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O caldeirão efervescente da "world music"

Soraia Vilela, de Sevilha27 de outubro de 2003

A Womex, feira alemã de "músicas do mundo", acontece alternadamente um ano em casa e outro fora do país. Na versão de 2003 em Sevilha, o evento teve entre seus destaques um bom contingente de pernambucanos.

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O sucesso do Buena Vista Social Club não abriu caminho para outros latinosFoto: AP

Cunhado há mais de 15 anos, o termo "world music" passou gradualmente do gueto que ocupava no mercado fonográfico às largas prateleiras das grandes lojas européias. Na salada oferecida, encontra-se desde o mais espalhafatoso "axé versão para gringo ver" até as mais apuradas novidades do mercado musical. Se especialistas sabem onde encontrar seus nichos, para os leigos pode ser uma tarefa árdua separar o joio do trigo.

Fast food do "exótico"?

Em uma série de palestras e encontros durante a Womex em Sevilha este ano (22 a 26/10), músicos, compositores, produtores, agentes, representantes de selos e jornalistas discutiram os destinos e as contradições que caracterizam o que se convencionou chamar na Europa e nos EUA de "músicas do mundo". Uma das propostas dos organizadores foi questionar se o mercado de "world music" acaba funcionando como uma espécie de McDonald's do exótico, homogeneizando em um único caldeirão gêneros e formas musicais que não possuem qualquer signo comum.

Estaria a comercialização cada vez maior da música de países pobres – disfarçados com a etiqueta "em desenvolvimento" – servindo apenas de alimento para um consumidor europeu ou norte-americano ávido por diversão? Mixar a tradição com o moderno, oriente e ocidente, matéria-prima "arcaica" com roupagem high tech viabiliza realmente uma sociedade "global" multicultural?

Direitos autorais em questão

Quais são os efeitos reais da busca pelo "exótico" empenhada por jovens europeus classe média, que enchem os clubes das grandes cidades a cada show de uma banda senegalesa, indiana ou brasileira? E como é possível trilhar o caminho inverso, pagando devidamente os direitos autorais de compositores africanos – cujas obras são executadas à exaustão em rádios européias – mesmo quando estes não dispõem de nenhuma forma organizada de recolher o que lhes é devido?

Se as perguntas são infindáveis, as respostas e soluções são poucas. Relegados a último plano pelas grandes gravadoras e espremidos em um mercado extremamente competitivo, os selos independentes latino-americanos, por exemplo, são uma das principais vítimas da crise por que passa a indústria fonográfica, observa o alemão Matthias Möbius, do selo Danza e Movimiento, de Hamburgo.

A primeira dificuldade para quem vem de fora e quer fincar os pés no mercado europeu é entender as regras do jogo. "Não existe na Europa um mercado único de distribuição e é impossível colocar um produto à venda em toda a Europa. Uma porta de entrada são os nichos de tango ou salsa, por exemplo, mas aí as pessoas muitas vezes nem sabem o que estão ouvindo. É uma chance de entrar no mercado como um desconhecido. O boom Buena Vista (Buena Vista Social Club, tema do documentário de Wim Wenders, que se tornou um enorme sucesso de vendas) fez muita gente pensar que haveria uma explosão de música latina, mas aconteceu o contrário. Surgiram muitas compilações, feitas por pessoas que não têm o menor conhecimento sobre este tipo de música", resume Möbius. Outro problema que assola com freqüência músicos vindos da América Latina é perceber que aquilo que "faz sucesso" nos países de origem nem sempre é bem recebido no exterior. Ou seja, continua valendo a regra de maquiar o produto de casa para vender lá fora?

Comércio politicamente correto

Pelo sim, pelo não, estar presente na enorme bolsa de trocas que é a Womex traz bons frutos, como ressalta Paulo André Pires – um freqüentador assíduo da feira em todas suas edições. Para o divulgador dos trabalhos de Nação Zumbi, Otto e DJ Dolores – os pernambucanos que sacudiram o público em seus shows durante a feira em Sevilha – poder mostrar aos especialistas de todo o mundo nomes ainda desconhecidos do grande público (inclusive do brasileiro), pode ser essencial.

Com a avalanche de perguntas deixadas em aberto, o já estabelecido mercado de músicas do mundo continua, contudo, funcionando como qualquer outro. E neste contexto, a Womex cumpre seu papel de feira: fomenta a compra e venda, maquia e oferece o produto, promove o artista, reúne interessados e divulga para a mídia.

Mesmo que o discurso politicamente correto permaneça pairando como máxima, como dita o catálogo do evento: "As tradições musicais não são menos valiosas que florestas virgens, espécies em extinção ou patrimônio histórico. Elas são necessárias para preservar linguagens e culturas sob a égide da globalização". Certamente.