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Podcaster que defendeu direito de ser "antijudeu" é demitido

8 de fevereiro de 2022

Apresentador do "Flow" defende direito de nazistas terem partido no Brasil e difundirem suas ideias. Entidades e políticos rechaçam fala, e programa perde patrocínio de empresa e parceria com federação de futebol do Rio.

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Bruno Aiub, conhecido como Monark, fala em microfone
Depois da repercussão, Bruno Aiub, conhecido como Monark, divulgou vídeo dizendo que errou e pedindo desculpas por sua falaFoto: twitch.tv

O apresentador do podcast brasileiro Flow, Bruno Aiub, conhecido como Monark, foi demitido do cargo nesta terça-feira (08/02) após defender em um episódio gravado na segunda que o Brasil deveria ter um partido nazista, com autorização legal para fazer campanhas e disputar eleições.

A fala foi feita num episódio que recebia os deputados federais Tabata Amaral (PSB-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP). O debate girava em torno de regimes radicais de direita de esquerda, quando Monark defendeu o direito de ser antissemita e disseminar essas ideias.

"Se o cara quiser ser antijudeu, eu acho que ele deveria ter o direito de ser", afirmou Monark. "A esquerda radical tem muito mais espaço do que a direita radical na minha opinião. […] Eu acho que o nazista tinha que ter o partido nazista reconhecido pela lei."

Kataguiri, por sua vez, afirmou que a Alemanha teria errado ao criminalizar o nazismo em 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial, e que o melhor caminho seria deixar que a ideologia fosse "rechaçada pela sociedade". "Qual é a melhor maneira de impedir que um discurso mate pessoas e que um grupo étnico racial morra? É criminalizar? Ou é deixar que a sociedade tenha uma rejeição social?", questionou Kataguiri.

Tabata Amaral perguntou ao deputado se ele achava errado a Alemanha ter criminalizado o nazismo, e ele respondeu: "Acho". "A melhor maneira de você reprimir uma ideia antidemocrática, tosca, bizarra, discriminatória, é dando luz àquela ideia, para aquela ideia ser rechaçada socialmente", afirmou Kataguiri. Depois da repercussão, ele reafirmou, no Twitter, que considera melhor "expor a crueldade" do nazismo do que "sufocar o debate".

Tabata se opôs a ambos durante o podcast. "Liberdade de expressão termina onde a sua expressão coloca a vida do outro em risco. O nazismo é contra a população judaica, isso coloca uma população inteira em risco", afirmou, lembrando do Holocausto, que resultou no assassinato de 6 milhões de judeus.

Nesta terça-feira, Monark divulgou um vídeo com um pedido de desculpas. Ele disse ter errado na sua fala sobre o nazismo e que "estava muito bêbado" durante a gravação do programa. "Fui defender uma ideia [...] de um jeito muito burro, estava bêbado, falei de forma muito insensível com a comunidade judaica, e peço perdão pela minha insensibilidade". Ele também pediu "um pouco de compreensão, são quatro horas de conversa, eu estava bêbado, fui insensível sim, errei na forma como me expressei".

Em seguida, os Estúdios Flow, que produzem o podcast, divulgaram um comunicado informando que haviam retirado o último episódio do ar e rompido o vínculo com Monark.

"Reforçamos o nosso comprometimento com a Democracia e Direitos Humanos. (...) Esta decisão fora tomada em conformidade com o que determinam todos os preceitos de boa prática, nossa visão e missão", informa o comunicado, acrescentando que a empresa lamenta profundamente o ocorrido. "Pedimos desculpas à comunidade judaica em especial e a todas as pessoas, bem como repudiamos todo e qualquer tipo de posicionamento que possa ferir, ignorar ou questionar a existência de alguém ou de uma sociedade."

O podcast Flow já esteve entre os programas do gênero de maior audiência no Brasil, e já entrevistou os pré-candidatos a presidente Sergio Moro, do Podemos, e Ciro Gomes, do PDT.

Reação de entidades, políticos e empresas

Após a divulgação do podcast, o grupo Judeus pela Democracia divulgou uma nota no Twitter reafirmando que "ideologias que visam a eliminação do outros têm que ser proibidas", "racismo e perseguições a quaisquer identidades não são liberdade de expressão".

