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Partidos ignoram lei que coíbe violência política de gênero

22 de dezembro de 2022

Enquanto deputadas e vereadoras são agredidas e desrespeitadas pelos próprios colegas, maioria das legendas não aderiu às mudanças exigidas por lei que criminaliza a violência política contra a mulher, aprovada em 2021.

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A deputada estadual Mônica Seixas (Psol), de São Paulo
Em São Paulo, a deputada estadual Mônica Seixas (Psol), reeleita, já sofreu inúmeras agressões físicas e verbais e ajudou a idealizar a campanha "Nós por Nós"Foto: Carol Jacob/Alesp

O Brasil experimentou a sua primeira disputa eleitoral, neste ano de 2022, com regras claras de combate e criminalização à violência política de gênero. A maioria dos partidos políticos do país, no entanto, segue omissa ou estagnada em relação às mudanças exigidas pela Lei nº 14.192/2021, aprovada em agosto do ano passado.

A legislação criminaliza a violência política contra a mulher e assegura a participação proporcional de mulheres nas estruturas partidárias, nas disputas eleitorais e nos debates políticos. Pelas novas regras, todos os partidos deveriam ter alterado seus estatutos até fevereiro deste ano com normas claras de prevenção e repressão à violência política de gênero, mas a exigência legal é ignorada e está no radar do Ministério Público Eleitoral (MPE).

Coordenadora do Grupo de Trabalho de Violência Política de Gênero na Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE), a procuradora Raquel Branquinho afirmou à DW Brasil que pretende, a partir de janeiro de 2023, se concentrar nas exigências estatutárias propostas pela nova lei e realizar um amplo debate sobre o tema com instituições e legendas partidárias.

Segundo ela, os partidos políticos estiveram focados na prestação de contas das eleições e nos pedidos de impugnação eleitoral, que só podiam ser feitos até o dia 19 deste mês. Depois desses prazos, no entanto, não há mais desculpas para adiar mudanças no funcionamento das estruturas partidárias para assegurar a maior participação das mulheres tanto nas estruturas formais e de direção das legendas quanto nas disputas políticas futuras.

Desde que o Grupo de Trabalho começou a funcionar, no segundo semestre de 2021, a procuradora enviou ofícios a todos os partidos com registro e em funcionamento no país alertando sobre a necessidade de alterarem os estatutos em conformidade com a nova lei. "Reforçamos a necessidade de atenderem os preceitos legais. Nenhum partido respondeu", conta Branquinho.

Numa segunda ofensiva, a PGE optou por fazer uma recomendação, que é um ato formal, com orientações sobre quais deveriam ser as mudanças no estatuto, ficando claro como o partido iria agir na prevenção e repressão de violência política de gênero. Os partidos, então, foram respondendo gradualmente. O Grupo de Trabalho chefiado por Branquinho chegou a fazer uma nota técnica mostrando padrões "standard" de combate à violência política de gênero, com base na nova lei e em orientações da ONU.

Dos 32 partidos políticos e três federações partidárias com registro de funcionamento no país, 13 contemplam, parcialmente, as exigências: PCB, PC do B, PSC, Cidadania, PL, PROS, Agir, PSD, PMB, União, Republicanos, Federação Brasil da Esperança (PT, PC do B, PV) e Federação Psol-Rede. Outros seis (Avante, PSB, PSDB, PSTU, PV e Solidariedade) disseram à PGE que vão adotar medidas de adaptação nos estatutos, mas até o momento não apresentaram propostas concretas. Há ainda um terceiro grupo, composto por 13 partidos (DC, Patriota, Novo, PCO, PMN, Podemos, PP, PRTB, Psol, PT, PTB, Rede e UP), que ainda não se manifestou quanto à adoção de providências para promover alterações em seus estatutos para contemplar exigências legais de prevenção e repressão à violência política de gênero.

"Os partidos devem ter uma política preventiva estável, correta, transparente e perene para fortalecer a participação política feminina. E devem abrir a participação feminina nas esferas do próprio partido", enfatiza a procuradora. Ela pontua, ainda, que a Constituição Federal prevê a destinação de pelo menos 5% das verbas do fundo partidário para "fomentar a atuação de mulheres e negros na política". Para Branquinho, se a lei determinasse cortes de fundo partidário caso as legendas não tenham normas de prevenção e repressão à violência política de gênero, a realidade seria outra e os partidos já teriam atendido às recomendações legais.

Branquinho espera que o Grupo de Trabalho continue a funcionar no Ministério Público a partir de 2023, quando toma posse o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Caso o trabalho prossiga, ela pretende organizar um simpósio em janeiro com participação de dirigentes partidários, ONGs, sociedade civil e advogados para debater o impacto da lei e mudanças necessárias.

Violência psicológica, moral, física, simbólica e estrutural

O MPE e o Tribunal Superior Eleitoral trabalharam em conjunto no combate à violência de gênero neste pleito. O Grupo de Trabalho de Violência Política de Gênero, criado na Procuradoria-Geral Eleitoral, abriu 112 procedimentos relacionados ao assunto violência política de gênero. Desses, cinco viraram denúncia e aguardam julgamento. Os outros procedimentos estão em fase de coleta de informações. Há ainda inúmeros outros casos encaminhados diretamente às promotorias eleitorais dos estados.

