Polifonia em nome da justiça
6 de outubro de 2005"A Justiça mudou a minha pessoa. Simplesmente perdi a confiança. Justiça só existe no papel." Esta e outras frases sobre justiça e injustiça passaram a integrar o espaço público da cidade de Karlsruhe, no sul da Alemanha. No projeto de arte "Praça dos Direitos Fundamentais", o artista alemão Jochen Gerz (65) reúne o depoimento de 48 pessoas sobre 500 questões.
A lista dos entrevistados inclui cidadãos de todas as classes sociais. Entre os nomes de personalidades conhecidas estão, por exemplo, a ex-presidente do Tribunal Constitucional Federal, Jutta Limbach, e o filósofo Peter Sloterdijk.
Vinte e quatro pessoas tiveram que responder "o que é justiça?" e outras 24 foram confrontadas com a pergunta "o que é injustiça?". Todas as respostas foram inscritas em branco dos dois lados de placas de rua esmaltadas em vermelho escuro. "É muito difícil decidir de que lado está a justiça", explicou o artista. As 24 placas de metal foram instaladas em diferentes pontos do centro da cidade.
Enquete transformada em arte
Os locais – relevantes para a história de Karlsruhe como "cidade da Justiça" e sede do Tribunal Constitucional Federal – foram escolhidos em três fóruns de cidadãos realizados no ano passado. Um deles, por exemplo, é a Yorckplatz, uma praça sugerida por uma cientista política e jornalista.
Em suas pesquisas, ela descobriu que o conde Yorck era um militar conservador do século 19. Após a Segunda Guerra, a cidade de Karlsruhe queria dedicar a praça a seus lutadores da resistência, mas não houve consenso sobre o nome.
"Esta praça simboliza a dificuldade de lidar com a própria história", declarou o prefeito de Karlsruhe, Heinz Fenrich. "Em minhas pesquisas, descobri que o trineto do conde Yorck era um defensor da liberdade e morreu sob o regime nazista. Desta perspectiva, o nome da praça volta a fazer sentido", opina Fenrich.
O procurador geral da República, Kay Nehm, sugeriu que uma placa fosse instalada no local onde seu antecessor, Siegfried Buback, foi assassinado por terroristas da RAF em 1977. Esta sugestão convenceu a todos os participantes imediatamente, assim como a praça onde se situa o primeiro edifício construído na Alemanha para abrigar uma assembléia parlamentar.
O avesso da justiça
Entre os entrevistados de Gerz também estão presidiários, por exemplo. "Eu quis pagar o túmulo dela, mas não foi possível", declarou um homem condenado pelo assassinato da esposa, acrescentando que se sentia grato pelo fato de o filho não o odiar pelo crime.
As frases dos presidiários, que teoricamente representarim o outro lado da prática jurídica, também estão pintadas em esmalte sobre as placas vermelhas. Entre eles, o artista diz ter encontrado uma noção de justiça bastante elaborada.
O projeto é, na verdade, um presente tardio da prefeitura ao Tribunal Constitucional Federal, que comemorou seus 50 anos de existência em 2001. A idéia inicial era encomendar um monumento a um artista.
No entanto, a encomenda acabou sendo feita ao artista conceitual Jochen Gerz, ex-docente do Centro de Arte e Tecnologia de Mídia (ZKM) de Karlsruhe, cujos trabalhos de arte e memória sempre questionaram uma musealização dos monumentos públicos.
Intervenção e memória
Residente em Paris desde 1965, Jochen Gerz foi um dos artistas alemães que mais se expôs às influências internacionais da Arte Conceitual e do Fluxus. Ao contrário de muitos artistas de sua geração, o acionismo dos movimentos artísticos da década de 60 não foi efêmero para Gerz.
Sobretudo a partir de meados dos anos 80, ele passou a canalizar sua tendência intervencionista em projetos de memória para o espaço urbano. Entre seus inúmeros projetos, destacam-se o Memorial contra o Fascismo (1986, com Esther Shalev-Gerz), em Hamburgo, e o Memorial contra o Racismo (Saarbrücken 1990–1993).
Ao contrário da encomenda oficial de Karlsruhe, um "presente" do Estado ao Estado, o memorial de Saarbrücken começou a ser executado clandestinamente por iniciativa de Jochen Gerz, então professor convidado da universidade local de belas-artes. Com um grupo de estudantes, o artista passou semanas retirando paralelepípedos da esplanada em frente ao palácio do governo durante à noite e gravando em cada pedra o nome de um cemitério judaico que existia na Alemanha antes do nazismo.
O memorial "invisível", iniciado sem encomenda de nenhuma instituição, acabou sendo encampado pelo governo. Projetos mais oficiais, como o de Karlsruhe, perderam este gesto provocador.