Ordem do Mérito para Merkel desperta debate sobre seu legado
17 de abril de 2023A ex-chanceler federal alemã Angela Merkel recebeu nesta segunda-feira (17/04) uma Ordem do Mérito da Alemanha das mãos do presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier. Trata-se da mais alta honraria do país, entre as diversas medalhas e prêmios que o chefe de Estado pode conceder a "indivíduos que prestaram serviços excepcionais à nação". Ela não está associada a um prêmio em dinheiro.
Desde 1951 já foram entregues mais de 260 mil Ordens do Mérito (Verdienstorden) de algum tipo "tanto a alemães quanto a estrangeiros por conquistas nos campos político, econômico, social e intelectual", informou o gabinete presidencial.
Em discurso na cerimônia, Steinmeier disse que Merkel recebeu a distinção pelo seu senso de dever e sua confiabilidade, e por nunca ter se colocado pessoalmente como centro das atenções. "Qualquer vaidade, qualquer elogio, qualquer alvoroço sobre ela sempre a contrariaram", afirmou. "Por 16 longos anos, você trabalhou pela liberdade e pela democracia, por nosso país e pelo bem-estar de suas pessoas – incansavelmente. E às vezes no limite de suas forças físicas."
Merkel agradeceu a honraria mencionando ex-colegas de governo que estavam presentes no Palácio de Bellevue, em Berlim, residência oficial do presidente da Alemanha. Entre eles, a ex-ministra da Educação Anette Schavan e a presidente da Comissão Europeia, Ursula vou der Leyen, que chefiou diversos ministérios no governo Merkel. Ambas a ajudaram a atravessar "tempos difíceis", disse a ex-chanceler.
Ela é apenas a terceira personalidade a receber a distinção mais alta prevista para cidadãos alemães, a Grosse Bundesverdienstkreuz mit Stern (Grã-Cruz do Mérito com Estrela). A categoria acima dessa se destina apenas a dignitários estrangeiros e ao próprio presidente.
Os outros dois laureados também foram chefes de governo da República Federal da Alemanha e pertencentes ao mesmo partido que Merkel, a conservadora União Democrata Cristã (CDU): Konrad Adenauer, primeiro líder nacional depois de Adolf Hitler, em 1954; e Helmut Kohl, que supervisionou a reunificação alemã e deu sinal verde para o euro substituir o marco alemão, em 1998.
Adenauer e Kohl governaram durante períodos turbulentos da história alemã pós-guerra. Independente das visões políticas individuais ou das consequências de suas decisões, para Albrecht von Lucke, comentarista da revista política Blätter, ambos foram obrigados a tomar decisões "ousadas".
A sucessora de ambos entre 2005 e 2021, por outro lado, não teria atingido esse nível de liderança, com seus quatro mandatos consecutivos constituindo uma "era de 16 anos perdidos": "Estamos apenas começando a ver quão problemático é o legado de Angela Merkel", critica Von Lucke. "Conceder-lhe tal distinção agora é totalmente prematuro e não é adequado. Ainda não está claro quais foram seus méritos e seus erros."
Falhas no clima, dependência da Rússia
Tanto o agravamento da crise climática quanto a guerra da Rússia contra a Ucrânia, desencadeada pouco depois de Merkel deixar o cargo, relativizaram a ampla estima em que ela era tida até então, tanto no país quanto no exterior.
Apesar de apelidada "chanceler do clima", sob Merkel a Alemanha repetidamente deixou de alcançar suas próprias metas de redução de gases do efeito estufa. Segundo críticos, a chefe de governo teria sido leniente demais com a Rússia, e a dependência crescente da Alemanha em relação ao gás russo durante seus mandatos foi um indiscutível erro.
Numa rara aparição em público, em junho de 2022, Merkel denunciou a guerra russa na Ucrânia, mas defendeu seus próprios esforços diplomáticos: "Por isso não vou me desculpar", disse a jornalistas e fãs reunidos no Teatro do Berliner Ensemble, na capital.
Os defensores da liderança da democrata-cristã argumentam que sua política para a Rússia não foi muito diferente da de outros chanceleres federais, independente de sua filiação partidária. Há muito o país cultiva com Moscou laços econômicos, energéticos e culturais mais estreitos do que muitos de seus aliados europeus, para desgosto destes.
De volta ao incômodo palco público
Enquanto alguns consideram seu quádruplo mandato uma oportunidade perdida, há quem dê a Merkel crédito por meramente defender o status quo durante um período de grande agitação e insegurança. "Ela conseguiu manter a União Europeia coesa, e fortalecê-la em tempos tumultuados", afirma Lucas Schramm, cientista político da Universidade Ludwig Maximilians de Munique.
As crises de endividamento, bancária e migratória atingiram a UE durante o governo Merkel. O Reino Unido separou-se do bloco, enquanto os Estados Unidos sob o presidente Donald Trump eram abertamente hostis em relação à UE.
Segundo Schramm, "recentemente, chefes de Estado e governo atuais disseram que sentem falta de Merkel nas cúpulas do Conselho da UE devido à autoridade dela".
O debate sobre o legado de Angela Merkel está longe de se concluir, e permanece sujeito a eventos cujo desdobramento total ainda está por vir. Quer merecida, quer prematura, a decisão de lhe conceder a Grã-Cruz da Ordem do Mérito coloca a chanceler federal aposentada de volta nas luzes da ribalta pública.
Esse é justamente um lugar que ela tentou evitar quando em exercício, e do qual tem basicamente se mantido longe desde que retornou à vida como cidadã comum da República Federal da Alemanha.