A Confederação Israelita do Brasil (Conib) também divulgou uma nota à imprensa na qual condenou de forma veemente a defesa da existência de um partido nazista no Brasil e o "direito de ser antijudeu", como disse Monark.

"O nazismo prega a supremacia racial e o extermínio de grupos que considera 'inferiores'. Sob a liderança de Hitler, o nazismo comandou uma máquina de extermínio no coração da Europa que matou 6 milhões de judeus inocentes e também homossexuais, ciganos e outras minorias. O discurso de ódio e a defesa do discurso de ódio trazem consequências terríveis para a humanidade, e o nazismo é sua maior evidência histórica", afirmou a Conib.

A Federação Israelita de São Paulo também se manifestou. Em nota, disse que "Monark insistiu que suas falas estariam escudadas no princípio da liberdade de expressão, demonstrando, a um só tempo, desconhecer a história do povo judeu, e a natureza de um princípio constitucional essencial, muitas vezes deturpado por aqueles que insistem em propagar um discurso que incita o ódio contra minorias".

O Museu do Holocausto no Brasil fez no Twitter um convite para Monark visitar a instituição. "Aqui, você perceberá que o nazismo foi muito além de pessoas exercendo, em suas palavras, o 'direito de serem idiotas.'"

Guilherme Boulos, do PSOL e líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), escreveu no Twitter que a fala de Monark era "inaceitável e abominável", lembrando que Bolsonaro era "um deputado com inclinações nazistas, que defendeu torturadores e extermínio, foi candidato e virou presidente do Brasil".

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) escreveu que a fala de Monark era "indefensável e indesculpável" e uma "total falta de compreensão do que seja liberdade".

Coletivos também pressionaram empresas que patrocinam o podcast Flow a cancelarem o financiamento do programa. Nesta terça-feira, a Flash Benefícios, uma das patrocinadoras, anunciou que solicitou o encerramento "formal e imediato" de seu contrato com o podcast. "Não há sociedade livre quando há intolerância ou busca de legitimação de discursos odiosos, nazistas e racistas", afirmou a empresa em nota.

A Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro também informou nesta terça que rompeu o contrato que mantinha com o Flow que o autorizava a transmitir os jogos do Campeonato Carioca 2022. Em nota, a entidade explicou que o podcast havia feito "apologia ao nazismo".

Em outubro de 2021, o Flow já havia perdido o patrocínio do aplicativo de entregas iFood, após Monark ter publicado mensagens no Twitter que relativizavam limites da liberdade de expressão. Entre outros, ele havia questionado se "ter uma opinião racista" era crime.

O que diz a lei

A Lei 7.716 de 1989, sobre os crimes de preconceito de raça e de cor, define que é crime "fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo".

Em 2003, num julgamento paradigmático, o Supremo Tribunal Federal confirmou a condenação criminal do editor gaúcho Siegfried Ellwanger, que publicou livros antissemitas. Os ministros entenderam que ele não estava protegido pelo direito à liberdade de expressão.

Apesar de ser crime, a ONG Safernet, que monitora violações a direitos humanos na internet, identificou em 2020 um aumento do número de denúncias sobre conteúdo neonazista, confirmado pela antropóloga Adriana Dias, doutora pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que pesquisa movimentos do tipo.

O governo Jair Bolsonaro também se viu envolvido em episódios de reprodução de mensagens nazistas. Em janeiro de 2020, o então secretário da Cultura do governo, Roberto Alvim, divulgou uma fala em vídeo na qual copiava trecho de um discurso de Joseph Goebbels, que foi ministro da Propaganda de Adolf Hitler. Ele perdeu o cargo no dia seguinte.

Em maio de 2020, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) divulgou um vídeo sobre medidas adotadas pelo governo no combate à pandemia que utilizava a mensagem "O trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil", o que provocou repúdio de entidades judaicas dada a semelhança com a frase "O trabalho liberta" ("Arbeit macht frei", em alemão), inscrita na entrada do antigo campo de extermínio de Auschwitz, mantido pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

bl/av (ots)