Os altos e baixos do Ministério da Saúde, criado há 70 anos
25 de julho de 2023Assinada pelo então presidente Getúlio Vargas (1882-1954) em 25 de julho de 1953, a lei número 1920 criou o Ministério da Saúde no Brasil. Nas últimas sete décadas, a pasta enfrentou desafios de um país subdesenvolvido, de dimensões continentais e exposto a doenças tropicais. Mesmo assim, atestam os especialistas, é preciso reconhecer os avanços decorrentes das políticas públicas sanitárias.
"Certamente a instituição do Programa Nacional de Imunizações [em 1973] figura entre as iniciativas mais importantes [do ministério]”, avalia o médico sanitarista Claudio Maierovitch, pesquisador na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A vacinação em massa erradicou a poliomielite no Brasil — o último caso foi registrado em 1989 — e fez diminuir a incidência e a gravidade de uma série de outras patologias. Mas, diante de discursos negacionistas e falta de investimentos em campanhas, sobretudo nos anos do governo Jair Bolsonaro, há uma queda histórica da cobertura vacinal e especialistas já veem risco inclusive para o retorno da pólio. Pesquisa divulgada em outubro pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Organização Mundial da Saúde mostrou que a taxa de vacinação infantil no Brasil caiu de 93,1% para 71,49% — número este que faz com que o país figure entre os dez com pior cobertura vacinal no mundo, segundo o levantamento.
"Esse [a vacinação] foi um dos maiores ganhos à saúde pública brasileira e que infelizmente sofreu um forte ataque do governo anterior", avalia o historiador Leonardo Dallacqua de Carvalho, doutor em história das ciências e saúde da Casa de Oswaldo Cruz (associada à Fiocruz) e professor na Universidade Estadual do Maranhão (Uema).
Outro ponto importante na história do Ministério da Saúde, enfatizado por Maierovitch, foi "a unificação das áreas de saúde pública e de assistência de saúde", e isso se tornou praxe a partir da Constituição Federal de 1988, que criou o Sistema Único de Saúde (SUS). "A criação do SUS e a extinção do Inamps [Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social] foi fundamental para o desenvolvimento do modelo brasileiro […], com a definição clara de direitos dos cidadãos e responsabilidades do Estado", argumenta o médico.
"De fato, a Constituição foi pedra angular para o direito à saúde pública", acrescenta Carvalho. "Na condição de cláusula pétrea temos mais um avanço que possibilita o Ministério da Saúde agir com bom orçamento e autonomia administrativa nas diferentes regiões do país. Não por acaso o ministério se tornou um centro de disputa política em diferentes governos na tentativa de gerir o seu orçamento. Este é um ponto a se tomar cuidado no Brasil democrático."
O setor enfrenta dificuldades financeiras. De acordo com levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Para Políticas de Saúde (IEPS) e divulgado em maio deste ano, os investimentos em saúde pública no Brasil caíram 64% entre 2013 e 2023 — de R$ 16,8 bilhões para R$ 6,4 bilhões. São do governo Bolsonaro os menores repasses do histórico: R$ 4,1 bilhões em 2020 e R$ 4,4 bilhões em 2022.
Histórico
Professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), o sociólogo Gabriel Rossi lembra que no período colonial e imperial do Brasil, "perto de nada foi feito para a saúde pública". "Era algo destinado aos grandes latifundiários e a elite de forma mais geral", comenta ele. "O resto da população recorria às Santas Casas de Misericórdia que tinham limitações técnicas e orçamentárias."
A criação de um ministério exclusivo para questões de saúde já era uma preocupação antiga de alguns setores da administração pública brasileira. No Congresso Nacional, há registros de debates sobre a necessidade de criação de um ministério exclusivo para a saúde desde 1910 — mas, como lembra Rossi, isso acabou barrado pelas oligarquias.
"Um ministério voltado à saúde é uma exigência conectada à realidade da população brasileira que historicamente foi desassistida", comenta o historiador Carvalho. "Foram vários os momentos em que se pensou em estratégias como a Diretoria Geral de Saúde Pública [de 1897], o Departamento Nacional de Saúde Pública [de 1920] ou o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública [1930]. Ao longo da História do Brasil, a criação dessas ferramentas públicas sinalizava uma tentativa de alcançar um público brasileiro que não tinha acesso à saúde."
Carvalho avalia que, com a instituição da pasta, em 1953, "houve uma ação vertical [do governo] preocupada com a vigilância da saúde, a assistência da população e o cuidado em relação às doenças endêmicas e parasitárias".
Era um contexto, pós-Segunda Guerra, em que houve maciços investimentos em infraestrutura e industrialização. "Cresciam as cidades, onde se instalava um proletariado urbano. Eram precárias as condições sanitárias e as políticas sociais", ressalta Maierovitch. "Endemias urbanas ganhavam mais vulto e doenças mais comuns no campo cresciam exponencialmente nas cidades."
Havia ainda, como lembra Rossi, "a crença de que a melhora da saúde da população acabaria com o subdesenvolvimento nacional". "E algo pragmático também: Vargas precisava ganhar apoio político em um período de incerteza e crise", pontua o sociólogo.
Maierovitch acrescenta que o presidente, alguém afeito a acenar para o operariado, tinha de dar uma resposta à demanda. E separar a pasta, criando um ministério exclusivo para tratar de saúde, era uma maneira de garantir mais recursos e competências técnicas a fim de enfrentar os problemas de saúde.
A criação do Ministério da Saúde fez parte de um projeto varguista de redesenho da administração pública federal, que compreendeu a criação de 16 ministérios, conforme lembra Rossi.
Políticas públicas
Mas até os anos 1980, não era o ministério quem encabeçava a assistência à saúde. "Esta era oferecida por serviços privados lucrativos e filantrópicos e também, de forma em geral precária, por estados e municípios. O Ministério da Saúde cuidava especialmente do combate a endemias e desenvolvia programas específicos em algumas regiões do país", explica Maierovitch.
Além da vacinação, o médico elenca como pontos positivos da pasta diversas políticas, sobretudo implementadas após a Constituição de 1988: programa de saúde da mulher, transplantes, atendimento a pacientes com câncer, assistência farmacêutica, vigilância em saúde e sanitária — a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi criada em 1999 —, programa de enfrentamento ao HIV, combate ao tabagismo e efetivação do atendimento de urgência — O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi instituído pelo governo federal em 2004.
"Também vale destacar a política de saúde mental, com o fechamento de manicômios e a instituição da rede de atenção psicossocial, embora se possa observar certa instabilidade nesse campo ao longo do tempo", diz o médico.
Na avaliação dele, contudo, o ponto negativo foi o combate a pandemia de covid-19. "Impossível não mencionar a maior tragédia sanitária já ocorrida no país, com mais de 700 mil mortes conhecidas em cerca de três anos", analisa ele. "O Ministério da Saúde falhou fragorosamente ao se recusar a cumprir seu papel na coordenação da resposta, ao postergar a aquisição de vacinas e como patrocinador de medidas que contrariam o conhecimento científico e agravaram a crise."