como perigo real em vez de negá-las, e que está disposto a enfrentá-las. Vai ser muito mais difícil atingir as metas do clima caso Bolsonaro seja reeleito. E o Brasil continuaria a ser um parceiro extremamente difícil."

Relações diplomáticas em baixa sob Bolsonaro

À exceção das relações econômicas, os laços diplomáticos entre os dois países se esgarçaram – uma tendência que já vinha desde 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff. Desde então, não houve visitas de chefes de Estado. 

Já no governo Bolsonaro, apenas dois representantes de alto nível do governo alemão viajaram ao Brasil: os ministros Heiko Maas (Relações Exteriores) e Gerd Müller (Desenvolvimento) – algo que, os entrevistados frisam, tem a ver também com a pandemia.

Para o sociólogo Ramalho, a ausência de um encontro com o chanceler federal sinaliza o tensionamento das relações bilaterais. "Não houve uma ruptura institucional. As negociações bilaterais continuam acontecendo, mas existe muita tensão porque o governo alemão cobra a questão dos direitos humanos, pede repetidamente que não haja perseguição à sociedade civil, e a diplomacia brasileira reage."

Outro sinal é o acordo entre União Europeia (UE) e Mercosul, empacado desde 2019 principalmente por preocupações ambientais de países-membros do bloco europeu. "A Alemanha e a UE estão criando mecanismos de controle da cadeia de produção. Eles querem saber de onde vêm os produtos brasileiros, se vêm de áreas devastadas, quais são as condições de trabalho. Isso requer um diálogo aberto entre os países", acrescenta Ramalho.

Já Costa ressalta que esse esfriamento se estendeu a outros países europeus, à exceção de Hungria e Polônia, cujos governos têm flertado com o autoritarismo. "O Brasil se isolou muito no contexto mundial e acabou se aproximando de países que são pouco caros à diplomacia alemã."

Um dos episódios mais recentes que incomodou a Alemanha foi o não posicionamento do Brasil no caso da invasão da Ucrânia pela Rússia. "Mas também a relutância em participar de encontros internacionais como a Cúpula das Américas ou a saída do Pacto da Migração das Nações Unidas", enumera Czymmeck.

"[A diplomacia] ficou mais difícil, porque Bolsonaro representa um governo de extrema direita, e a Alemanha é bastante sensível a governos de extrema direita – com razão", afirma Schönfeld, diretora da Fundação Heinrich Böll.

A Alemanha vê a extrema direita com muitas reservas por conta de seu passado histórico nazista, além da associação de movimentos de extrema direita com atos antidemocráticos, incluso aí a Alternativa para a Alemanha (AfD), partido ultradireitista com representação no Parlamento.

O contrato de coalizão do governo alemão prevê explicitamente uma política externa "guiada por valores", priorizando regimes democráticos em suas relações externas – intenção que foi, em parte, abalada pela dependência alemã do gás russo em um contexto de rompimento das relações entre Berlim e Moscou.

É nesse contexto que Czymmeck destaca outro potencial das relações Brasil-Alemanha: "O Brasil pode se tornar um dos maiores exportadores de energia verde, principalmente na área de geração de energia fotovoltaica, eólica, hidrelétrica e hidrogênio verde".

Ramalho reforça a importância da Alemanha enquanto parceiro estratégico na área de tecnologia. "Uma coisa é você produzir mais grãos e mandar para a China, continuar devastando a floresta. Outra coisa é se você quer um padrão industrial diferente – e nesse sentido a Alemanha precisa continuar sendo um parceiro econômico estratégico", ressalta.

Sob Lula, o que muda nas relações

No que tange à questão ambiental, os entrevistados apostam numa reaproximação entre os dois países em caso de vitória do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Acho que sob um governo Lula a palavra 'sustentabilidade' apareceria, pelo menos no discurso, de uma outra forma", afirma Schönfeld. "Com certeza é bom ficar de olho. Posso imaginar que muitas coisas sejam chamadas de 'verde' sem de fato sê-lo. Mas caberia à sociedade civil fiscalizar isso."

