Excessos de violência abalam nosso mundo; seja no Chile, Bolívia, Síria, Hong Kong, a brutalidade parece aumentar a cada dia. Assim, no início desta semana, as confrontações entre ativistas e a polícia de Hong Kong alcançaram o que parece ser seu triste clímax, até o momento.
Na manhã de segunda-feira (11/11), um policial disparou várias vezes contra manifestantes, um dos quais ficou gravemente ferido. Mais tarde, no mesmo dia, lançou-se um líquido combustível e ateou-se fogo a um homem que condenava a violência partindo dos manifestantes radicais. Também ele está gravemente ferido. Os vídeos, feitos com numerosos smartphones, se alastraram quase em tempo real pela internet.
Se é possível uma categorização da violência, são as imagens desse homem em chamas as que mais chocam, repugnam, sua brutalidade é quase insuperável.
Para nós, da DW, a emissora internacional da Alemanha, difundida para o mundo em 30 idiomas, coloca-se por estes dias, com maior intensidade do que nunca, a questão de quais fotos, quais vídeos podemos mostrar. Quanta violência podemos impingir ao nosso público – também considerando as diferentes culturas?
Quais imagens são perturbadoras, desrespeitosas demais? Quando é que o nosso noticiário vitimiza mais uma vez as vítimas, pois as privamos de sua dignidade, mesmo para além da morte? Do outro lado, porém: a partir de que momento começamos a falsificar a realidade, por não mostrarmos o que de fato aconteceu?
São questões difíceis, que discutimos diariamente, e que muitas vezes só podem ser decididas de caso para caso, pois sempre está em jogo o contexto concreto, o poder simbólico dos instantâneos, apontando para muito mais além do momento? As imagens das pessoas que pulavam do World Trade Center de Nova York em 11 de setembro de 2001 são prova disso.
Tomamos essas decisões tomando por base nossa missão. Com nosso trabalho, queremos possibilitar uma formação de opinião independente. Consequentemente, não apoiamos determinados partidos, associações políticas ou comunidades religiosas. Por princípio, não mostramos violências cruéis ou desumanas que expressem uma glorificação ou minimização dessas violências, ou que apresentem a crueldade ou desumanidade do ato de uma forma que viole a dignidade humana.
E tomamos como nosso parâmetro não tornar as vítimas de violência mais uma vez vítimas, através de nosso noticiário, mostrando-as morrendo ou sendo submetidas a sofrimento físico ou psíquico extremo.
No entanto, há situações de exceção, que é quando essa forma específica de representação ou noticiário é no interesse justificado do público.
No caso de Hong Kong, decidimos mostrar as fotos tanto do ativista baleado quanto do homem em chamas, para que o nosso público possa formar a própria opinião nesse conflito fortemente polarizado. No caso do homem incendiado, nos decidimos contra o vídeo. Mostramos essa ocorrência inacreditável porque não podemos escondê-la, nem queremos. Mas não mostramos o vídeo, para não tornar repetível seu horrível sofrimento, através das imagens em movimento.
São decisões que não tomamos com facilidade e não podemos nos facilitar, e sobre as quais há opiniões diferentes, mesmo dentro de nossas redações. Também por estarmos bem conscientes do perigo de nos transformarmos em cúmplices dos agressores, os quais, diante de suas câmeras de celular, encenam violência no formato das redes sociais, para ser divulgada em todo o mundo.
Devemos partir do princípio de que é mais provável esses desafios aumentarem do que diminuírem. E justamente nós, jornalistas, precisamos lidar de forma muito consciente com a familiarização com as imagens do horror, e com o consequente embotamento.
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