Polônia sob enxurrada de críticas por lei sobre Holocausto
8 de fevereiro de 2018Stella Testa sobreviveu ao Holocausto. Até hoje, as lembranças da Segunda Guerra Mundial são onipresentes para a mulher de 90 anos, que acompanhou com atenção o debate sobre a polêmica legislação sobre o Holocausto ratificada nesta semana pelo presidente da Polônia, Andrzej Duda.
"Eu não acredito que os poloneses estejam tentando se eximir de sua responsabilidade", afirma a nonagenária, mostrando que, por um lado, ela compreende a posição do Legislativo e do presidente polonês.
Por outro lado, "não existe ninguém inocente", diz. "Todos são culpados. Roosevelt também não era culpado? Por que [os Estados Unidos] não bombardearam Auschwitz?", questiona.
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Nascida na Macedônia, Testa foi obrigada a fugir dos nazistas e, na juventude, se escondeu junto a alguns partisans (guerrilheiros) no Leste Europeu. Os poloneses também tinham medo, lembra a sobrevivente.
"Quando eram questionados pelos alemães, denunciavam seus conterrâneos. Quando os nazistas vieram, meu vizinho até quis que eu fosse executada." Mas, segundo ela, não se deve generalizar. "Trata-se de uma culpa individual."
Polônia x Israel
Os primeiros-ministros da Polônia e de Israel, Benjamin Netanyahu e Mateusz Morawiecki, haviam concordado em criar um grupo de trabalho bilateral para fazer uma revisão histórica. Mas a Polônia não queria esperar, e o presidente Duda ratificou a controversa legislação sobre o Holocausto.
A lei prevê multas e penas de até três anos de reclusão se alguém, entre outras coisas, atribuir "publicamente e contra os fatos" ao povo ou ao Estado polonês a responsabilidade ou corresponsabilidade por crimes nazistas cometidos pelo Terceiro Reich. O Tribunal Constitucional polonês ainda precisa verificar se a lei viola a liberdade de expressão no país.
Por enquanto, o conflito entre Polônia e Israel se acalmou um pouco, pelo menos no âmbito governamental. O Ministério do Exterior de Israel espera que ambos os lados possam chegar a um acordo sobre mudanças na lei. "Israel e Polônia têm a responsabilidade compartilhada de estudar e preservar a história do Holocausto", diz um nota do ministério israelense.
Ao mesmo tempo, o Knesset, o Parlamento do país, prepara uma reação à legislação polonesa. Membros de todos os partidos querem propor melhorias em duas das próprias leis: trata-se das penalidade por negação da colaboração em crimes nazistas e de assistência jurídica para funcionários de memoriais. Dos 120 legisladores, 80 pretendem apoiar o projeto de lei.
Apesar de o governo polonês ter indicado que a arte e a ciência estão excluídas da nova regulamentação, estudiosos israelenses demonstram preocupação. "A lei deverá apresentar uma visão específica sobre o papel da Polônia durante o Holocausto como a única versão correta. Isso é muito problemático", critica David Silberklang, historiador no Instituto Internacional de Pesquisas sobre o Holocausto em Jerusalém.
A maioria das instituições e pesquisadores até chegou a apoiar a ideia de não se utilizar o termo "campos de extermínio poloneses". Porém, apontaram que a lei impede um debate público.
"É claro que a maior parte da população polonesa não participou do Holocausto, mas houve pessoas que fizeram coisas terríveis, e isso precisa ser discutido", diz Silberklang.
Decepção nos EUA
Nos Estados Unidos, o anúncio da assinatura do controverso texto pelo presidente polonês foi recebido com críticas abertas. O Secretário de Estado Rex Tillerson disse em comunicado que os EUA estão "decepcionados". "A entrada em vigor dessa lei tem um efeito negativo sobre a liberdade de expressão e a pesquisa acadêmica", afirmou.
A assinatura da lei não foi atacada apenas pelo governo Trump, mas também por congressistas – tanto republicanos quanto democratas. Orrin Hatch, o senador republicano mais longevo e que também é membro do Conselho do Museu Memorial sobre o Holocausto dos EUA (US Holocaust Memorial Museum), destacou que "a lei é extremamente danosa para todos aqueles na Polônia que querem aprender com as lições sombrias do passado e trabalhar em prol de um futuro melhor".
Debbie Wasserman-Schulz, congressista democrata da Flórida, afirmou que a decisão do presidente polonês a "decepcionou e atingiu profundamente".
Críticas na União Europeia
Em Bruxelas, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, vê a decisão da Polônia como contraprodutiva. Segundo ele, o país conseguiu exatamente o contrário do que queria.
"Os autores da lei divulgaram a definição 'campos da morte poloneses', historicamente falsa, pelo mundo todo, de forma tão eficaz como nunca", tuitou o polonês.
O vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, exortou todos os países que foram ocupados pelos nazistas a se posicionarem diante dos fatos históricos.
"Houve muitos heróis que ofereceram resistência e lutaram contra essa ocupação, mas infelizmente, em todos esses países, também houve pessoas que colaboraram com os ocupantes nazistas para executar seus terríveis planos", declarou.
Alemanha destaca própria responsabilidade histórica
Na polêmica em torno da legislação polonesa, a Alemanha desempenha papel fundamental. O ministro alemão do Exterior, Sigmar Gabriel, já havia destacado a responsabilidade histórica do país antes da assinatura da lei.
"Não há a menor dúvida sobre quem foi responsável pelos campos de extermínio, quem os operou e quem assassinou milhões de judeus europeus neles: foram especificamente os alemães", afirmou.
Gabriel ainda sublinhou que o genocídio organizado foi realizado pela Alemanha e por mais ninguém. "Colaboradores isolados não mudam nada [nesse fato]", disse. Afinal, acrescentou Gabriel, os campos de extermínio não foram estabelecidos na Polônia por acaso
"A cultura polonesa também era para ser exterminada, tanto quanto toda vida judaica. Três milhões dos mais de seis milhões de judeus exterminados eram da Polônia", ressaltou Gabriel. A consciência dessa responsabilidade histórica, segundo o ministro, é parte da atual identidade alemã e o "consenso central de todas as forças democráticas na Alemanha".
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