Mal amainara o barulho dos fogos de Ano Novo, já despontava na Alemanha um forte candidato a "despalavra do ano": "nafri", traduzível como nordafrikanischer Intensivtäter (agressor contumaz norte-africano) ou, mais simples e neutro, apenas Nordafrikaner (norte-africano).
O que quer que os policiais de Colônia pensem ao utilizar o termo, "nafri" lança uma questão interessante: o que é mais perturbador, a palavra ou a realidade, a vivência que ela descreve?
Quem deu a partida para esse debate linguístico-filosófico foi Simone Peter, chefe da bancada parlamentar federal da Aliança 90/ Partido Verde. O conceito seria "absolutamente inaceitável", uma "humilhante denominação coletiva", declarou a política alemã, nem bem os agentes haviam retornado para casa após longa vigília noturna.
Com sua observação, a Sra. Peter conseguiu dar um peso totalmente novo à discussão, que há semanas vinha borbulhando, sobre a noite de réveillon de 2015 em Colônia. No centro, não mais os fenômenos, mas sim a linguagem usada para designá-los.
Para além do debate público, considerando-se o debate semipúblico que transcorre, por exemplo, na página de Facebook da Sra. Peter, a maioria absoluta dos participantes considera essa reavaliação antes despropositada. O argumento básico é claro: a investigação das ocorrências tem primazia diante de floreios estilísticos.
Mais do que o conceito "nafri", o que incomoda os comentadores é o comportamento dos indivíduos assim designados. Por exemplo, que eles tenham escolhido se reunir às centenas justamente num local e numa hora que haviam ganhado uma certa notoriedade desde as ocorrências do ano anterior.
O que levou os supostos norte-africanos a se reunirem em tão grande número na área da estação ferroviária central?, peguntam os visitantes da página da Sra. Peter. Eles não sabiam que iriam se deparar com uma presença policial tão maciça? Ou haviam se disposto a uma demonstração de poder, quem sabe até uma prova de força?
Ambas as suposições levam a conclusões preocupantes. Ou os rapazes estão tão longe da Alemanha, intelectual, cultural e psicologicamente, que sequer se deram conta de um debate central no país, debate de que eles próprios são os protagonistas. Caso essa suposição se confirme, então o resultado dos presentes esforços de integração é, no melhor dos casos, modesto.
Ou será que os jovens reunidos visavam justamente provocar arruaça, como no ano anterior? Isso significaria, contudo, haver hóspedes no país que não têm boas intenções com seus anfitriões.
Mas se, ao contrário, eles tinham boas intenções, por que não fizeram o raciocínio mais simples: se seus anfitriões, os alemães, não estranhariam se eles voltassem a aparecer em massa precisamente lá onde haviam atacado exatamente um ano atrás?
Quem acha que não tem o direito de submeter os hóspedes a tais considerações, pratica racismo sob signo invertido, ao achar que os jovens estrangeiros não são capazes nem mesmo das deduções mais simplórias.
Também seria possível que tudo tenha sido totalmente diferente, muito mais inocente do que se supõe. Talvez os norte-africanos quisessem simplesmente festejar, como todos os demais? Pode ser. Mas também pode não ser.
Para se obter uma resposta inequívoca, só mesmo com o arriscado experimento de um laissez-faire policial temporário. Seria possível expor os cidadãos a isso, depois das experiências do ano anterior? Muitos usuários do Facebook mostram-se antes reticentes – para dizer o mínimo – em relação a tal ideia.
A Alemanha está reavaliando suas normas, linguísticas, de segurança e também as que têm a ver – para formular de forma um tanto patética – com uma espécie de ética mundial. Disso faz parte a pergunta: até que preço os alemães estão dispostos a pagar pela preservação incondicional dos direitos humanos no Magreb – dentro do debate sobre os "países de origem seguros"?
Depois de Colônia e, numa dimensão totalmente outra, Berlim, esse preço parece um tanto alto demais para muitos cidadãos – a julgar por seus comentários na esfera semipública do Facebook e companhia. Eles não acham demais exigir que, em caso de dúvida, os representantes políticos eleitos por eles cuidem em primeiro lugar da segurança da população.