Polônia acusa Belarus de usar migrantes para atingir UE
1 de outubro de 2021O Parlamento da Polônia aprovou nesta quinta-feira (30/09) a prorrogação do estado de emergência na fronteira com Belarus, que se tornou uma nova rota para migrantes que fogem de zonas de conflito no Oriente Médio e tentam entrar na União Europeia (UE).
O governo polonês acusa o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, de estar atraindo refugiados ao seu país e depois empurrando-os para a fronteira com o objetivo de provocar uma crise com a UE, que vem aplicando diversas sanções contra o regime belarusso após uma eleição fraudada em agosto de 2020 e a repressão violenta de manifestantes de oposição.
Na terça-feira, o presidente da Polônia, Andrzej Duda, havia solicitado a extensão do estado de emergência por 60 dias. "Infelizmente, a pressão na fronteira está aumentando", afirmou.
Organizações de ajuda humanitária advertem para uma catástrofe humanitária na divisa entre os dois países, enquanto migrantes continuam a se aglomerar na região para tentar entrar na UE, e o inverno se aproxima – pelo menos seis deles já foram encontrados mortos. A Polônia está construindo uma cerca ao longo da fronteira de 418 quilômetros, que é em grande parte composta por floresta densa.
O estado de emergência está em vigor desde 2 de setembro em uma faixa de três quilômetros de largura ao longo da fronteira, o que impede trabalhadores de organizações humanitárias e jornalistas de entrarem na área.
"Vivi outra guerra entre as fronteiras"
Depois de uma década de guerra na Síria, Boshra al-Moallem e suas duas irmãs agarraram a sua chance de fugir. Seu irmão, que havia escapado anos antes para a Bélgica, tinha economizado dinheiro o suficiente para a viagem, e informações circulavam online sobre uma nova rota de migração para a Europa aberta através de Belarus.
Porém, a viagem se mostrou aterrorizante e quase mortal. Al-Moallem ficou presa na fronteira entre Belarus e Polônia por 20 dias e foi empurrada de um lado para o outro entre guardas armados dos dois países em um área pantanosa. Ela enfrentou noites frias, mosquitos, fome e muita sede. Só depois que ela desmaiou de exaustão e desidratação, os guardas poloneses finalmente a levaram para um hospital.
"Não esperava que isso fosse acontecer conosco. Eles nos disseram que é muito fácil ir para a Europa, encontrar a sua vida, fugir da guerra'', disse nesta semana a mulher de 48 anos, enquanto se recuperava em um centro de refugiados no leste da Polônia. "Não imaginava que iria viver outra guerra entre as fronteiras."
Al-Moallem é uma das milhares de pessoas que viajaram para Belarus nas últimas semanas e depois foram empurradas para as fronteiras por guardas belarussos. A UE condenou as ações de Belarus e afirmou que elas são uma forma de "guerra híbrida" contra o bloco.
Usada como "arma" em luta política
Originalmente de Homs, Al-Moallem foi deslocada para Damasco pela guerra. Ela disse que as autoridades belarussas a levaram a acreditar que a viagem à UE seria fácil e depois a usaram como uma "arma" em uma luta política contra a Polônia. Mas ela também diz que guardas de fronteira poloneses foram excessivamente duros, negando-lhe água e usando cães para assustá-la e a outros migrantes enquanto os empurravam de volta a Belarus, repetidas vezes.
Por muitos anos, pessoas que fogem de guerras no Oriente Médio têm feito viagens perigosas através dos mares Mediterrâneo e Egeu, buscando segurança na Europa. Mas após a chegada de mais de um milhão de pessoas em 2015, os países da UE instalaram muros de concreto e arame farpado, adotaram drones de vigilância e fecharam acordos com a Turquia e a Líbia para manter os migrantes afastados.
O caminho muito menos protegido para a UE por meio das florestas e pântanos do Leste Europeu surgiu como uma rota apenas depois que a UE impôs sanções ao regime de Lukashanko. De repente, pessoas do Iraque, da Síria e de outros lugares estavam voando para Minsk, capital de Belarus, com vistos turísticos e, em seguida, viajando por carro, muitos aparentemente auxiliados por contrabandistas, até a fronteira.
Os três países da UE que fazem fronteira com Belarus – Polônia, Lituânia e a Letônia – acusam Lukashenko de agir para desestabilizar suas sociedades.
