O novo-velho presidente da República está no cargo há mais de três meses. E desde o início de janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva tem sido uma fonte confiável de desapontamentos: nas suas próprias fileiras e entre seus supostos parceiros internacionais.
Com sua proximidade da Rússia, Lula ameaça agora pôr em perigo os laços históricos com o Ocidente. Obviamente, Lula, um populista de esquerda, tem optado por uma cooperação mais estreita com as autocracias deste mundo: com a Rússia, a China, o Irã, a Venezuela ou Cuba.
No dia em que o crítico da guerra Vladimir Kara-Mursa foi condenado a 25 anos de prisão na Rússia, o chanceler russo, Serguei Lavrov, afirmou, durante visita ao Brasil, que os dois países estão "unidos por um desejo comum" de contribuir para a construção de um "mundo mais justo, mais verdadeiro e mais democrático".
Lula, como chefe de governo, tem o direito de reorientar a política externa do seu país. O problema é que a reorientação não se ajusta totalmente às suas próprias exigências éticas. Ele havia acusado, e com razão, seu antecessor, o populista de direita Jair Bolsonaro, de minimizar a ditadura militar no próprio país.
O próprio Lula se beneficiou do fato de a Europa e os EUA terem mais ou menos interrompido o contato com o seu antecessor devido à sua má política ambiental, deixando Bolsonaro isolado na campanha eleitoral. Contudo, se fossemos seguir a lógica da atual política externa brasileira, a Europa e os EUA deveriam era ter negociado com Bolsonaro e recuado para uma posição de "neutralidade", apesar do crescente desmatamento na Amazônia.
Recentemente Lula permitiu que navios de guerra iranianos atracassem em Copacabana, enquanto mulheres e jovens críticas ao regime eram assassinadas no Irã. Agora Lula acusa a Ucrânia de ser parcialmente responsável pela invasão do país pelas tropas russas. Segundo ele há sempre dois culpados por um conflito. Se os EUA viessem com a ideia de invadir Cuba amanhã, seria interessante ver se Lula também reagiria de forma tão solidária e admitiria que Havana tem parte da culpa.
É bom lembrar que os soldados russos violam mulheres, raptam crianças, torturam e assassinam civis e destroem deliberadamente a infraestrutura na Ucrânia. Moscou poderia pôr fim à guerra quando quisesse, retirando suas tropas do país vizinho.
Na verdade, uma tentativa de mediação por parte de Lula seria interessante, mas ele está prestes a arriscar o bem mais importante de que um mediador necessita: a total confiança de ambos os lados. Em Moscou e Pequim, ele certamente desfruta dela. Mas no país que foi vítima da agressão russa, a Ucrânia, bem como na Europa e nos EUA, Lula está em vias de perder essa confiança. Pois, com seu posicionamento, ele violou seu próprio preceito de neutralidade. Lula está repetindo a propaganda russa, declarou a Casa Branca na segunda-feira. E lá são os democratas, tradicionalmente mais próximos do PT do que os republicanos, que estão com a palavra.
Há razões perfeitamente compreensíveis para a desconfiança em relação ao Ocidente e aos Estados Unidos na América Latina: o embargo comercial a Cuba, que é controverso na região e que, a propósito, terminaria imediatamente se Havana concedesse à oposição pelo menos os direitos democráticos mais básicos; o envolvimento e apoio americano nos golpes militares do século 20; o passado imperialista e colonial dos europeus.
Um passado que torna ainda mais incompreensível que Lula expresse compreensão em relação à invasão imperialista da Ucrânia pela Rússia. Para Moscou, essa posição é um triunfo diplomático, porque Lula não é um político qualquer. É o chefe de Estado mais poderoso e influente da América Latina, e outros governos olham para ele.
A atitude de Lula em relação à invasão da Ucrânia enquadra-se numa espécie de "cultura da impunidade" que a esquerda (não só) na América Latina permite a si mesma. As violações dos direitos humanos, a tortura, assassinatos só são condenados se não acontecerem no seu próprio campo político. As investigações de corrupção contra políticos de esquerda são basicamente um erro judiciário, os assassinatos e a violência contra os povos indígenas só são criticados sob os governos de direita. Guerras e invasões só são criticadas quando os Estados ocidentais são responsáveis por elas.
Por conseguinte, é apropriado que Lula procure agora a proximidade com a China e a Rússia. A esquerda latino-americana vê a Rússia como sucessora da União Soviética, que é leal a ditadores como Nicolás Maduro ou Daniel Ortega e que culpa o Ocidente pelo mal no mundo.
O Prêmio Nobel da Paz Oscar Arias, da Costa Rica, disse uma vez: "A esquerda latino-americana nunca esteve interessada nos crimes do seu próprio campo político." Nem Lula, para quem as democracias ocidentais já não parecem ser um modelo a seguir.
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