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Merkel diz não se arrepender de acordo energético com Putin

7 de dezembro de 2022

Ao "Die Zeit", ex-chanceler defende antiga diplomacia de aproximação com Moscou para garantir energia, assim como sua política de acolhimento aos refugiados. "Há situações em que não se pode evitar controvérsias."

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Angela Merkel e Vladimir Putin em encontro de 2006, ambos sorrindo, lado a lado
Em entrevista, Merkel justificou acordo com Putin durante seu governo em razão da crise energética na EuropaFoto: Matthias Hiekel/dpa/picture-alliance

A ex-chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, em entrevista ao jornal alemão Die Zeit publicada nesta quarta-feira (07/12), defendeu o legado que deixou após os 16 anos em que governou o país, inclusive as decisões tomadas para assegurar o abastecimento de energia da Alemanha

Merkel afirmou que aqueles que questionam sua ações, em uma época de circunstâncias bem diferentes das atuais, costumam fracassar ao levar em conta o contexto em torno dessas decisões.

As decisões defendidas por Merkel incluem o impulso dado por seu governo para acelerar o fim do programa de energia nuclear e permitir que o gasoduto Nord Stream 2 se materializasse, ao optar pela energia vinda da Rússia ao invés de outras fontes mais caras.

Este ano, o governo que a sucedeu vem tendo bastante trabalho para diversificar suas fontes de energia, após a invasão russa da Ucrânia forçar toda a Europa a considerar alternativas para o petróleo e gás russos.

A controvérsia do gasoduto Nord Stream 2

A ex-chanceler disse que nunca foi o papel do governo aprovar ou não o gasoduto, construído para transportar gás natural da Rússia para a Europa através do Mar Báltico, conectando o território russo com a Alemanha.

Na época, a construção do gasoduto foi criticada pela Ucrânia, Polônia, e também pelos Estados Unidos.

Merkel alega a aprovação da obra cabia às empresas alemãs, e não ao governo. A única forma para o governo impedir a construção seria aprovar uma lei que permitisse agir contra o gasoduto, o que, segundo a ex-chanceler, teria "piorado perigosamente o clima com a Rússia".

O gasoduto acabaria sendo suspenso no início deste ano em reação à invasão russa da Ucrânia.

Ela lembrou, que, na época em que o acordo foi firmado, havia uma crise energética gerada pela escassez do abastecimento vindo da Holanda, Reino Unido e Noruega. Além disso, as exportações de gás natural dos EUA não eram uma opção viável.

A ex-chanceler ressaltou que, mesmo que as decisões atuais em termos de energia façam sentido, devido à situação com a Rússia, elas não teriam sido possíveis quando ela era chanceler.   

Autocrítica em relação a Crimeia

Na entrevista, a ex-chanceler compartilhou algumas reflexões sobre o seu legado. Ela afirmou que a maneira com a qual o mundo reagiu a anexação da Península da Crimeia em 2014 não foi suficientemente dura.

Ela lembrou algumas reações, como a expulsão da Rússia do grupo dos países do então G8, o posicionamento de tropas da Otan no Mar Báltico e o acordo entre os países da aliança militar do Atlântico Norte para aumentar os gastos nacionais com a defesa para 2% de seus respectivos PIBs.

"Mas, deveríamos ter agido com mais rapidez à agressividade russa", disse a ex-chanceler. Ao ser perguntada de que forma seria possível pôr fim à guerra na Ucrânia, Merkel disse que a única maneira de resolver o conflito seria através de negociações.

Crise dos refugiados

Outro tema defendido pela ex-chanceler foi a postura controversa de seu governo em relação ao enorme fluxo de refugiados que chegaram em massa ao país em 2015, na maioria, de pessoas que fugiam da guerra na Síria.

Merkel permitiu a entrada deles no território alemão, apesar da regra da União Europeia (UE) chamada de Diretriz de Dublin, que estabelece que os refugiados devem ser registrados nos Estados-membros nos quais eles chegaram inicialmente.

A Alemanha, porém, permitiu que essas pessoas cruzassem a fronteira do país antes de terem examinados os seus pedidos de asilo. Em 2015, quase meio milhão de pessoas formalizaram pedidos de acolhimento, seguidas de outras 750 mil no ano seguinte.

Ao ser perguntada sobre o que a levou a tomar essa decisão, Merkel explicou que agiu "em linha com os valores e direitos fundamentais" da Alemanha. Ela disse também que foi influenciada pela reação de membros da sociedade alemã que acolhiam os refugiados que chegavam nas estações de trem do país.

Ela reconheceu que se sentiu impactada pela divisão que essa decisão gerou no país. "Mas, há situações nas quais não se pode evitar controvérsias", afirmou.

Tentativa de resolver a raiz do problema

Merkel também lembrou as medidas que adotou para tentar chegar à raiz dos problemas que causam a migração em massa. Ela mencionou o acordo firmado entre a UE e a Turquia, em 2016. Altamente polêmico na época, o pacto incluía a devolução de refugiados que haviam chegado até a Grécia sem direito a asilo na UE para o território turco.

Em troca, a UE aceitaria o mesmo número de migrantes sírios que aguardavam nos campos de refugiados da Turquia, que seriam distribuídos entre os países do bloco. Além disso, Bruxelas se comprometeu a enviar 6 bilhões de euros (quase 37 bilhões de reais) em financiamentos para Ancara, para dar apoio a quase quatro milhões de sírios que se encontravam em solo turco.

Após o anúncio do pacto, a UE foi criticada por desprezar seus próprios valores humanitários e "terceirizar" sua política migratória para o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, em um momento em que ele se tornava uma figura cada vez mais autoritária.

Na entrevista, Merkel disse que reavalia algumas dessas questões. "Claro que estou aprendendo. É por isso que, em retrospecto, teria trabalhado mais cedo para assegurar que uma situação como a de 2015 não tivesse chegado a ocorrer. Por exemplo, ao aumentar as contribuições para o Programa Mundial Alimentar e para os campos de refugiados em países vizinhos particularmente afetados pela migração, o que acabamos fazendo."