Criticada por ONGs, Polônia defende expulsão de imigrantes
Se esse é de fato o objetivo, está funcionando. A Polônia negou a entrada para milhares de migrantes e não permitiu que eles solicitassem asilo, violando convenções internacionais de direitos humanos. O comportamento do país tem sido criticado por grupos de direitos humanos poloneses e do exterior.
Stanislaw Zaryn, porta-voz dos serviços especiais da Polônia, disse à agência Associated Press que as forças poloneses sempre fornecem ajuda para migrantes se suas vidas estiverem em perigo. Nos outros casos, enquanto pode ser doloroso para eles não oferecer ajuda, Zaryn afirmou que a Polônia deve defender a sua fronteira, porque está em um conflito com Belarus, que é apoiada pelo presidente russo, Vladimir Putin.
"A Polônia acredita que somente assegurando completamente nossa fronteira com Belarus seremos capazes de deter esta rota migratória, que é uma rota criada artificialmente por Lukashenko com o apoio de Putin. Foi criada artificialmente para se vingar de toda o União Européia", disse Zaryn.
Com seis migrantes encontrados mortos ao longo da fronteira até agora, integrantes de organizações de direitos humanos estão chocados e insistem que a Polônia deve respeitar suas obrigações com o direito internacional para permitir que os migrantes possam solicitar asilo, e não empurrá-los de volta na sua fronteira.
"É óbvio para nós que são ações políticas de Lukashenko dirigidas contra a Polônia e contra a União Europeia", disse Marianna Wartecka, do grupo de direitos dos refugiados Fundacja Ocalenie. "Mas isso não justifica as ações do Estado polonês."
O próprio Lukashenko disse, no final de maio, que não impediria os migrantes de transitarem por Belarus em seu caminho para a UE, em retaliação às sanções do bloco europeu ao seu país, uma ex-república soviética. Mas ele nega que suas forças estejam empurrando as pessoas para a Polônia. A mídia estatal belarussa, porém, aproveitou a reação polonesa para retratar a UE como um lugar onde os direitos humanos não são respeitados.
"Apenas uma gota d'água"
Depois de viajar da Síria para o Líbano, al-Moallem, que era professora de inglês na Síria, voou para Minsk e de lá pegou um táxi com suas irmãs e um cunhado até a fronteira. As forças belarussas então guiaram o grupo até um local para atravessar para a Polônia.
Chorando enquanto contava a sua história em inglês, Al-Moallem disse que as forças belarussas lhes disseram: "É uma forma muito fácil de chegar à Polônia. É um pântano. Basta atravessar o pântano e subir a colina, e você estará na Polônia."
"E quando estávamos tentando subir a colina, os guardas fronteiriços poloneses nos empurraram para trás. Famílias, mulheres, homens, crianças. As crianças estavam gritando e chorando", ela conta. "Eu pedia aos guardas de fronteira poloneses, 'por favor, apenas uma gota d'água. Estou com tanta sede'." Mas tudo o que eles faziam era mandar eles voltarem: "Vão para Belarus. Nós não somos responsáveis por vocês."
Isso aconteceu repetidas vezes, com as forças belarussas levando-os de volta, às vezes dando-lhes nada mais do que um pouco de pão. Durante esse período, ela gravou vídeos dos migrantes desesperados e postou alguns deles no Facebook. Seus vídeos e seu relato fornecem evidências raras de testemunhas sobre a crise na fronteira.
Tais cenas acontecem em sua maioria fora da vista do público já que a Polônia, seguindo a Lituânia e a Letônia, declarou estado de emergência ao longo da fronteira, o que impede jornalistas e trabalhadores de direitos humanos de irem para lá.
As medidas do governo polonês, que também envolvem destacar mais soldados para as defesas fronteiriças, são populares entre muitos poloneses. O partido conservador que está no governo, que adotou uma forte posição anti-imigrantes em 2015, viu sua popularidade crescer nas pesquisas de opinião em meio à nova crise.
Apesar dos esforços da Polônia, há relatos de que alguns requerentes de asilo conseguiram chegar à UE sem serem detectados e se dirigiram mais para o oeste, muitas vezes para se reunir com parentes na Alemanha.
Al-Moallem diz que ela e seus parentes planejam deixar o centro onde estão abrigados agora e viajar através das fronteiras abertas da UE para encontrar seu irmão na Bélgica. Eles planejam pedir asilo lá. Tudo o que ela quer, disse, é que sua família se reúna após anos de trauma, e que ela "se sinta segura".
bl/ek (DPA, AP)