As festividades do septuagésimo aniversário da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) deverão ser marcadas pelo maçante e recorrente assunto das finanças. A disputa míope dos Estados Unidos com muitos de seus aliados sobre o tamanho de seus orçamentos de Defesa ofusca as principais realizações da mais antiga e mais forte aliança militar dos tempos modernos.
Através do Atlântico, a Otan forneceu proteção aos seus membros europeus com o guarda-chuva nuclear dos Estados Unidos. Seu efeito de dissuasão permanece uma âncora indispensável de estabilidade até os dias atuais. Durante a Guerra Fria, a aliança economicamente robusta dos países orientados para o Ocidente triunfou sobre a ditadura soviética e seus estados-satélite.
Nem todos os 29 países-membros da Otan sempre foram democracias. Portugal, Espanha, Grécia e Turquia foram ditaduras militares em determinados períodos, e os novos integrantes da organização que emergiram da zona de influência soviética foram estados comunistas de partido único por décadas. Hoje, todos os filiados, excetuando a Turquia governada pelo autocrático presidente Recep Tayyip Erdogan, se tornaram democracias de fato.
A Otan também se transformou cada vez mais numa comunidade de valores políticos e não é mais somente uma aliança militar de interesses. É por isso que países como a Macedônia do Norte, a Bósnia-Herzegovina, a Geórgia e a Ucrânia têm aspirações de adesão.
Hoje em dia, a Otan oferece proteção contra uma Rússia cada vez mais agressiva, governada pelo presidente Vladimir Putin – o mesmo que, em 2001, considerava possível se filiar à Otan. Desde então, ele escolheu um caminho diferente. Infelizmente, a Otan e a Rússia voltaram a se ver mais como inimigos do que como parceiros estratégicos – como era o caso no cinquentenário da organização.
Num mundo crescentemente complexo, no qual China e Índia estão em ascensão e o Oriente Médio permanece um barril de pólvora, a Otan dá apoio. Também a ameaça do terrorismo continua sendo grande. Um olhar para o passado mostra que muitas missões da Otan além das próprias fronteiras foram bem-sucedidas, incluindo a estabilização dos Bálcãs Ocidentais.
Mas também houve reveses, como a infindável missão no Afeganistão. Há 20 anos, a Otan via a si mesma como uma força policial internacional, mas isso mudou de maneira fundamental. Agora, a segurança doméstica voltou ao topo das prioridades. Mais uma vez, as discussões têm como foco o Kremlin e não Cabul.
A Otan é uma instituição multinacional que funciona, mas, após 70 anos, a continuidade de sua existência está ameaçada pelo seu principal membro. O presidente dos EUA, Donald Trump, questionou a aliança reiteradamente, já que a vê especialmente como uma agência coletora de dinheiro para despesas com defesa, injustamente cobradas de Washington.
Até o momento, a implosão ficou na ameaça. Os Estados Unidos provavelmente não acabarão com a aliança, já que especialistas, militares e políticos internacionais em Washington – excetuando claramente Trump, sua filha e seu genro – veem a Otan como importante também para os americanos. A Otan permite que eles projetem seu poder pela Europa, pelo Oriente Médio e pelo Afeganistão, até a Ásia.
Como única potência mundial, os EUA precisam dessa rede de bases militares e de apoio. Porém, existe o risco de que o presidente egomaníaco na Casa Branca possa se retirar de mais acordos internacionais e compromissos do que já fez, como o acordo que limita o programa nuclear iraniano, o Acordo do Clima de Paris e várias instituições das Nações Unidas. Será que a Organização Mundial do Comércio (OMC), o G20 e o G7 e até a Otan poderiam entrar em crise em breve? Trump aposta no isolamento. Ele terá que aprender que não é assim que o mundo funciona no longo prazo.
Quanto mais os EUA recuam, mais a Europa precisa cuidar de sua própria defesa. Depois de terem dependido dos americanos por décadas, o lado europeu da Otan tem muito o que recuperar. Sem os Estados Unidos, os europeus ficam surdos, cegos e paralisados no palco militar – e esse tipo de dependência não pode ser alterada rapidamente.
Os aliados europeus da Otan, sobretudo a Alemanha, precisam cumprir as promessas financeiras que fizeram para os gastos com defesa. Ao contornar e não cumprir essas promessas, Berlim dá de bandeja uma oportunidade para a ira de Trump. Se o discutível objetivo de gastar 2% do PIB em defesa não puder ser atingido (o sentido dessa meta é certamente discutível), é preciso colocar o assunto em discussão na agenda da aliança e revisá-lo caso necessário.
De qualquer forma, os EUA estão altamente frustrados com os alemães, que não estão querendo pagar a sua parte. A comunicação dos envolvidos é cruzada – e isso não deveria acontecer numa festa de aniversário.
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