Os principais trechos da reunião de Bolsonaro com ministros
9 de fevereiro de 2024O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes retirou nesta sexta-feira (09/02) o sigilo do vídeo de uma reunião ministerial ocorrida durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. A gravação foi uma das principais peças que resultaram na operação da Policia Federal (PF) realizada no dia anterior contra o ex-mandatário e seus aliados.
A Operação Tempus Veritatis da PF investiga uma suposta organização criminosa que teria atuado na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de direito. O objetivo do grupo era rejeitar uma possível derrota eleitoral de Bolsonaro e encontrar meios de mantê-lo no poder.
Em nota, a Polícia Federal afirma que a reunião, realizada em 5 de julho de 2022, teve como finalidade cobrar dos presentes ações para a promoção ilegal de desinformação e ataques à Justiça Eleitoral.
Bolsonaro exigiu que seus ministros trabalhassem para disseminar informações falsas no intuito de evitar uma eventual derrota nas eleições presidenciais de outubro daquele ano para o petista Luiz Inácio Lula da Silva.
"Essa narrativa serviu, como um dos elementos essenciais, para manter mobilizadas as manifestações em frente às instalações militares, após a derrota eleitoral e, com isso, dar uma falsa percepção de apoio popular, pressionando integrantes das Forças Armadas a aderirem ao golpe de Estado em andamento", diz a PF.
As imagens foram encontradas pela PF no computador do tenente-coronel Mauro Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
"A gente vai ter que fazer alguma coisa"
Na reunião, o então mandatário disse aos ministros que era necessário agir antes das eleições para evitar um cenário caótico no país.
"Nós sabemos que se a gente reagir depois das eleições, vai ter um caos no Brasil. Vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira", afirmou.
"Quem tem dúvida que a esquerda, como está indo, vai ganhar as eleições? Não adianta eu ter 80% dos votos, eles vão ganhar as eleições", disse Bolsonaro, insinuando uma possibilidade de fraude no processo eleitoral.
"Todos aqui têm uma inteligência bem acima da média. Todos aqui, como todo povo ali fora, têm algo a perder. Nós não podemos deixar chegar as eleições e acontecer o que está pintado. Vocês estão vendo agora que (sic) eu acho que chegaram à conclusão. A gente vai ter que fazer alguma coisa antes."
Mais tarde, Bolsonaro aparece propondo que os presentes na reunião participassem da redação de um documento que afirmaria a impossibilidade de "definir a lisura das eleições".
Críticas à Comissão de Transparência do TSE
"Eu acho que não tem bobo aqui. Pô (sic), mais claro do que está aí, mais claro, impossível." O ex-presidente sugere "botar algo escrito" e pedir que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Polícia Federal participassem da elaboração do texto, para dar credibilidade ao documento.
"Uma nota conjunta de vocês todos. Topam? Que até o presente momento, dado (sic) as condições de se definir a lisura das eleições são simplesmente impossível de serem atingidas", propõe Bolsonaro.
O ex-mandatário ironizou o trabalho da Comissão de Transparência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), criada pelo então presidente da Corte, o ministro Luís Roberto Barroso, em reação aos inúmeros ataques ao sistema eleitoral proferidos por ele e seus aliados. O colegiado contava com a participação de representantes das Forças Armadas.
"O TSE cometeu um erro [...] quando convidou as Forças Armadas para participar da Comissão de Transparência Eleitoral. Eles erraram. Para nós, foi excelente. Eles se esqueceram que eu sou o chefe supremo das Forças Armadas?", questiona.
A Comissão também era integrada por 12 especialistas em tecnologia e representantes de instituições públicas e privadas que acompanharam todas as etapas do processo eleitoral.
"Alguém aqui acredita em Fachin, Barroso e Moraes?"
Bolsonaro questionou a isenção dos ministros do STF em relação ao processo eleitoral.
"Os caras estão preparando tudo, pô (sic), para o Lula ganhar no primeiro turno, para a fraude. Vou mostrar como e por quê. Alguém aqui acredita em Fachin, Barroso, Alexandre de Moraes [ministros do STF]? Você acredita, então levanta o braço. Acredita que eles são pessoas isentas? Que estão preocupados em fazer justiça? Em seguir a Constituição?"
"Essa cadeira aqui é uma cagada estar comigo, uma cagada. Eu vou explicar a cagada. Não vai ter outra cagada dessa no Brasil, cagada do bem, para deixar bem claro", afirmou, dizendo que o fato de ele estar ocupando a cadeira de presidente da República resultaria de um equívoco das autoridades.
"Como é que eu ganho uma eleição? Um f... como eu? Deputado do baixo clero, escrotizado (sic) dentro da Câmara, sacaneado, gozado."
Bolsonaro volta a mencionar a possibilidade de fraude e insinua que os ministros do STF citados por ele estariam recebendo dinheiro para agir contra os interesses de seu grupo político.
"Pessoal, perder uma eleição não tem problema nenhum. Nós não podemos é perder a democracia numa eleição fraudada. Olha o Fachin. Os caras não têm limite. Eu não vou falar que o Fachin tá levando 30 milhões de dólares. Não vou falar isso aí. Ou que o Barroso tá levando 30 milhões de dólares. Não vou falar isso aí. Que o Alexandre de Moraes tá levando 50 milhões de dólares. Não vou falar isso aí. Não vou levar pra esse lado. Não tenho prova, pô! Mas algo esquisito está acontecendo", disse o então chefe de governo.
