Os heróis da música brasileira na Alemanha
3 de janeiro de 2004A rica musicalidade do Brasil é um refúgio cultural para muitos dos brasileiros que chegam à Alemanha todos os anos. Centenas de músicos – e não-músicos, diga-se a verdade – escolhem como sua principal ocupação fazer com que os ritmos do país tropical cheguem aos ouvidos dos alemães e dos conterrâneos imigrados. Samba, maracatu, bossa nova: as opções são muitas, e todas têm espaço no amplo mercado alemão de música.
Um dos pioneiros é um fluminense de Parati. Osmar Oliveira chegou à Alemanha em 1981, disposto a conhecer melhor o país que despejava tantos turistas na sua cidade natal. Veio para aprender um pouco da língua e ficar seis meses. Está na Alemanha até hoje e é o fundador do Samba Tuque Brasil, grupo tipicamente brasileiro com base em Munique.
“Você tem de estar preparado para tocar o que o público quer ouvir”, ensina, do alto dos seus 20 anos de experiência. O Samba Tuque faz entre 120 e 150 apresentações por ano. No repertório estão os últimos sucessos das rádios brasileiras e, no palco, além dos músicos, as tradicionais mulatas. E elas são imprescindíveis? “Há 10, 15 anos, sim. Agora não se pode mais dizer isso. Antes elas tinham que estar lá. Agora o público quer mais o grupo, a música, quer dançar. O público quer ser o show”, diz Osmar.
Estereótipos
E o público alemão adora música brasileira, ainda que nem todos os ritmos sejam conhecidos e a associação mais comum seja com a trinca samba, mulatas e carnaval. Para quem se dedica a outros estilos, isso pode ser incômodo. “Eu já fui tocar em lugar de oba-oba e o público não gostou. Eu era o cara errado, no lugar errado, na hora errada. Hoje parei com isso”, conta o baiano Paulo Noronha, há dez anos na Alemanha e morador de Düsseldorf. “Esse negócio de botar meninas para dançar e tocar pagode a noite inteira não é comigo.”
Noronha inclui Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal e MPB no seu repertório. “Gosto muito do João Bosco.” Ele conta que faz muitos concertos em institutos culturais, lançamentos de livros e universidades. “É onde posso mostrar o meu trabalho e ainda ser bem remunerado. Em bares, mudo o repertório. Aí tem que tocar o que o povo conhece. Sempre tem que tocar Garota de Ipanema, por exemplo.”
Criada em Berlim há cerca de dois anos e meio e formada por 12 mulheres, a Banda Batuque Rainhas do Norte toca maracatu. “Nossa base musical é maracatu nação de baque virado”, sublinha a fundadora Neide Alves. Ela concorda que muitos alemães têm uma visão estereotipada do Brasil. “As pessoas entendem que música brasileira é samba. O nosso país é tão grande e tem tantos ritmos.”
Neide diz já estar mais acostumada com os estereótipos. “O samba é o nosso cartão postal. Às vezes ajuda. Muitos alemães falam com entusiasmo do Brasil, que eles associam ao samba e ao futebol. Eu já me acostumei. Hoje aceito numa boa e acho bonito. Mas falta divulgação”, afirma.
Dificuldades
A falta de divulgação também é uma reclamação de José Geraldo Datovo, da Banda Brasil Corcovado. “Os alemães ainda estão na bossa nova, confundem samba com salsa. Mas a culpa é do nosso país.” Geraldo se queixa das dificuldades de conseguir espaço (“O gerente de uma rádio de Colônia até fala português, mas não dá nem 15 minutos para a música brasileira”) e bota boa parte da culpa no governo brasileiro. “A embaixada brasileira não se preocupa em divulgar a nossa música. Se você ligar para lá, nem uma lista de bandas brasileiras na Alemanha eles têm. Se tiverem, está desatualizada.” Para ele, as gravadoras brasileiras também não têm interesse em divulgar os seus artistas no exterior. “O mercado nacional já é muito forte”, opina.
A música brasileira pode não ter espaço nas rádios comerciais, mas é respeitada em circuitos alternativos. Nomes como Fernanda Porto, Chico César, Carlinhos Brown e até os praticamente desconhecidos no Brasil Totonho e os Cabra constam da World Music Charts Europe, a parada oficial do gênero, com as músicas mais executadas em cerca de 20 estações européias. Na Alemanha, pelo menos duas emissoras se dedicam à World Music: a Radio Multikulti, de Berlim, e a WDR Funkhaus Europa, de Colônia. “Em Berlim, o maracatu está um pouco em moda. O Chico Science foi uma importante porta para essa nova linguagem”, afirma Neide.
Para ela, a crescente comunidade brasileira na Alemanha poderia ser mais unida. “Veja os cubanos, por exemplo. Eles fazem muita coisa. Sempre tem festivais, concertos, discussões. Eles são mais organizados.” Noronha fala da necessidade de um teatro brasileiro. “Um espaço cultural onde se pudesse mostrar mais a arte e a cultura brasileiras. Isso faz falta.”
Queimando o filme
Outra reclamação freqüente é a presença de aventureiros no meio. “Tem muita gente que nunca fez música no Brasil e vem tentar a sorte na Alemanha com a idéia de que fazer música e dançar samba é fácil”, conta Geraldo. Os problemas surgem quando os aventureiros se deparam com o decantado profissionalismo alemão. “Não existe meio-termo. O alemão exige responsabilidade e muitos não conseguem. Você tem que chegar na hora e merecer o dinheiro que está ganhando. E isso é uma mudança radical para muita gente que vem para cá”, diz Osmar.
“Se você é profissional consegue um certo status”, afirma Noronha. “Às vezes eles ligam com seis meses de antecedência e se você der a sua palavra, está feito. Às vezes você até perde dinheiro.” Segundo ele, muitos artistas brasileiros cancelam compromissos assumidos há mais tempo quando surge uma oportunidade mais rentável. “Aí você deixa o pessoal na mão e acaba queimando o filme. Eu conheço músico que teve que voltar para o Brasil porque estava muito queimado”, conta.