"A maior parte dos crimes de violência política de gênero ocorre no ambiente de trabalho, contra mulheres que têm mandatos eletivos, sobretudo nos parlamentos, e são praticados por seus próprios pares", constata Raquel Branquinho. Tem sido comum, salienta, os políticos invocarem a "imunidade parlamentar", a liberdade de manifestação de fala e pensamento, para justificar agressões verbais contra mulheres na política.

É preciso um período de maturação da nova lei, na visão de Branquinho. "É a luta do diálogo numa sociedade que tem 53% de mulheres." A procuradora afirma que as ações afirmativas, como a exigência de cotas e candidaturas proporcionais de mulheres (pelo menos 30%), são positivas, mas ainda não suficientes para alterar o quadro de sub-representação feminina na política.

"Há uma enorme dificuldade de interpretar o que é assediar, perseguir e humilhar [as mulheres]. Esse olhar precisa ser capacitado. Para muitos, tirar o microfone de uma vereadora é um ato que pode fazer parte da disputa política acirrada no legislativo, mas na realidade não é. É crime. Precisamos dar um basta. Não dá mais para perseguir e intimidar as mulheres, ainda mais no campo político. As mulheres são xingadas pela forma física e jeito de ser, e não por seu discurso político, como os homens. Adversários políticos tratam homens e mulheres de forma totalmente diferenciada. No caso da mulher, querem enfraquecer sua figura, sua credibilidade e sua atuação. É crime", sentencia a coordenadora do Grupo de Trabalho.

O machismo estrutural, diz Raquel Branquinho, é um obstáculo também no sistema jurídico, que precisará ser contornado para assegurar a vigência da nova lei. "Temos que fazer essa consciência política e técnica do aparato do sistema de Justiça, sobretudo na porta de entrada dessa lei, que é o Ministério Público."

Estrutura de poder masculina

O fato de as estruturas de poder no Legislativo e no Judiciário serem majoritariamente masculinas dificulta a aplicação da lei, aponta Ana Claudia Santano, coordenadora da Transparência Eleitoral Brasil e professora de direito constitucional, eleitoral e direitos humanos.

"O juiz é homem, o promotor é homem, o presidente da Assembleia ou da Câmara é homem." Dentro do próprio Ministério Público, sustenta a especialista, muitas vezes prevalece o entendimento de que parlamentares não podem ser processados por atos violentos cometidos contra colegas mulheres (conforme a descrição da lei) por causa da imunidade parlamentar.

Para Santano, que também integra o Grupo de Trabalho de Violência Política de Gênero, esse debate precisa ser amplamente difundido dentro do Judiciário, no Congresso e nos legislativos estaduais e municipais. "Precisamos de uma educação profunda nas instituições e precisamos construir uma jurisprudência sobre esse tema. Nossa expectativa é que entre na pauta de forma definitiva e que a gente possa introduzir o conhecimento técnico sobre violência política de gênero. Queremos desnaturalizar as violências políticas contra a mulher e colocar esse debate na arena, pois as próprias mulheres aceitam esse comportamento."

O caminho, prevê a coordenadora da Transparência Eleitoral, será longo, mas as mulheres estão voltando a confiar nos canais de denúncia e em algumas instituições, como a PGE.

Mudando a cultura nas Assembleias Legislativas e Câmaras

Agredidas e desrespeitadas cotidianamente pelos próprios colegas, deputadas e vereadoras começaram não apenas a denunciar casos de violência de gênero, como também a unir esforços para pressionar as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais a mudarem o regimento interno com objetivo de incorporar os conceitos de violência de gênero previstos em lei.

Em São Paulo, a deputada estadual Mônica Seixas (Psol), reeleita, já sofreu inúmeras agressões físicas e verbais e ajudou a idealizar a campanha "Nós por Nós". O objetivo é fazer a coleta de diversos casos de violência política de gênero em todo o país e montar um banco de dados.

No primeiro semestre, Mônica foi silenciada no plenário pelo deputado Wellington Moura, vice-presidente da Assembleia Legislativa. Ele disse que colocaria um "cabresto" na deputada. Foi aberto um pedido de cassação do deputado, que não prosperou e acabou arquivado pelos parlamentares. O Ministério Público Eleitoral, no entanto, abriu um novo procedimento de investigação.

Em constante parceria com a ONU, a campanha quer formular estratégias para acolher as mulheres que se sentem intimidadas e agredidas nos parlamentos locais. Para a deputada, houve um ligeiro aumento da representatividade política de mulheres no Brasil nos últimos anos, mas isso veio acompanhado também de um salto de violência. Ela relata que, na Assembleia de São Paulo, a bancada de mulheres já criou até códigos de pedido de socorro. Além de toques desrespeitosos em seus corpos, ofensas e tentativas constantes de silenciamento, as deputadas também recebem, segundo ela, constantes ameaças de morte e de estupro coletivo.

"Existe uma percepção de que o corpo da mulher é público. Já tocaram minha virilha debaixo da mesa durante uma reunião. Os homens estão muito acostumados a esses espaços de poder. Precisamos, agora, avançar na punição", afirma a parlamentar, que considera a lei um avanço fundamental, mas enxerga a criminalização concreta da violência política de gênero ainda uma realidade distante.