Medo de vazamentos
O general Augusto Heleno, então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), protagonizou um dos momentos mais críticos da reunião, ao defender uma "virada de mesa" antes das eleições de outubro.
Num primeiro momento, ele menciona um plano para infiltrar agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) nas campanhas de Bolsonaro e Lula.
"Dois pontos para tocar aqui, presidente. Primeiro, o problema da inteligência. Eu já conversei ontem com o Victor [Felismino Carneiro], novo diretor da Abin, nós vamos montar um esquema para acompanhar o que os dois lados vão fazer."
"O problema todo disso é se vazar qualquer coisa. Muita gente se conhece nesse meio. Se houver qualquer acusação de infiltração desse elemento da Abin em qualquer um dos lados [...]", afirmava Heleno, quando foi interrompido por Bolsonaro, que temia que essa conversa também acabasse sendo vazada.
"General, eu peço que o senhor não fale por favor. Peço que o senhor não prossiga mais na sua observação", disse Bolsonaro. "Se a gente começar a falar 'não vazar', esquece. Pode vazar. Então a gente conversa particular na nossa sala sobre esse assunto".
"Virar a mesa antes das eleições"
Após a intervenção do então presidente, Heleno retoma a fala e ressalta a necessidade de o governo agir antes mesmo das eleições para evitar uma derrota bolsonarista.
"O segundo ponto é que não tem VAR [sistema de vídeo usado para dar apoio aos árbitros em jogos de futebol] nas eleições. Não vai ter segunda chamada na eleição, não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições. Depois das eleições, será muito difícil que tenhamos alguma nova perspectiva."
"Até porque eles vão fazer tão bem feito que essa conversa do Fachin foi exatamente com os embaixadores para que elimine a possibilidade de o VAR acontecer. No dia seguinte, todo mundo reconhece e fim de papo", continuou o ex-chefe do GSI.
"Isso aí tem que ficar bem claro, acho que as coisas têm que ser feitas antes das eleições. Vai chegar um ponto em que não vamos poder mais falar, vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e determinadas pessoas, isso para mim é muito claro. Só isso."
Nas últimas semanas, a Abin se tornou alvo de uma investigação da PF sobre um suposto esquema de monitoramento ilegal de celulares baseado em uma ferramenta utilizada pela agência durante o governo Bolsonaro. O caso levou o presidente Lula a demitir o diretor-adjunto do órgão, Alessandro Moretti.
Segundo a PF, o monitoramento era feito por uma "estrutura paralela na Abin", que usava ferramentas da agência para ações ilícitas, "produzindo informações para uso político e midiático, para a obtenção de proveitos pessoais e até mesmo para interferir em investigações da Polícia Federal".
"Eleições como a gente sonha"
Na gravação, o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, afirma que se reunia todas as semanas com comandantes das Forças Armadas para discutir o processo eleitoral, no intuito de assegurar "eleições como a gente sonha", ou seja, com a reeleição de Bolsonaro.
Nogueira menciona a participação de técnicos escolhidos por sua pasta na Comissão de Transparência do TSE, que contribuiriam com uma auditoria da votação. Ele, no entanto, pediu que suas declarações ficassem em sigilo e chamou a comissão do TSE de "conversa para boi dormir".
No vídeo, Nogueira diz que os comandantes das Forças Armadas trabalhavam para que houvesse "êxito" na reeleição de Bolsonaro como "presidente de todos nós".
"Senhor presidente, eu estou realizando reuniões com os comandantes de Forças quase que semanalmente. Esse cenário nós estudamos, nós trabalhamos, nós temos reuniões pela frente decisivas pra gente ver o que pode ser feito, que ações poderão ser tomadas para que a gente possa ter transparência, segurança, condições de auditoria e que as eleições se transcorram da forma como a gente sonha, e o senhor, com o que a gente vê, no dia a dia, tenhamos o êxito de reelegê-lo e ser o presidente de todos nós."
TSE como "o inimigo"
Em um dado momento, Nogueira se referiu à comissão do TSE como "o inimigo", e disse que mantinha contato com o grupo no intuito de exercer pressão em cada fase do processo.
"O que eu sinto, nesse momento, é apenas na linha de contato com o inimigo. Ou seja, na guerra, a gente (sic) ‘linha de contato, linha de partido, eu vou romper aqui e iniciar minha operação'. Eu vejo as Forças Armadas e o Ministério da Defesa nessa linha de contato. Nós temos, sim, que precificar e ajudar nesse sentido, para que a gente não fique sozinho nesse processo. Nós estaremos em cada fase pressionando. E daí? Nós vamos ter um sucesso, um resultado, uma transparência, uma segurança, uma condição de dizer: 'não, realmente é mínima a chance de fraude, ou é grande a chance de fraude?'", observou.
As Forças Armadas também participaram da supervisão do processo eleitoral no papel de entidade fiscalizadora – aquelas que têm acesso a sistemas eleitorais desenvolvidos pelo TSE e ao código-fonte, um conjunto de linhas de programação de um software com as instruções para o funcionamento do sistema.
Em 2023, o TSE decidiu, por unanimidade, retirar as Forças Armadas da relação de entidades fiscalizadoras.
rc/le (ots)