Havia uma razão para o antecessor de Donald Trump ter sido contra uma intervenção militar direta na Síria, contrariando a oposição de muitos – incluindo membros do gabinete, como a então secretária de Estado Hillary Clinton; os líderes do Congresso, como o senador republicano John McCain e Lindsey Graham; e políticos internacionais, como o presidente francês, Francois Hollande.
Na época, os EUA e o mundo ainda estavam às voltas com duas intervenções militares lideradas pelos americanos, no Afeganistão e no Iraque, e outro engajamento militar, na Líbia – não propriamente liderado pelos EUA, mas que não teria ocorrido sem o apoio de Washington. Depois de anos de carnificina, todos os três ainda estão devendo produzir o resultado desejado de pelo menos estabilizar esses países, se não pacificá-los.
Mas a principal razão para o presidente Barack Obama ter decidido não intervir na Síria foi que – por mais duro que possa parecer e por mais horrível que o conflito, sem dúvida, seja – a Síria não representa uma ameaça à segurança nacional dos EUA. Embora Obama às vezes tenha vacilado nesta posição, especialmente com a impensada observação sobre a "linha vermelha", ele geralmente se atinha a sua posição: o conflito sírio simplesmente não ultrapassava o limiar necessário para uma intervenção dos Estados Unidos, ele não ameaçava os interesses nacionais do país.
A postura de Obama só endureceu depois que ele se deixou levar, contra suas próprias convicções, para a malfadada intervenção na Líbia. Ele então se deu conta de que uma intervenção no conflito sírio, ainda mais complexo, exigiria que os EUA se comprometessem totalmente, do ponto de vista político, militar e financeiro, para resolver o enigma do país devastado pela guerra.
Intervir na Síria exigiria não apenas grande força militar, mas anos de construção de uma nação, uma tarefa temida por muitos americanos. E, como Obama sabia, os americanos, cansados de guerras e ainda se ressentindo economicamente das consequências de uma crise financeira, não estavam dispostos a assumir tal compromisso.
Donald Trump via a questão de forma similar até muito recentemente mas, fiel a seu estilo, ele expressou sua oposição contra a ação militar em termos muito mais fortes do que Obama. Em 2013, através do Twitter, Trump advertiu de maneira severa e repetidamente contra uma intervenção militar dos EUA na Síria. É justo dizer que Donald Trump era um forte oponente de uma ação militar contra a Síria.
Mais ainda, Trump também insinuou repetidamente que cooperaria com o regime de Assad contra o que ele considera, com certa razão, a ameaça real à segurança nacional dos EUA: o assim chamado "Estado Islâmico". Essa posição se alinhava amplamente com o tema da campanha America First de Trump, segundo a qual os EUA devem se concentrar em preocupações domésticas e só agir em nível internacional quando os interesses nacionais forem claramente beneficiados.
Mas, aparentemente, toda essa análise de Trump mudou de repente após o ataque com armas químicas desta semana contra uma cidade síria controlada pelos rebeldes, que matou dezenas de pessoas, entre as quais, muitas crianças. Claro que, se surgem novos fatos, os presidentes não apenas têm o direito de alterar suas opiniões, como devem, de fato, fazê-lo. O problema é que – tal como após o comentário da linha vermelha de Obama – não existe um plano convincente para resolver o atoleiro sírio.
Além do mais, os fracassos repetidos do presidente Trump em implementar políticas comparativamente fáceis no mercado interno, como a lei sobre imigrantes ou a reforma da saúde, não indicam que ele esteja melhor equipado para resolver questões globais muito mais complexas, como o conflito sírio.
A reação emocional de Donald Trump, quando falou sobre "lindos bebezinhos" que foram mortos no ataque de gás sírio foi compreensível e compartilhada por muitos. Mas sua impulsiva resposta política e militar para inserir os EUA no conflito é perigosa.
Donald Trump se orgulha de tomar decisões rápidas, ser imprevisível e conseguir virar o jogo. Do seu ponto de vista, sua reviravolta quanto à Síria se encaixa perfeitamente em seu modus operandi. Ela impõe respeito a antagonistas dos EUA como a Coreia do Norte e o Irã, prova a seu público interno que ele enfrenta o desafio do qual Obama preferiu se abster e joga para segundo plano todas as questões pequenas e incômodas, como as investigações sobre a influência da Rússia em sua campanha e a reforma da saúde. Mas o preço que os EUA e o mundo podem ter que pagar por essa manobra talvez seja elevado.