Relações bilaterais
27 de fevereiro de 2008Após o cancelamento do encontro de cúpula franco-alemão, previsto para o início de março próximo, Paris suspendeu uma reunião entre o ministro alemão das Finanças, Peer Steinbrück, e sua colega de pasta francesa, Christine Lagarde, programada para terça-feira última (26/02).
O cancelamento de duas importantes reuniões bilaterais, em poucos dias, demonstra o desgaste nas relações entre a França e a Alemanha. A justificativa do governo francês para o cancelamento de ambos os encontros foi "problemas de agenda".
Devido à luta política entre Paris e Berlim relativa à "União Mediterrânea", planejada por Sarkozy, e às disputas em torno do Banco Central Europeu (BCE), diplomatas temem uma verdadeira crise na União Européia, principalmente após a França assumir a presidência rotativa do bloco, em 1° de julho próximo.
"Encontros de Blaesheim"
Na semana anterior, o Palácio do Eliseu cancelara o encontro entre o presidente Sarkozy e a chanceler federal alemã, Angela Merkel, em 3 de março, na Baviera. Desde 2001, os chefes de governo franco-alemães reúnem-se anualmente para uma troca informal de idéias nos chamados "Encontros de Blaesheim". Os colóquios visam uma coordenação mais estreita entre Paris e Berlim em temas políticos de grande importância.
Devido a "problemas de agenda" do presidente francês, a reunião foi postergada para junho. Merkel e Sarkozy deverão se encontrar, no entanto, para a abertura da feira de informática CeBIT, na noite de 3 de março, em Hannover.
Também sob a alegação de "problemas de agenda", foi cancelado de surpresa, nesta segunda-feira, o encontro entre o ministro Steinbrück e a colega de pasta Lagarde.
A ministra francesa da Finanças deverá acompanhar Sarkozy na campanha eleitoral para as eleições municipais de 9 e 16 de março. Devido à queda de popularidade do presidente, acredita-se que seu partido perderá diversas prefeituras.
Personalidades diversas
Segundo diplomatas da UE, a compreensão que existe entre França e Alemanha, em áreas como a política industrial e energética, não se repete nas relações exteriores.
Em julho deste ano, Sarkozy planeja fundar, com países do sul da Europa, a União dos Estados do Mediterrâneo. Berlim teme uma divisão da UE e exige, energicamente, que o enquadramento das instituições da UE seja respeitado.
Há anos França e Alemanha discordam quanto ao Banco Central Europeu (BCE). Enquanto Paris quer uma baixa de juros para o aquecimento da economia, Berlim descarta qualquer tipo de influência política sobre o BCE.
O distanciamento entre Merkel e Sarkozy é outro grande obstáculo às relações bilaterais. Ainda não está claro se o impulsivo francês conseguirá algum dia se entender com a reflexiva chefe do governo alemão.
Martin Koopmann, coordenador do programa de relações franco-alemãs da Sociedade Alemã de Política Internacional (DGAP), afirma que existe um "problema sério" nas relações bilaterais, devido também às "diferentes personalidades" de Merkel e Sarkozy.
"Paris não tem consideração por Berlim"
No contexto dos cancelamentos dos recentes encontros bilaterais, o porta-voz do governo alemão, Ulrich Wilhelm, salientou em Berlim que, apesar das esporádicas diferenças de opinião entre os dois países, França e Alemanha gozariam de boas relações. No entanto, o desgaste nos contatos franco-alemães não passou despercebido pela imprensa européia:
O jornal suíço Neue Zürcher Zeitung afirmou: "O fato de Sarkozy e Merkel não serem compatíveis em nível pessoal já era mais do que sabido, mas sem chegar a ser trágico. Entretanto, Paris não tem consideração por Berlim. Tanto no Tratado de Lisboa como na libertação das enfermeiras búlgaras, o chefe de governo francês sempre reivindicou para si a maior parte dos louros. O acúmulo de maus entendidos políticos começa a se refletir negativamente sobre o relacionamento bilateral."
O italiano La Repubblica vai mais além: "Apenas raramente houve uma tal era glacial nas relações franco-alemãs. A confiança mútua entre Angela Merkel e Nicolas Sarkozy parece abalada, o estado é de alerta [...] Dois encontros bilaterais foram cancelados e ninguém acredita realmente nas justificativas. [...] Na verdade, a crise é visível para todos, envolvendo tanto problemas políticos como um relacionamento pessoal difícil".
O Tagesspiegel berlinense citou Martin Schulz, chefe da banca social-democrata no Parlamento europeu: "Creio que Sarkozy se encontra em tão baixa forma, que essa fraqueza na política interna afeta as relações franco-alemãs".