Ainda assim, ela diz ver sob Lula um Brasil com maior protagonismo nas negociações climáticas, dando seguimento a uma tradição interrompida no governo Bolsonaro. "Lula vai voltar a fazer política externa. Bolsonaro foi muito contido nesse quesito."

Também Czymmeck diz ver avanços na área ambiental, "apesar de Lula insistir na questão da soberania brasileira na política para a Amazônia". A democrata-cristã, contudo, ressalta que sob Lula o acordo UE-Mercosul deve demorar a sair, pois o petista já sinalizou interesse em renegociar os termos do tratado.

Luiz Inácio Lula da Silva e Olaf Scholz
Lula e Scholz se reuniram em Berlim em novembro de 2021Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Ela também não vê o Brasil abandonando a neutralidade em relação à invasão da Ucrânia, nem adotando postura mais crítica no trato com a  China e a Rússia. Czymmeck lembra ainda que Lula, se eleito, enfrentará um Congresso dominado por forças conservadoras e de direita.

Já Ramalho diz ver um retorno do Brasil à arena internacional com a eleição do petista – em grande parte devido ao protagonismo que o Brasil exerceu no passado e ao bom trânsito do ex-presidente entre políticos europeus. "Ele já foi recebido por Scholz, tem uma relação bastante próxima ao partido social-democrata e aos sindicatos alemães, já declarou que logo no início do governo dele faria uma grande conferência internacional sobre a Amazônia."

Segundo Sérgio Costa, Bolsonaro estaria desgastado junto à comunidade internacional pela retórica agressiva e pelos retrocessos ambientais e de direitos humanos. "A Alemanha manteve as relações diplomáticas num nível mínimo para que elas pudessem ser retomadas num outro contexto. Num governo Lula esse quadro mudaria completamente."

O que muda se Bolsonaro for reeleito

Czymmeck afirma que as relações econômicas devem se manter inalteradas sob um novo governo Bolsonaro, mas não espera uma mudança de curso de sua política ambiental ou internacional. O Brasil continuaria a pleitear a entrada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), manteria a neutralidade no conflito ucraniano e, possivelmente, promoveria corte de verbas na área de pesquisa.

Já Schönfeld acredita que Bolsonaro apostará em outros aliados internacionais governados pela direita, como Hungria, Itália e Polônia, mas defende a manutenção das relações – ainda que veja com ceticismo qualquer possibilidade de cooperação séria na área ambiental.

"Acho que ele fará exatamente a mesma política. E acho que isso será fatal para regiões como a Amazônia. O ecossistema já está muito fragilizado. As mudanças climáticas estão se tornando evidentes", adverte Schönfeld. "O Brasil não pode se dar ao luxo de destruir esse ecossistema."

Na avaliação de Ramalho, Bolsonaro reeleito significaria uma perda ainda maior de relevância do Brasil nas relações internacionais, e isso impactaria negativamente as já abaladas relações com a Alemanha.

Cônsul-honorário da Alemanha em Minas Gerais, Victor Sterzik diz que, entre um candidato e outro, a tendência do empresariado que faz negócios com a Alemanha ou representa empresas alemãs na região é optar por Bolsonaro, cuja condução da economia é conhecida e aprovada, enquanto sobre o PT ainda pairam incertezas e receios, principalmente diante dos escândalos de corrupção que atingiram o partido no passado.

"Quem faz negócios com a Alemanha teme a desvalorização da moeda e recessão", afirma Sterzik. Ele acrescenta que a pandemia foi um fator que abalou a economia negativamente, mas diz ver uma boa recuperação. "A certeza de investimento, neste governo, é maior."

O otimismo com a economia não é compartilhado por Schönfeld. "Bolsonaro investiu muito dinheiro para gerar uma aparente revigoração da economia – digo aparente porque suspeita-se que foi um movimento eleitoreiro, com data para acabar e sem sustentabilidade. Todos esperam uma grande crise em 2023, independente de quem vencer as eleições."