Dois dias depois de cumprimentar a primeira-ministra Liz Truss, no último ato como chefe de Estado e soberana de 15 nações ao redor do mundo, a rainha Elizabeth 2ª morreu. É um momento triste para muitos, sem dúvida, mas também pode ser uma oportunidade para o Reino Unido.
Não consigo deixar de pensar na época em que aquela outra importante integrante da realeza – não, não me refiro ao marido da rainha, Philip –, mas, Diana, morreu. Tal como acontece com a morte da rainha, Diana faleceu logo após uma mudança de poder no governo em Londres.
A única diferença era que Diana era uma pessoa voltada para o futuro, assim como o então primeiro-ministro Tony Blair – não que eu fosse um fã de ambos.
A rainha Elizabeth, por outro lado, era mais como um adorno oxidado. O mesmo vale para o restante da realeza e sua classe dominante e conservadora.
Eles são guardiões de uma política e sociedade do passado e um lembrete constante – seja em moedas, selos ou pacotes de biscoitos e chá – de que somos seus súditos e estamos na parte inferior de uma hierarquia totalmente antidemocrática.
Mas os tempos mudaram, e eles também deveriam mudar.
Uma realeza relutante a mudanças
O príncipe – agora rei – Charles esperou toda a sua vida adulta, até o que deveria ser sua aposentadoria, para assumir o trono. Ao ser coroado, Charles deve sentir que não terá muito tempo para servir à monarquia.
De fato, se algum de seus comportamentos nos últimos 35 anos pudesse ser tomado como evidência, eu sugiro que a última coisa que ele quer é ser rei. Sua esposa Camilla também não expressou muito interesse pelo posto de rainha consorte.
Expressar opiniões não é algo que cabe a realeza, e será que Charles não terá que aprender essa lição atrasado? Em junho, ele foi criticado por ter descrito os planos do governo de enviar migrantes para Ruanda como "deploráveis".
Parece que Charles é menos filho de sua mãe do que dita a linha de sucessão. E isso pode não ser ruim: Charles ainda pode entregar o reinado a seu filho mais velho, William. Afinal, ele é rei – e deveria ser capaz de fazer o que quiser.
É mais difícil de avaliar William. Apesar de toda a antipatia anterior à realeza e aos males da mídia, o príncipe William e sua esposa, Catherine, duquesa de Cambridge, tornaram-se o epítome da realeza moderna – pelo menos externamente.
Ao contrário de seu irmão Harry e da sua esposa Meghan, que vivem nos Estados Unidos, e seu tio desonrado, o príncipe Andrew, William deu passos decisivos para subir ao trono. Poucos dias antes da morte de Elizabeth 2ª, William e Kate disseram que mudariam a casa da família para mais perto da residência da rainha.
Assim, Charles pode abdicar e deixar os espólios para William e Kate. Um resultado melhor, no entanto, seria acabar com a monarquia britânica.
Chances reais de sobrevivência
A rainha era a patrona da minha escola secundária. Fundada em 1856, ela tinha um lema em latim — non sibi sed omnibus (não para um, mas para todos) – o que era uma mentira terrível, também, para uma instituição real.
Acredito que a rainha Elizabeth 2ª visitou a escola apenas uma vez, no ano em que nasci (1974), e nunca mais foi vista. Mas continuamos enviando cartões de aniversário para ela – quer dizer, pequenos atos de dever impensado.
Ainda hoje, ouvimos pessoas nas ruas elogiarem um servo altruísta do povo, uma pessoa e uma família que formam o "tecido" da nação. Mas eu não sinto isso.
Naquele verão, quando Diana morreu, fui ao Palácio de Kensington por um capricho e para olhar a multidão. O palácio ficava do outro lado da rua da loja de roupas masculinas dos meus pais, então era bem perto. Lá encontrei com dois velhos amigos de escola que foram participar da vigília. Um deles, Michael, era do sul da Ásia, e eu lhe perguntei: "Por que você veio aqui com flores? Por que você honra essas pessoas que oprimiram o seu povo?" Ambos me olharam como se eu fosse um pária. A conversa parou ali, e nunca mais falamos sobre o assunto.
Ainda não conversamos sobre isso, porque somos súditos da monarquia – e cabe a nós ficarmos em silêncio e aceitar. Tenho sorte de estar agora na Alemanha, onde é possível criticar a monarquia. Mas, mesmo aqui, é preciso ter cuidado.
Os alemães amam a rainha como se ela tivesse sido a deles. Mas eles nunca viveram sob a monarquia como eu vivi – e muitos outros ainda vivem, ou como meu pai viveu no Quênia quando era ainda uma colônia. Mas nem ele fala sobre isso.
Tudo isso é uma tragédia para uma união democrática de nações, como o Reino Unido. Mas, agora, é a mãe de todas as oportunidades de mudança.
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Zulfikar Abbany é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.